“Partido de Milei quer criminalizar aborto na Argentina. Projeto prevê até 3 anos de prisão para mulheres que interrompam a gravidez. A Liberdade Avança quer andar para trás com uma lei aprovada em 2020”. Foi desta forma que o Observador iniciou a notícia, no dia 08/02/2024, sobre a iniciativa legislativa apresentada na Argentina. A notícia prossegue com a garantia, dada pelo governo argentino, de que não é uma iniciativa de Milei.

Milei e a sua coligação podem apoiar ou não apoiar esta iniciativa concreta. Essa não é a questão de fundo. O que temos de perguntar é se um líder político, legitimamente eleito, pode ou não ir contra a agenda da esquerda. A posição de Milei contra o aborto, aprovado na Argentina até à 14.ª semana, em 2020, era sobejamente conhecida. No mês passado, em Davos, no encontro anual do Fórum Económico Mundial, voltou a manifestar-se abertamente contra a “agenda sangrenta do aborto”.  Portanto, os argentinos sabiam o que defende Milei – e elegeram-no.

A reação a este assunto levanta algumas questões. Em sociedades democráticas, é ou não é permitido debater e “andar para trás”, se for a essa a vontade popular, expressa num referendo ou através dos seus representantes? A esquerda permite-o ou as leis do aborto, e das outras “causas fraturantes”, são irreversíveis? A resposta óbvia é “não”: a esquerda, portuguesa e internacional, não aceita qualquer decisão, democrática, que constitua uma derrota para as suas pretensões.

Em Portugal, o “Sim” ao aborto está prestes a atingir o marco simbólico dos dezoito anos. Foi no dia 11/02/2007 que os portugueses responderam à pergunta do referendo: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado”. Dezassete anos volvidos, o CHEGA abordou o problema, nesta campanha eleitoral, pelo aspeto mais premente: o aborto realizado por motivos económicos. No ponto 301 do seu programa eleitoral está a proposta de “Criar um fundo de emergência para as famílias que pensem recorrer ao aborto por razões materiais”. Desenganem-se os que pensam que esta proposta será pacificamente acolhida, por haver alguma espécie de consenso mínimo entre os partidos: a esquerda não aceitará nada que possa beliscar a sua “conquista”, sobretudo se vier do CHEGA. Para a esquerda, mais vale perderem-se vidas e gerar-se sofrimento do que admitir que se pode fazer mais pelas famílias que consideram matar um filho, por falta de recursos.

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Mas, não obstante a óbvia necessidade de rejuvenescer Portugal e as questões éticas ligadas à vida humana no ventre materno, é mais fácil debater estas questões começando pela eutanásia. Aprovar a eutanásia num país como Portugal foi uma decisão insultuosa. Numa reportagem recente, a equipa intra-hospitalar de suporte aos cuidados paliativos do Hospital Egas Moniz abordou a falta de meios para desenvolver o seu trabalho. Faltam espaços, camas, técnicos e, segundo esta equipa, falta vontade política para investir nos cuidados paliativos. Afinal, oferecer a eutanásia é mais fácil e barato, ignorando o efeito “rampa deslizante”. O que é a “rampa deslizante”? É a banalização progressiva da eutanásia. É dar acesso à eutanásia, por motivos considerados excecionais e, com o decorrer do tempo, pretender-se distribuir comprimidos que permitam às pessoas com mais de 75 anos, que estejam fartas de viver, suicidar-se, como aconteceu há alguns anos, na Holanda. Imagine-se uma medida semelhante num país onde muitos idosos vivem miseravelmente, sozinhos, sem se alimentarem corretamente, ou sem dinheiro para aquecerem as suas casas…

André Ventura foi claro: em caso de uma maioria de direita, a primeira proposta legislativa será a reversão desta lei. É a opção mais racional, porque é desumano propor a eutanásia num país onde o sistema público de saúde entrou em colapso e onde não há capacidade para acompanhar dignamente todos os doentes que necessitam de alívio para o seu sofrimento. Esta posição foi assumida no programa do CHEGA que, no seu ponto 107, se propõe revogar a Lei n.º 22/2023, de 25 de maio.

A este tema juntam-se outros, como a “identidade de género”, que tanta polémica tem gerado. É importante que estes temas sejam levantados agora, durante a campanha eleitoral, para que o voto seja consciente e não se reduza a uma mera ponderação económica.