Quem diria, já quase passaram 50 anos sobre o 25 de Abril e que trabalhos tivemos para aqui chegar.

Para darmos corpo a uma resposta, temos de reviver o 25 de Abril de 1974 e incluir nessa revisita uma breve análise sobre os 48 anos que o antecederam.

Relembrar esses 48 anos é tanto mais importante, quanto se reconhece que esse passado é a causa e justificação do 25 de Abril de 1974.

Falta de liberdade, falta de democracia, guerra colonial, mal-estar social.

Os portugueses fugiam maciça e clandestinamente para França, Alemanha e Suíça, outros morriam em África por uma causa sem sentido, as barracas e a exclusão social invadiam a região de Lisboa, a economia não resistiu aos primeiros sintomas da crise do petróleo, os grandes projetos industriais entravam em derrocada, a agricultura praticamente não existia, a educação era para muito poucos. Tudo isto enquanto os diretos humanos eram espezinhados e muitos Portugueses entravam nas prisões apenas porque ousavam pensar diferente, a situação político-social caminhava para o insustentável.

Mas infelizmente em muitos momentos históricos, tivemos o comprazimento na dor ou nas ausências que geraram a fuga para trás e o culto mórbido do passado o quanto possível para nele encontrarmos o imobilismo ou a inercia entorpecedora.

Felizmente, também, que noutros importantes momentos que atravessaram a nossa História empolgaram-se gerações, como o foram com a visão cultural de um D. Dinis, a dimensão estratégica de um D. João II, o desafio humano por outros continentes.

É outra vertente de sermos Portugueses em dialética inesgotável.

O 25 de Abril e os seus já cinquenta anos são isso mesmo. A dialética constante entre a reinvenção sonhada e o País feito de crises, de sobressaltos de avanços e recuos, de saudades e de determinação. E para o qual ambicionamos um projeto e um destino rumo à felicidade, nem sempre por caminhos coincidentes.

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Dialética em que os protagonistas cimeiros, dos Capitães de Abril aos de Novembro e a quantos serviram a democracia, ainda quando merecedores de uma justa evocação histórica, devem ser relativizados, perante todo o universo que são as Portuguesas e os Portugueses, que justificam a liberdade, a igualdade e a solidariedade social.

Aqui chegados e com os caminhos em permanente reabilitação falemos desse dia fantástico que todos recordam com saudade vivida, ou com esse sentimento transmitido entre gerações.

Eu vivi e assisti ao 25 de Abril. Já era adulto e com a formação política conferida pelo curso de Aeronáutica da Academia Militar e a licenciatura em Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, além de uma significativa experiência profissional de serviço publico na área da gestão do desporto Direção Geral dos Desportos e na de gestão de unidades turísticas, além de casado e pai de dois filhos.

Desde 1958 que muitos como eu viviam na esperança do aparecimento de um Tempo Novo, logo que apareceu a concorrer a Presidente da República, contra o General Américo Tomás o General da Força Aérea Humberto Delgado, ficando célebre a sua resposta sobre a continuidade de Salazar, “0bviamente demito-o”.

Humberto Delgado entusiasma multidões por todo o lado onde passa, lembro-me que assisti a um memorável comício da sua campanha eleitoral, em Coimbra, na Praça 8 de Maio, com muitas dezenas de milhares de pessoas que enchiam a praça e se espalhavam pela rua da Sofia e Visconde da Luz.

Não votei nessa altura, tinha 14 anos, mas empolguei-me com o entusiasmo e a esperança que sentia na multidão.  No Liceu D. João III que frequentava, discutia-se a campanha, na minha turma havia um grande entusiasta de Humberto Delgado e da oposição ao Salazarismo,   Montezuma de Carvalho.

Como se antevia as eleições foram completamente manipuladas e tudo acabou com o assassínio pela PIDE de Humberto Delgado em 13 de fevereiro de1965.

Desde a segunda metade dos anos sessenta, que os da minha geração começaram a sentir que alguma coisa poderia acontecer, a guerra em África não tinha solução, todos ou grande parte dos países reclamavam a independência das colónias de África, o Conselho de Segurança da ONU, aprovava sucessivas moções contra Portugal, os caixões dos militares portugueses mortos em África chegavam às dezenas ao Cais da Rocha no meio do choro dos seus familiares.

Começaram a aparecer publicações mais ou menos clandestinas que se conseguiam obter antes de aprendidas pela PIDE-DGS, como a Seara Nova e os Cadernos D.Quixote com temas da atividade politica nacional e Internacional.

A derrota ou o impasse militar em África, nomeadamente na Guiné-Bissau, cujos guerrilheiros do PAIGC começaram a dispor de armamento antiaéreo como o Lança foguete RPG2 e as metralhadoras pesadas Dgtyarev e outras armas mais ligeiras, como a metralhadora SG43 DE 7,62mm, mas com capacidade antiaérea, acabou por determinar o fim do domínio aéreo que permitia cobertura às operações terrestres, obrigando os militares a praticamente só defenderem os seus aquartelamentos.

Esta inoperacionalidade militar associada a alguns movimentos dos oficiais do Quadro Permanente, já fartos de uma guerra sem solução à vista, começou a fazer adivinhar que algo iria acontecer em breve por parte dos militares.

A 3 de Agosto de 1968 Salazar cai da cadeira no Forte de Santo António da Barra, no Estoril, onde estava a residir, sofre grave traumatismo, inicialmente recusa assistência, mas a gravidade da queda depressa demonstrou que se tratava de lesão cerebral grave, com 79 anos foi internado e operado. Durante a operação sofre um acidente vascular cerebral que o impossibilita de governar o País.

A 7 de Setembro através da Emissora Nacional, Portugal é informado da gravidade da lesão cerebral, já conhecida em alguns meios, pouco depois é dada a notícia da indigitação do Professor Marcelo Caetano para Presidente do Conselho de Ministros, mas Salazar nunca será informado dessa decisão. Continua a acreditar que ainda é Presidente do Conselho, havendo mesmo simulações de conselhos de ministros a que ele julgava presidir, assim continuando até à sua morte em 27 de Julho de 1970, com a idade de 81 anos.

Marcelo Caetano promete reformas na continuidade, para a Assembleia Nacional são eleitas personalidades da oposição, como Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Mota Amaral, José Pinto Leite, Magalhães Mota e Miller Guerra, que ficaram conhecidos como a ALA LIBERAL, que iniciaram uma oposição ao governo, atingindo alguns, poucos, compromissos e alertando para novos possíveis horizontes.

O General Spínola publica em fevereiro de 1974 o livro Portugal e o Futuro que tem imensa repercussão numa sociedade já ávida de mudança.

A 16 de Março de 1974 dá-se o levantamento frustrado das Caldas da Rainha.

De 4 a 8 de Abril em Aveiro realiza-se o III Congresso Nacional da Oposição Democrática.

Tudo estava a acelerar-se e corriam boatos entre muitos setores da sociedade que estaria em preparação algum muito importante, tive pessoalmente essa perceção clara, através de antigos camaradas da Academia Militar, direta ou muito próximos dos chamados Capitães de Abril.

Chega o Dia 25 de Abril de 1974, às seis\sete da manhã já estava acordado e colado ao Rádio Clube Português, tinha   sido advertido na véspera que algo de muito importante estaria para acontecer no dia 25, ouvi o 1º anúncio do programa do Movimento das Forças Armadas, “acabar com a guerra colonial e promover eleições livres”, foram as primeiras promessas do Movimento dos Capitães.

O radialista Luís Filipe Costa anuncia que o presidente do Conselho Marcelo Caetano e o ministro da Justiça e dos Negócios Estrangeiros tinham apresentado a sua resignação ao Movimento das Forças Armadas e o Presidente da República Almirante Américo Tomás, com outros ministros estariam refugiados no quartel do Largo do Carmo, cercado por militares do Movimento vindos de Santarém, mais tarde soube-se, comandados pelo Capitão Salgueiro Maia.

Pouco depois com o meu amigo Professor Eduardo Trigo, ao tempo Diretor do Estádio Nacional do Jamor, já estávamos no largo do Carmo a assistir ao vivo e a cores, ao cerco dos militares e a ouvir Francisco Sousa Tavares agarrado a um megafone em cima de uma Chaimite, rodeado de soldados clamar pela Liberdade.

Foi bonito, mas muito desordenado e algo indisciplinado, o que no momento nos fez sentir envolvidos naquele êxtase de libertação, como se fizéssemos parte integrante daquela Revolução.

Foi um dia em cheio, muita alegria muitos cravos e risos e a felicidade no rosto das pessoas, depois do Largo do Carmo passamos pela rua António Maria Cardoso a assistir à ocupação da Sede da PIDE-DGS por tropas do Movimento das Forças Armadas. Foi uma quinta-feira em cheio a que seguiu uma semana com enormes espectativas em relação ao futuro de Portugal.

Na quarta-feira seguinte foi o 1.º de Maio, o primeiro em liberdade, desde cedo que o movimento deste dia foi de festa por todo o lado. A partir da manhã que muitos milhares de pessoas se começaram a dirigir para o Estádio da FNAT, logo batizado como Estádio 1.º de Maio, destronando o de 28 de Maio, data de outra revolução.

Consegui, graças ao livre trânsito da Direção Geral dos Desportos, juntamente com o meu amigo José Gomes Machado, à data presidente da Federação Portuguesa de Andebol, lugar privilegiado na tribuna de honra, logo atrás de Mário Soares e de Álvaro Cunhal, recém-chegados do exílio.

Foi impressionante ver a multidão entusiasmada e ouvir os discursos inflamados de liberdade e patriotismo, nomeadamente o de Álvaro Cunhal de punho direto cerrado e ameaçador, como se a revolução já fosse dele.

O conselho da Revolução, estrutura militar do Movimento das Forças Armadas, da criada com o 25 de Abril, nomeia António Spínola Presidente da República, que toma posse a 15 de Maio de 1974, que a16 de Maio dá posse ao 1º Governo Provisório a que presidia Adelino da Palma Carlos e integrava Mário Soares, Sá Carneiro e Álvaro Cunhal.

O Partido Socialista já se tinha formado um ano antes (19 de Abril de 1973) na cidade alemã de Bad Munstereifel na Républica Federal da Alemanha, desde logo com Mário Soares a Secretário Geral.

O Partido Comunista Português já estava bem implantado, como bem montada organização clandestina durante todo o período da ditadura. Foi fundado a 6 de Maio de 1921, na Associação dos Empregados de Escritórios, em Lisboa e logo a seguir ao 25 de Abril transformou-se numa vanguarda que se manifestava em múltiplas frentes com uma estrutura já montada e atuante em vários setores, nomeadamente laborais e militares e que iria marcar de forma incisiva a jovem Democracia Portuguesa. Tinha a seu crédito a luta contra a ditadura e os muitos presos que sofreram nas prisões políticas as sevicias da PIDE

O PPD, Partido Popular Democrático, foi fundado por Francisco Sá Carneiro, Francisco Balsemão e Joaquim Magalhães Mota a 6 de Maio de 1974, escolhi desde logo filiar-me no PPD que me trazia a imagem de Olof Palm e da Social Democracia Sueca, ainda hoje mantenho a filiação como o militante nº30.

O CDS, Centro Democrático Social, reclamando a Democracia Cristã, é fundado a 19 de Julho de 1974, tendo como seus fundadores Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Victor Sá Machado entre outros.

Passamos o tempo conturbado do PREC, Período Revolucionário em Curso, o 28 de Setembro da maioria silenciosa de apoio ao presidente António Spínola, que, entretanto, se demite e refugia-se em Espanha.

Nesse dia o Exército sai à rua armado, e monta barragens à entrada das principais cidades na procura de armas nas bagageiras de todos os carros que manda parar.

Sente-se por todo o lado o aperto   comunista, nas Forças Armadas, nas empresas, nas instituições, nos departamentos do Estado, nas escolas e universidades, vive-se bastante divisão entre os portugueses, com os comunistas melhor organizados a quererem dominar Portugal.

Os governos provisórios sucediam-se, Vasco Gonçalves preside ao II, III, IV e V com uma grande proximidade ao Partido Comunista, na Presidência da República, a Junta de Salvação Nacional com a demissão de Spínola, nomeia o general Costa Gomes Presidente da Républica a 30 de Setembro de 1974.

No dia 19 de Junho de 1975 o Partido Socialista com Mário Soares realiza o grande comício da Alameda D. Afonso Henriques que reúne socialistas e militantes de outros partidos democráticos como o PPD e o CDS, numa grande unidade democrática onde são vaiados Vasco Gonçalves e o Partido Comunista

Os militares dividem-se e o Movimento das Forças Armadas, apresenta grandes fraturas com um grupo de oficiais a constituírem o “Grupo dos Nove” liderados por Melo Antunes, grupo que se opõe às teses totalitárias do documento “Aliança Povo \MFA”, apresentado em 8 de Julho de 1975.

O 25 de Novembro de 1975 é o início do estertor do domínio das tendências comunistas em Portugal, com quase uma guerra civil entre militares apoiantes do Partido Comunista que movimenta civis armados contra ao Comandos militares democratas, chega a haver tiros junto ao Quartel da Calcada da Ajuda, salienta-se Ramalho Eanes, que coordenou  as forças democráticas  o  Jaime Neves  o seu principal operacional que comandou os comandos da Amadora que saíram em direção à Ajuda acabando pôr fim á intentona esquerdista.

Aqui acaba o PREC.

A 25 de Abril de 1976 realizam-se as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, com a vitória do PS (37,9%) e que irá redigir e aprovar a 1ª Constituição da República, nesse ano e que viria a ser revista seis vezes até hoje.

Em 27 de Junho de 1976 é eleito o General Ramalho Eanes, Presidente da República, o primeiro eleito por sufrágio universal depois do 25 de Abril.

Ramalho Eanes dá posse ao primeiro governo constitucional em 23 de Julho de 1976, com Mário Soares a Primeiro Ministro.

Só em 1982 se extingue o Conselho da Revolução ficando as funções que exercia para o Conselho de Estado e ao Tribunal Constitucional, Lei Constitucional nº 1\ 82 de 30 de Setembro.

Foi aqui, que verdadeiramente se inicia a Democracia em Portugal, com a subordinação das Forças Armadas ao Poder Constitucional eleito, caminho que vamos correndo com mais ou menos mudanças, mas em Democracia, que ao fim destes 50 Anos está verdadeiramente estabilizada e consensualizada em Portugal.