“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.”
O triunfo dos porcos, George Orwell
A crise económica que Portugal atravessou nos últimos anos foi uma das mais severas que ocorreu nas últimas décadas. São inúmeros os portugueses que hoje vivem pior do que viviam, que continuam desempregados, que se confrontam com uma maior precariedade nos seus empregos e com salários muito mais baixos.
A crise foi transversal a todos os sectores da economia portuguesa, afectando empresários, funcionários públicos, engenheiros, operários, economistas, arquitectos, jornalistas, bancários, professores, médicos, enfermeiros, etc…
Hoje a situação económica melhorou e parece legítimo que todos estes profissionais se sintam com a vontade de querer recuperar as suas carreiras, os seus antigos empregos, os seus salários. O problema é que a vontade não é um direito adquirido porque a grande maioria destes profissionais, mais precisamente 86,9% da população ativa em Portugal (DGAEP), se confronta com a realidade de trabalhar para o setor privado, no qual essas garantias não existem e em bom rigor, as condições em matéria de salários e progressão de carreiras não melhoraram…
A razão é simples, a recuperação da economia foi lenta, suportada por salários baixos em segmentos de mercado muito específicos, como o turismo, a restauração, o setor imobiliário, entre outros. A realidade económica do mercado de trabalho é significativamente diferente de outrora, as oportunidades de emprego não são transversais à economia, na medida em que, ainda são muitos os setores de atividade económica que se encontram numa fase de ajustamento.
Cabe ao Estado e aos seus representantes não ignorarem esta dura realidade de que muitos trabalhadores do setor privado ainda enfrentam e não promoverem artificialmente um bem-estar que ainda não existe. A situação do país é complexa, persistem importantes desequilíbrios estruturais e não nos podemos esquecer que o valor da dívida mais que duplicou desde dezembro de 2007, de cerca de 120 mil milhões de euros para cerca de 250 mil milhões de euros a março de 2019 (IGCP). Apesar da recuperação económica, muito do emprego é precário e na verdade, não foram os funcionários públicos os mais afetado pela crise, mas sim os funcionários do setor privado. Quando a taxa de desemprego subiu para 17,8%, em meados de 2013 (INE) não foi pelos despedimentos de trabalhadores na função pública pública. Nos últimos anos, enquanto muitos trabalhadores do setor privado reentraram no mercado de trabalho com salários mais baixos, o valor dos ganhos médios mensais brutos (remuneração-base, mais prémios, subsídios ou suplementos regulares e remuneração do trabalho suplementar) na Administração Pública subiram de cerca 1.600 euros em 2011 para 1.721 euros em outubro de 2018 (DGAEP). Acresce o facto que o salário mínimo da função pública é hoje de 635,07 euros que compara com 600 euros do setor privado (INE).
Independentemente do direito e da legitimidade das reivindicações de determinados grupos profissionais, como são os cerca de 100 mil professores do ensino básico 2º e 3º ciclos e secundário (DGEEC), não podemos afirmar que exista grande equidade num estado de direito, quando por detrás da maior carga fiscal de sempre em Portugal, 35,4% do PIB (INE), se queira dar um atendimento prioritário, aqueles que menos perderam e que detêm um maior grau de proteção.
A realidade é que as opções políticas têm custos, que de uma maneira ou de outra se traduzem, ou em mais dívida, ou num maior défice, ou em mais impostos, ou em sacrificar ainda mais o já depauperado investimento público. É difícil por isso entender, que num país onde ainda persistem tantas dificuldades e onde se acentuaram tanto as desigualdades com a crise económica, ainda existam tantos, que apesar de dizerem que somos todos iguais, na prática defendem que há uns mais iguais que outros…
Economista