Há uma grande distância entre a imaginação e o avanço tecnológico, embora ambos nunca hesitem na constante procura pelo futuro. O potencial contributo da tecnologia para um mundo mais sustentável, mais seguro, mais ligado e mais saudável, é inquestionável. Mas sabemos também que a tecnologia, por si e em si, não é suficiente.

Observamos uma evolução global e crescente da inovação baseada em dados e da perceção dos enormes benefícios que esta abordagem pode trazer para os cidadãos. Atualmente, 80% do processamento e análise de dados ocorre na cloud, em data centers e instalações de computação centralizada. Espera-se que esta percentagem se altere significativamente nos próximos anos, favorecendo a análise e capacidade de computação que ocorre em objetos conectados inteligentes – como em carros, eletrodomésticos ou robots. Para além das vantagens económicas e de sustentabilidade associadas a esta evolução, também é positiva a perspectiva de maior facilidade na criação de ferramentas que permitam aumentar o controlo que temos sobre os nossos próprios dados. Sabemos que existe, hoje, uma maior consciência de que a tecnologia permite capacitar os seres humanos, facilitando decisões informadas e promovendo direitos fundamentais. Mas os riscos da tomada de decisão não transparente e a importância da confiança são, por isso, mais relevantes do que nunca.

A tecnologia tem impacto. Mas o impacto social dos avanços tecnológicos e científicos é difícil de prever. Uma educação alargada em conteúdos tecnológicos, potencia a sua aceitação e promove uma utilização positiva e construtiva. Mas é também necessário sedimentar o entendimento de que quem cria a tecnologia não está apenas a originar uma ferramenta pela qual os utilizadores serão responsáveis. Também estes, os criadores de uma dada tecnologia, são responsáveis por estabelecer e alterar formas de observação da realidade. Por influenciar decisões e comportamentos.

O debate sobre o impacto da tecnologia, nomeadamente a baseada em inteligência artificial está em crescimento. A Comissão Europeia identificou recentemente os princípios de uma utilização confiável das aplicações baseadas em inteligência artificial, bem como os requisitos para orientar o desenvolvimento destas: ética e regulamentação, autonomia e controlo, justiça, transparência, confiança, segurança e proteção de dados são algumas das linhas orientadoras identificadas.

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Mas a evolução tecnológica é rápida – avança a uma velocidade considerada como estonteante por muitos e, certamente, mais rápida do que a velocidade a que governos e autoridades são capazes, ou estão dispostos, a regular. Este vácuo da regulamentação, em conjunto com o impacto que a tecnologia tem nas vidas de todos nós, são as razões pelas quais é tão vital a existência de uma estrutura ética para o mundo digital.

Liliana Ferreira tem 39 anos, é Diretora Executiva do centro de investigação Fraunhofer Portugal AICOS e Professora Catedrática Convidada na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É licenciada em Matemática Aplicada à Tecnologia pela Universidade do Porto, mestre em Engenharia Electrónica e Telecomunicações e doutorada em Engenharia Informática pela Universidade de Aveiro. Os interesses de investigação em tecnologias da linguagem humana e de representação de conhecimento já a levaram a diferentes desafios e locais como a PhilipsResearch, em Eindhoven, a IBM Research and Development, em Böblingen, ou o Ubiquitous Knowledge Lab, da Universidade Técnica de Darmstadt.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da comunidade.