Mudam os tempos políticos, aguarda-se que mude também a ação política. Tem o Ministério da Saúde uma nova timoneira, que é credora do benefício da dúvida. Ana Paula Martins diz que tem como frase inspiradora “a coragem é a maior das virtudes”. Pois que esse espírito a guie na liderança do ministério e a leve a corrigir as graves injustiças que se arrastam há anos, em alguns casos há décadas, no setor da enfermagem.

Não há, porém, espaço para estados de graça. A situação é tão grave e o Serviço Nacional de Saúde passa uma situação tão limite que urge intervir a sério, sem pensos rápidos ou paliativos, repondo direitos adquiridos e valorizando o grande ativo que são os profissionais de saúde e, particularmente, os enfermeiros, o maior grupo profissional da área.

Não vamos aceitar continuar a ser tratados como o parente pobre do setor.

A nomeação de um elemento da área farmacêutica rompe com um passado de médicos ou economistas para o lugar de ministro da Saúde, muitos sem ter qualquer conhecimento de causa sobre o funcionamento de um hospital ou um centro de saúde. O que se mantém igual é o desprezo pelos enfermeiros. Constatamos que os enfermeiros não fazem parte do staff do Ministério, sendo este grupo detentor do melhor “Kaizen” para gerir todos os assuntos da esfera da saúde. Os enfermeiros estão no hospital 24 horas por dia. Exigem rigor e moderação nas despesas, implementam uma gestão eficiente dos recursos, partilham modelos de gestão e organização de excelência, aplicam conhecimentos específicos para a tomada de decisão económica e são detentores de experiência para assegurar a operacionalidade dos processos de produção e logística nos vários níveis de cuidados de saúde.

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Quando o SNS foi mais posto à prova, foram os enfermeiros que estiveram na linha da frente, tendo sido reconhecidos, até, pela maior figura mundial da atualidade, que é o Papa Francisco. Alguns pagaram com a vida o cumprimento do seu sentido de missão. Muitas palavras de alento, muitas palmadas nas costas, mas sem o respetivo reconhecimento em atos que valorizem de facto os enfermeiros.

Nunca um profissional de enfermagem ocupou um cargo de relevo na esfera do Ministério da Saúde, o que prova a falta de consideração com que a tutela nos trata. Ainda recentemente houve um concurso para diretor-geral da DGS, e um enfermeiro-professor da ESEP, de curriculum vitae riquíssimo, foi preterido, impedido, barrado por não ter o requisito de ser médico de formação. Urge corrigir esta tendência instalada de não fazer escolhas por competência técnica, mas por estatutos adquiridos de forma quase consuetudinária.

Ficamos com a impressão que, no Ministério da Saúde, o que se pretende é a desorganização do setor da enfermagem. Os primeiros sintomas apontam para a manutenção do menosprezo por esta classe profissional, porque é errado afastar do ministério da saúde/gestão um dos grupos de maior intervenção nos cuidados de saúde diferenciados, primários, continuados, paliativos, no setor privado e social.

Um dos grandes desafios desta nova equipa ministerial é legislar no sentido de melhor organizar a qualidade dos serviços nas Unidades Locais de Saúde (ULS) e nas Administrações Regionais de Saúde, para otimizar o seu desempenho. São inúmeros os problemas com que se debatem estas organizações, desde a falta de contratação de novos enfermeiros até à chamada de enfermeiros selecionados. Uma vez saídos os resultados do concurso e chamados os enfermeiros admitidos, eis que surge o maior problema do concurso, que é a retenção dos novos enfermeiros. Acontece que muitos não ficam mais do que um mês, outros, porque o salário é insuficiente para pagarem a habitação do local onde estão a trabalhar, desistem por se sentirem injustiçados com a carga horária excessiva, fazendo mais do que as 35 horas semanais estipuladas por lei, chegando muitos a realizar 52 horas semanais. Estamos a falar de enfermeiros com o primeiro emprego, que desistem muito rapidamente.

Até 2 de junho foi prometido um programa de emergência para salvar o SNS. Diminuir prazos na marcação de consultas de saúde familiar, inclusão da teleconsulta como uma alternativa ao atendimento presencial, e assegurar enfermeiro e médico de família para todos recorrendo, se necessário, aos setores privado e social. Foi também prometida uma redefinição da rede e um sistema de incentivos a todos os profissionais.

Os enfermeiros estão disponíveis para um diálogo com elevação, ética e sentido de responsabilidade, para resolver os problemas da classe da carreira especial de enfermagem, tendo sempre presente a melhoria contínua dos cuidados de saúde ao doente/utente e ao desenvolvimento do SNS. Mas desde que o diálogo seja efetivo, não abdicando os enfermeiros da resolução de problemas que se arrastam há anos.