Tomo a liberdade de levar emprestada a inspiração de Fernando Pessoa para o título deste artigo, porque há que ter ânimo, garra e ambição perante o fatalismo, o conformismo e a desesperança. Situemo-nos em Odemira, o maior município do país em área geográfica, que tem paisagem diversas, realidades económicas e sociais contrastantes, fruto de um crescimento populacional sobretudo oriundo do estrangeiro – mas também de cidadãos nacionais que decidiram sair das grandes cidades e ali encontraram oportunidades prósperas de vida e de carreira – e que nas últimas décadas tanto se desenvolveu graças à atividade agrícola.

Situemo-nos na mesma Odemira que tem no turismo, também, uma atividade relevante e meritória que tanto tem ainda para dar ao território, e situemo-nos, por fim, na Odemira que tem na barragem de Santa Clara a principal e mais importante fonte de abastecimento de água para a agricultura, para o turismo, para o consumo humano e todas as demais atividades para as quais é necessária. Odemira é, hoje, um concelho muito, mas muito diferente, do que era há duas décadas, quando as primeiras explorações de pequenos frutos ali encontraram as condições edafoclimáticas ideais para produzir fruta com uma qualidade excecional durante todo o ano.

Fruta essa que os mercados externos em muito valorizam e que gera receitas e emprego, algum do qual, diga-se, bastante qualificado. É muito graças à atividade agrícola do Perímetro de Rega do Mira, servido por uma infraestrutura degradada e obsoleta, com perdas de água a montante da produção na ordem dos 35%, que Portugal tem na fileira dos pequenos frutos um campeão da sua economia.

A agricultura de precisão, como é o caso, representa mais de 60% da riqueza criada na região de Odemira. Em 2022, o Aproveitamento Hidrográfico do Mira (AHM) gerou mais de 300 milhões de euros do volume de negócios nacional do sector agrícola e agroalimentar e assegurou emprego a cerca de 9 mil pessoas, das quais 2 mil na fileira dos pequenos frutos. Sim, para produzi-los – assim como os produtos de outras 41 culturas diferentes que ali existem, com alguma escala e desenvolvidas por mais de mil produtores agrícolas – é preciso água, mas é justamente da sua produção que se gera valor económico e emprego. A água é transformada em alimentos, não é simplesmente “gasta”, como excessivas vezes se quer fazer crer.

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Diga-se – os factos exigem-no – que não é a escassez de água, mas a escassez de uma boa e eficiente gestão da água, que tantos problemas e constrangimentos tem causado ao território e que suscita enormes preocupações quanto à viabilidade futura da agricultura na região.

Os produtores têm feito uma parte: apoiados no conhecimento científico e na tecnologia, têm investido na eficiência hídrica com projetos que, ao longo da última década, permitiram poupar de cerca de 30% na água que usam para produzir e pela qual pagam. O resto, a que se perde, segue para o mar, porque independentemente dos investimentos que os produtores façam a jusante, a cada três anos, a estrutura de distribuição perde a água correspondente a um.

Urge a concretização da nova estação elevatória da barragem de Santa Clara. É premente a Empreitada para impermeabilização de troços dos canais condutor geral, de Milfontes e de Odeceixe. São imperativas as empreitadas da reabilitação do sifão da Baiona e da construção de novos reservatórios de regularização. Obras prometidas (algumas até com financiamento aprovado), repetidamente, pelo Governo e organismos da administração central e sem data de concretização prevista.

Mas os agricultores não desistem, porque vale a pena lutar pelo presente e futuro de Odemira. Pela sua economia, mas também pelas suas pessoas. Além da urgência do curto prazo, é imprescindível encontrar novas fontes de água que respondam às necessidades globais de Odemira, incluindo as do consumo humano e de todas as atividades económicas do território. Água para todos, sim, é possível e urgente!

Se as alterações climáticas e a redução da pluviosidade comprometem a disponibilidade de água em Odemira de forma global, é necessário que haja “alma” para entregar alternativas. A tecnologia e a ciência são a resposta, não há qualquer inevitabilidade ou motivo para deixar um setor pujante definhar.

A instalação de uma dessalinizadora que sirva Odemira é perfeitamente viável e deve ser assumida como compromisso pelo Estado português. Odemira, mais do que de chuva e de opiniões, precisa de ciência e de ação. Fazem falta compromissos efetivos, com prazos claros, que permitam soluções estruturais para o território.

Não precisamos de catastrofistas, precisamos de sonhadores. Não precisamos de fatalistas, precisamos de visionários. Não precisamos de fé, mas sim de ciência. Há, contudo, um elemento intangível que tem faltado, e que é “alma”, ou seja, espírito de fazer, vontade de realizar e ambição de concretizar.

Odemira vale a pena e não merece “alma” pequena. Encaremos os factos e assumamos que, com os investimentos certos na gestão hídrica, Odemira tem presente e tem futuro. Sem isso, sobrará uma paisagem desoladora, um território abandonado e condenado ao passado. Saibamos olhar para o desenvolvimento, fazendo um bom e eficiente uso dos recursos, num território que tem tudo, mas tudo, para ser um território onde a produção agrícola pode ser uma referência.

Somos um país pequeno, não sejamos um pequeno país.