A tristeza, o medo, a ira ou o ódio não são sentimentos brandos. Nem se associam àquilo que temos de mais agradável e de melhor. Trazem consigo alguns níveis de dor. Fazem-nos estremecer. E aguçam a necessidade de entendermos com quem é que podemos contar para nos confiarmos àquilo que sentimos. De forma a que fiquemos menos sozinhos com isso. Há quem lhes chame a sentimentos maus. Porque, alguns deles, contrariam aquilo que se espera das pessoas. Ou duma ideia judaico-cristã do que temos cá dentro.

Mas, vendo bem, não há sentimentos maus. Porque eles não são, na sua génese, outra forma que não seja uma forma de reagirmos, em tempo real, e com inequívoca clarividência, a situações, elas próprias, más. Tirando “os maus”, ninguém procura a ira, por exemplo. Mas há pessoas ou circunstâncias que a suscitam em nós. Portanto, mau não é tanto sentirmos o mal. Mau é ficarmos presos no mal que nos levam a sentir. Sem aceitarmos o estremeção que ele nos traz. O contraditório que impõe àquilo que somos. E a forma como isso nos obriga a perscrutar em nós o verdadeiro, o certo e o errado daquilo somos. Isto é, os sentimentos “maus” são um apelo. Infatigável. Em nome do bem. Do nosso bem! Assim não lhes fujamos, como se os censurássemos só de os sentirmos. Os sentimentos maus desafiam-nos para irmos atrás das nossas convicções. Ajudam-nos a crescer. E tornam-nos, quando isso é assim, pessoas melhores.

É verdade que pensar é, realmente, o melhor remédio. E quando pensamos — de forma aberta e verdadeira, as nossas contradições — saímos sempre mais fortes. Mais esclarecidos. Mais “reparados”. E mais “positivos”. Não só porque aquilo que são os nossos alicerces interiores se esclarecem. Mas porque as pessoas com quem contamos voltam a contar. São indispensáveis. Inimitáveis. E insubstituíveis. Por outras palavras, os sentimentos “maus” ou são assumidos e ajudam a esclarecer que fazemos questão de ser bondosos e que contamos para quem gosta de nós (que não se intimida com quaisquer um dos nossos sentimentos, os nomeia, os afronta e nos devolve àquilo que somos); ou são evitados, não tanto porque sejam maus, mas porque não estamos tão certos assim do que somos ou das pessoas com quem contamos para nos resgatarem em nome do bem.

Seja como for, sempre que pensamos a sério o que sentimos, “o final da linha” será sempre positivo. Saímos a ganhar. Vemos mais longe. Pensamos melhor. Mesmo que aquilo que sentimos nos desafie só a reagir ou nos impulsione para termos comportamentos em espelho, como se ficássemos “possuídos” por aqueles que nos fazem sentir o mal (que esperam que fiquemos presos nele e que não sejamos, sobretudo, capazes de o pensar). Sempre que pensamos, o final é feliz. Não se trata de sermos optimistas. Mas de reconhecermos o óbvio. E verdadeiros, já agora.

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É por tudo isto que aquela espécie de slogan que, na sua versão maiorzinha, nos diz: “Temos de ter pensamento positivo” – e que na versão mais acanhada surge como grito motivacional (“Pensar positivo!) – merece ser olhado. O “temos” sugere, desde logo, uma imposição que contraria aquilo que sentimos. E a forma como nos dizem isso parece vir equipada com um tom de advertência latente que não nos leva nem sequer a perguntar: “Porquê?…”. Talvez porque “pensar positivo” sugira que estamos do lado certo da história. Que a alternativa que se lhe possa opor seja “pensar negativo”. Como se o mundo fosse ou preto ou branco. Ou “copo meio cheio” ou “copo meio vazio”. Optimista ou pessimista. Sem espaço para mais nada. O que não é correcto.

Mais grave, ainda, é que a forma como o “temos de ter pensamento positivo” remete sentimentos como a tristeza, o medo, a ira ou o ódio para o patamar daquilo que nos torna fracos. Os forte não pensam assim… Como se uns tivessem “auto-estima” e os outros fossem de gelatina. Como se uns fossem “resolvidos” e os outros atrapalhados.

O que se passa é que o “temos de ter pensamento positivo” parece um grito de vitória sobre os sentimentos maus. Antes, ainda, de os sentirmos. Ou, pelo menos, fugindo de os vivermos cá dentro. É, pois, muito mais uma censura. Em nome do bem… Que nos sugere a falsidade à verdade. Fugirmos de assumir aquilo que sentimos de “mal” pode, num primeiro momento, levar a que pareçamos melhores. Mas não é uma manifestação de inteligência que venha do mais fundo de nós. Será um intenção. Mas pouco mais.

Nunca podemos fugir dos sentimentos maus. Não tanto porque, no fundo, todos sejamos maus (como alguns chegam a sugerir). Mas, em primeiro lugar, porque eles são sinais de trânsito para circularmos por entre tudo o que vivemos cá dentro. A seguir, porque nos ajudam a conhecer as pessoas que temos ao nosso lado ou que se cruzam connosco. Por fim, porque, porque representam coisas sérias demais para se iludirem e não se perceberem. E, a concluir, porque são as interpelações mais preciosas que nos remetem para o bem. Fugir de pensar o mal torna-nos piores. O pensamento positivo torna-nos maus. (Engraçado, não é?…) Porque acaba por ser uma forma de nos sugerirem que levemos mais a sério a decoração exterior que os alicerces e as vigas do que somos. Mesmo que, à conta disso, utilizemos tudo – agitação, megalomania, falsidade, trabalho, fármacos ou o que seja o que for – para fugirmos até não se poder mais. Ou até à altura em que, qual represa, se “rebenta”. E se vai do pânico ao esgotamento, num instante. Que de positivo, ou de bom, não tem mesmo nada.