1 Um organismo governamental sueco chamado Agência de Contingências Civis (MSB) decidiu há dois anos fazer algo muito estranho para qualquer português (ou outro latino): distribuiu 4,7 milhões de panfletos por toda a Suécia (um país praticamente com a mesma população que Portugal) a aconselhar os cidadãos como deveriam lidar com uma guerra com um país vizinho, um ciber ataque que paralisasse as infra-estruturas essenciais do país ou um desastre natural.

De acordo com o Financial Times, não estava prevista uma pandemia naquele panfleto mas os suecos são educados pela MSB a ser autónomos em qualquer espécie de crise, tentando ter na sua despensa produtos alimentares essenciais da sua dieta para vários dias de isolamento e até conselhos práticos sobre as melhores fontes informativas para combater a desinformação. Conselhos que têm sido muito úteis na forma como a Suécia está a encarar a crise da Covid-19 com 1.931 casos infetados e 21 mortes, estando precisamente uma posição à frente de Portugal no ranking global (de acordo com os dados de domingo, 22 de março).

A brochura “Se a Crise ou a Guerra chegarem” da agência sueca de contingências civis distribuída em 2018 / AFP via Getty Images

Analisando a forma como o Governo de António Costa encarou a crise de coronavírus desde que o surto surgiu em Wuhan (China) em dezembro de 2019 (e tomou porporções de calamidade em janeiro de 2020) só posso concluir que, uma vez mais, estamos nos antípodas da Suécia. Apesar de isso não acontecer por acaso — o atraso económico e social de Portugal face aos suecos vem de há muito e não é facilmente superável —, não é admissível a forma reativa e até trapalhona com que o Executivo continua a reagir a uma crise que era possível antecipar, repito, desde dezembro ou janeiro.

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A prova de que não houve a diligência devida é que os médicos e enfermeiros queixam-se que faltam fatos de proteção de individual — e de máscaras — quando já haverá cerca de 50 médicos infetados. Que os lares de terceira idade e as misericórdias digam que não há máscaras, luvas e gel desinfetante. E que os clínicos da Linha de Atendimento Médico já se queixavam no dia 18 de março de que o sistema estava à beira do colapso quando apenas tínhamos 642 infetados confirmados.

Estará o sul da Europa, mais concretamente Portugal, condenado à tradicional desorganização de apenas agir quando os desastres ocorrem?

2Veja-se outro exemplo, os testes clínicos à Covid-19. Desde o dia 16 de março que a ordem da Organização Mundial de Saúde (OMS) traduz-se em três palavras: “Testem, testem, testem.” Disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, que “não podemos parar a pandemia se não soubermos quem está infetado.” Países como os Estados Unidos e a Alemanha têm seguido essa estratégia, razão pela qual têm tido uma subida diária muito significativa do número de infetados. Só os alemães estão a fazer mais de 160 mil testes semanais.

E Portugal? Segundo a diretora-geral Graça Freitas, a estratégia tem sido a oposta. Testando apenas os casos em que há sintomas. Isto é, entre uma capacidade instalada para fazer 9.000 testes no Serviço Nacional de Saúde (a que se soma o número de 17 mil testes no setor privado que podem ser requisitados pelo Estado), o Governo preferiu fazer, em média, 1.400 testes por dia. Um número que Graça Freitas já admitiu alargar, tal como também assumiu que poderá mudar a estratégia.

O problema, contudo, é que a atual estratégia pode fazer com que o número de infetados em Portugal (1.600 contabilizados à data 22 de março) esteja claramente subestimado. Por outro lado, a estratégia seguida pelos alemães demonstra claramente que é possível detetar de forma precoce mais casos de infetados, de forma a isolá-los mais rapidamente e de forma mais eficiente.

Essa não é a única razão mas certamente que é uma razão de peso, como é assumido pelos especialistas, para a taxa de mortalidade na Alemanha ser de apenas 0,37% à data de 22 de março, enquanto que Portugal tem para a mesma taxa um valor que equivale ao dobro: 0,875%. Ainda assim, um valor baixo quando comparamos com os casos mais graves de Espanha (10,8%) e Itália (9,2%). Ver dados relativos aqui.

Também aqui é muito importante que não sejamos reativos mas, pelo contrário, estejamos à frente dos acontecimentos para conseguirmos manter uma taxa de mortalidade baixa, independentemente do número de casos infetados.

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Com um vírus que tem a faixa etária acima dos 70 anos com o grupo de maior risco (conjuntamente com os pacientes com doenças respiratórias ou outras patologias), os lares de idosos deveriam ter sido alvo de uma proteção especial por parte das autoridades. Em Espanha, por exemplo, já tinham morrido mais de 70 idosos em lares até ao dia 20 de março, sendo provável que esse número tenha aumentado desde aí.

Os problemas dos lares espanhóis não são diferentes dos portugueses. Além das mesmas queixas de falta de material de proteção individual para os funcionários, aquelas instituições passaram a ter problemas graves de falta de cuidadores — ou porque deixaram de aparecer com o medo de serem infetados ou, mais comum, por ficarem mesmo infetados ou de quarentena. Como aconteceu com um lar em Famalicão, que ficou com praticamente todos os funcionários em quarentena, e só ao final desta noite de domingo é que os utentes idosos foram socorridos e transferidos para o Hospital Militar do Porto.

Não vou discutir se faz sentido o ralhete público que a ministra Marta Temido e a diretora-geral Graça Freitas deram aos responsáveis do lar em Famalicão. Mesmo sabendo que há uma praga de lares de terceira idade ilegais que florescem pelo país, vale a pena perceber: porque razão o Ministério da Segurança Social nada fez antecipadamente para fiscalizar se os lares estavam devidamente preparados para esta crise?

Uma vez mais, percebe-se que não houve qualquer preparação ou antecipação do problema — e logo com o grupo de maior risco nesta pandemia.

4 António Costa faz bem em chamar à atenção que é preciso que a economia continue, na medida do possível, a trabalhar. Com o mundo fechado em casa, proibido de ter contacto social, são poucos, contudo, os sectores que conseguem continuar a laborar. Seja em Portugal, seja em qualquer outro país da União Europeia afetado pelo coronavírus.

Independentemente da queda do PIB português em 2020 alcançar os 8,5%, como adiantou o Expresso, ou cerca de 5%, como prevê o economista Abel Mateus, uma coisa é certa: esta crise será pior do que a de 2008/2009.

E aqui entra o pacote económico apresentado esta semana pelos ministros Mário Centeno e Pedro Siza Vieira que complementa as medidas que já tinham sido apresentadas pela ministra do Trabalho e da Segurança Social. São mais de 9,2 mil milhões de euros que contemplam o diferimento do pagamento de impostos (que terão sempre de ser pagos), garantias públicas para a obtenção de empréstimos, linhas e moratórias no pagamento de créditos, entre outros apoios.

Tudo sabe a pouco. Não é só uma questão do pacote anunciado pelo Governo português valer cerca de 5% do PIB — contra 15% da riqueza do Reino Unido e da Alemanha, 12% da França e 2% do de Itália —, é também uma questão de não contemplar uma única ajuda direta do Estado nem aos trabalhadores nem às empresas.

Basta recordar que o Governo de Boris Johnson anunciou que pagaria até 80% do salário de qualquer trabalhador até 2.500 libras por mês (no que foi seguido por outros países como a Holanda) e abdicou da receita fiscal do IVA. Já o Executivo de Hong Kong, por seu lado, decidiu distribuir 10 mil dólares locais (cerca de 1.200 euros) por cada cidadão financeiramente afetado pela crise do coronavírus. Singapura fez o mesmo e o Estados Unidos está a ponderar seguir a mesma prática.

Como diz Tadeusz Koscinski, ministro das Finanças polaco: “ou a Europa financia o pagamento de uma parte dos salários ou financia o pagamento da segurança social” dos trabalhadores para manter os empregos. Compreendo que António Costa queira esperar pela União Europeia para decidir apoios diretos à economia. Mas, independentemente das opções da União Europeia, esse caminho — do Estado abdicar de uma parte da receita fiscal para financiar diretamente os trabalhadores e as empresa — parece-me inevitável.

5 O apoio económico será uma das poucas áreas que resta a António Costa para retificar a forma benevolente como tem gerido esta crise desde início. Do ponto de vista prático, o Executivo tem andado sempre a reboque dos cidadãos e das empresas.

Primeiro, foram as famílias a decidir não enviar os seus filhos para as escolas, pressionando o Governo a fechar as escolas — o que aconteceu a 12 de março quando Portugal contabilizava 78 casos de infeção. Depois foram as grandes empresas a mandarem para casa, em regime de teletrabalho, os seus funcionários. Até o pequeno comércio não alimentar começou a fechar as portas mais cedo que o Governo propôs.

E, finalmente, ainda antes da rábula do Estado de Emergência anunciado com 48 horas de antecedência — e que apenas entrou em vigor este domingo (uma semana depois de ter sido anunciado) depois de uma pequena divisão entre o Presidente e o primeiro-ministro —, já uma boa parte dos portugueses tinha recolhido aos seus domicílios.

Os elogios de António Costa ao comportamento cívico exemplar dos portugueses não esconde outro facto: o setor privado andou sempre um pé à frente do Estado, tentando antecipar os acontecimentos em vez de reagir aos mesmos. Por isso, era bom que o primeiro-ministro acertasse o passo.