Um ano depois, os líderes europeus parecem ter aprendido muito pouco. Um ano passado, os erros cometidos na gestão da pandemia são réplicas do que se fez de mal no começo disto tudo, em Março de 2020.

Nenhum governo pode seriamente ser condenado por não ter previsto que uma pandemia como a que estamos a viver ia acontecer. Pode-se argumentar que vários especialistas tinham antecipado que um dia aconteceria, mas ninguém estava verdadeiramente à espera ou preparado. O mais parecido com isso foi a experiência de vários países asiáticos. De resto, todas as teses esdrúxulas sobre como regimes autoritários ou governos liderados por mulheres respondiam melhor que os restantes fazem hoje parte do triste anedotário deste ano horrível. Esperava-se, no entanto, que um ano passado os erros cometidos agora fossem, pelo menos, diferentes. Não são.

Há um ano, a Europa (a América também) desvalorizou as notícias vindas da China, não foi solidária nem previdente com Itália, descoordenou-se, desorientou-se, competiu entre si, tomou medidas avulsas, contraditórias e conflituantes, ignorou as suas instituições de coordenação e cooperação e seguiu acriticamente a Organização Mundial de Saúde. Até que, durante a maior parte do segundo trimestre de 2020, a hipótese de a Europa, não servindo para responder à pandemia, não servir para coisa nenhuma pairou como uma ameaça sobre a União Europeia.

Se alguns dos erros iniciais podem ser justificados, os subsequentes só têm uma explicação: os governos não confiaram uns nos outros nem viram virtudes na cooperação europeia, até se perceber que a crise da economia iria atingir proporções históricas e, além da resposta sanitária, era necessária uma resposta económica.

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Em Julho de 2020, a Europa respirou de alívio. Havia solidariedade, haveria fundos, a Europa não falharia. Ao mesmo tempo, enquanto os Estados Unidos da América exibiam uma inutilidade global nunca experimentada desde a segunda guerra mundial, a agressividade da China provocava repulsa ao Ocidente. À entrada do verão passado, a Europa parecia o lugar mais seguro e bem governado do mundo. Seis meses depois, não parece nem é.

O que se tem passado nos últimos tempos com a falta de vacinas e, agora, com a decisão de alguns Estados membros, de novo sem qualquer coordenação, suspenderem uma vacina contra a opinião do mais parecido com um regulador europeu, são tiros de bazuca nos próprios pés. Enquanto a bazuca propriamente ainda não chegou.

Se o que aconteceu há um ano não era previsível ou expectável, o que se está a passar agora era. E era evitável.

Explique-se o que se explicar, olhando para o Reino Unido ou para os Estados Unidos, é evidente que era possível ter mais vacinas e vacinar mais gente mais depressa. Era possível coordenar medidas e decisões para que não se voltassem a fechar e abrir fronteiras inopinadamente, e devia ser possível pelo menos os governos confiarem na Agência Europeia do Medicamento e partilharem experiências entre si. Exactamente o que não está a acontecer.

Ao contrário de há um ano, desta vez a responsabilidade pela má reputação da Europa está tanto do lado dos governos nacionais como da Comissão Europeia. E a possibilidade de a corrigir também.

Como há um ano, achar que a Europa provou assim a sua inutilidade e em breve desaparecerá é não ter qualquer noção da importância história do que se conseguiu fazer ao longo de mais de 60 anos e da falta que uma União Europeia faz. Achar que é tudo um problema de comunicação e narrativa, é não perceber o que são as responsabilidades de ter poder, e as consequências de falhar as expectativas dos cidadãos. Não se pode fazer uma festa das vacinas quando chegam as primeiras, culpar os outros quando faltam as seguintes, e promover a desconfiança sobre as poucas que há.

Em 2020 demorámos 4 meses a corrigir os erros de Março. Não sendo já possível evitar os erros de Janeiro a Março de 2021, ainda se pode corrigi-los sem ter de esperar que chegue Julho, mas alguém vai ter de apontar o caminho. Mais do que os Tratados e as suas revisões, é nestes momentos que se definem as Instituições.

Henrique Burnay (no twitter: @HBurnay), consultor em assuntos europeus, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Madalena Meyer Resende, João Diogo Barbosa e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00. 

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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