“Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos”. Com esta frase bombástica Pedro Nuno Santos entrou para a história do socialismo contemporâneo em Portugal. A ameaça era para os banqueiros alemães e franceses, a quem devíamos uma fortuna. De então para cá, o agora ex-Ministro das Infraestruturas tem vindo a escrever a sua história sem frustrar as expetativas criadas pela frase com que se anunciou ao mundo da política. Hoje, peço emprestada a expressão bombástica de Pedro Nuno para algumas reflexões, sempre úteis no início de um novo ano.

Ponham-se finos 1 – Marcelo Rebelo de Sousa não usou a expressão do putativo sucessor de António Costa para se dirigir ao Governo na sua mensagem de Ano Novo, mas ter-se-á inspirado nela para deixar um aviso a António Costa. Trocando por miúdos, o Presidente remete para o Primeiro-ministro as culpas pela confusão política que está instalada no país e exige: “ponham-se finos, governem e não desperdicem o ano que agora começa, ou 2024 pode ser demasiado tarde para se endireitarem”.

Ponham-se finos 2 – A mais recente crise no seio do Governo deixa muitas perguntas no ar. Não foram só Alexandra Reis e Pedro Nuno Santos que estiveram mal nesta história. Eles são só a ponta do iceberg e é importante conhecer o iceberg por inteiro. Para além das dúvidas sobre o que de facto sabia ou não o Ministro das Finanças sobre a Secretária de Estado que convidou para tutelar a TAP, sobram outras perguntas. Porque era confidencial o acordo que estabeleceu a indemnização a Alexandra Reis? Sendo confidencial, portanto apenas acessível a um número restrito de pessoas, quem colocou o conteúdo do acordo na imprensa? A quem interessou afastar Alexandra Reis do Governo? Porque foi Alexandra Reis afastada pela atual administração da TAP? O que sabe Alexandra Reis que todos nós desconhecemos?

Ponham-se finos 3 – Percebi só há poucos dias que o IAVE usou o direito de resposta para se defender do texto que aqui escrevi com o título: “Quando o IAVE não tem juízo, o povo é que paga”. Agradeço a resposta, porque é sempre bom saber que aqueles a quem nos dirigimos nos leem com atenção. Registo, no entanto, que a longa resposta não explica nada sobre o tema central do artigo. Como é possível que o diagnóstico do IAVE sobre as aprendizagens durante o tempo da pandemia aponte para uma melhoria das aprendizagens dos alunos portugueses? Como é possível e/ou credível este diagnóstico sabendo nós que o fecho das escolas teve consequências nefastas para as aprendizagens dos alunos em todos os outros países, muitos deles muito mais bem preparados do que nós para o ensino à distância? É ou não verdade que tal diagnóstico dispensa a adoção de medidas para a recuperação de aprendizagens de milhares de alunos afetados pelo fecho das escolas durante a pandemia?

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Ponham-se finos 4 – O primeiro dia do ano foi celebrado em todo o mundo com a tomada de posse de Luís Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil. Ao ver as cerimónias e os comentários percebemos que os ares mudaram no maior país da América Latina. Bolsonaro não deixou boas memórias a, pelo menos, metade dos brasileiros e ao mundo em geral. Mas as más memórias recentes não nos deviam fazer esquecer as más memórias que fizeram com que Bolsonaro surgisse de rompante no cenário político brasileiro. A narrativa do Lula da Silva preso político não tem qualquer fundamento. O agora Presidente brasileiro não foi ilibado das acusações que sobre ele pendiam no processo Lava Jato. A sua saída da prisão tem que ver com questões processuais e não com acusações injustificadas. Aceitar que Lula da Silva foi um preso político é igual a aceitar a mesma justificação para o processo que envolve o seu amigo e convidado especial à tomada de posse, José Sócrates. Alguém acredita nessa versão?

Lula da Silva ganhou legitimamente as eleições e esperemos que governe bem o Brasil. Não estamos a ajudar esquecendo ou branqueando o seu passado.

Ponham-se finos 5 – No último dia de 2022 morreu Bento XVI, o Papa emérito, 10 anos depois de ter agitado todo o mundo católico ao anunciar a sua resignação, abrindo a porta ao pontificado de Francisco. Joseph Ratzinger, que veio a adotar o nome de Bento XVI quando foi eleito Papa em a 19 de abril de 2005, foi uma figura determinante na Igreja do século XX e do início do século XXI. Ao Papa alemão se devem os mais importantes passos que trouxeram a Igreja para a era contemporânea. Bento XVI foi um dos mais importantes padres conciliares no concílio Vaticano II, tendo estado na origem dos seus mais importantes documentos. Ainda antes de ser Papa e já durante o seu pontificado, levou a sério a questão dos abusos sexuais na Igreja e impôs normas indispensáveis ao combate desta chaga dentro da instituição. Foi um grande intelectual que, com o seu pensamento, ajudou a Igreja a dialogar com o mundo moderno, da ciência à cultura, passando pelo diálogo inter-religioso. O legado de Bento XVI, não só para a Igreja mas também para o mundo, é tão vasto que levaremos muitos anos a conhecê-lo. Mas o seu mais importante testamento é a fidelidade e o amor com que desde muito cedo entregou a sua vida e a sua inteligência ao serviço de Deus. Na hora da sua morte, felizmente, são muitos, católicos e não só, que o testemunham. É pena que, ao longo da vida, muitos o tenham visto e não o tenham reconhecido, dominados que estavam por avaliações superficiais e preconceitos, procurando colar-lhe uma imagem rigorosamente contrária àquilo que era a sua natureza. Agora, no céu onde sempre desejou estar, espero que o seu Senhor lhe conceda as graças que pediu nos últimos anos em recolhimento e oração pelo mundo e pela Igreja. Obrigado, Bento XVI, por, com o seu testemunho, me ajudar a pôr-me fina neste início de 2023.