Já começa a ser tradição ouvirmos, volta que não volta, planos para o desenvolvimento de ligações de alta velocidade em Portugal, de facto, aparecer esta pasta em cima da mesa de trabalho de quem governa começa a ser um fenómeno cíclico, assim como o arrumar da pasta nas prateleiras de São Bento (talvez ao lado das poupanças de Vítor Escária).

Em 1988, o tema é abordado pela primeira vez e arranca com a criação do PAV “Projeto Ferroviário Português de Alta Velocidade”. Uns anos depois, em 2003, na XIX Cimeira Luso-Espanhola, realizada na Figueira da Foz, Durão Barroso apertou a mão a José María Aznar “formalizando” o acordo que tinha sido apresentado aos portugueses, e aos espanhóis, naturalmente, para a construção de quatro ligações de alta velocidade entre os dois países: Lisboa/Porto, Lisboa/Madrid, Porto/Vigo e Porto/Aveiro/Salamanca

Esta rede ferroviária de alta velocidade era na altura vista como um “projecto de investimento estruturante (…) que contribuiria para o crescimento do produto interno bruto e induziria a criação de emprego sustentável, factor decisivo da coesão social do País”. Talvez a tamanha relevância atribuída justifique os cerca de 153 milhões de euros gastos (como avançado pelo Observador em 2015) em exactamente 0km de linha ferroviária… a pasta voltou para a prateleira.

Quase como se estivesse de comando na mão a fazer zapping em episódios do passado português, salto por cima das ligações Lisboa-Madrid a 100 euros e Lisboa-Porto a 40 prometidas em 2008, porque é um episódio parecido aos anteriores, e avanço mais um bocadinho, para 2022. Parece que foi ontem, por aqui só o tempo é que passa a alta velocidade, que em mais uma cimeira ibérica se falava da necessidade de ligar o Porto a Vigo e ganhava espaço no nosso imaginário a linha de alta velocidade entre Lisboa e Galiza, passando pelo Porto, e que até agora ainda não saiu do imaginário. Mas há esperança. Há poucos dias, a Infraestruturas de Portugal (IP) submeteu a candidatura ao financiamento comunitário para o desenvolvimento da primeira fase do projeto da Linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa, candidatura que avançou após acordo entre o governo PS e o PSD para o lançamento do projeto.

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Importa salientar que, das várias e várias opções que estiveram em cima da mesa ao longo do tempo, muitas poderiam ter tido um impacto muito significativo para o interior do país, unindo a Beira Alta, a Beira Baixa ou o Alentejo a grandes centros urbanos, de um e outro lado da fronteira. Tive a oportunidade de testemunhar, em Elvas e em primeira mão, o entusiasmo popular aquando do anúncio do projecto de alta velocidade entre Évora e Caia feito pelo então primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, e pelo seu homólogo português, António Costa. Ainda que de uma linha de mercadorias se tratasse, senti esperança na voz de quem me acompanhava naquele momento e dos vários com quem comentei e discuti o assunto mais tarde, era uma esperança quase forçada de quem quer acreditar que passará a viver menos longe dos olhos de quem governa.

Depois de ter sido adiada algumas vezes, a construção da linha entre Évora e Caia, um “atalho” na ligação de mercadorias que sai de Sines e que tinha de ir ao Entroncamento antes de cruzar a fronteira em Elvas, tem conclusão prevista para 2025, mas não tem previsto transporte de passageiros. Ainda assim, mesmo não proporcionando para já transportes mais rápidos para quem vive no interior, esta linha proporciona uma ligação directa entre Lisboa e Madrid que poderá ser explorada no futuro. Do lado português não há ainda avanços nesta direcção mas do lado espanhol já foram avançadas intenções, pela Renfe, de entrar em Portugal até Évora.

Num país de dimensões curtas, ligações ferroviárias de qualidade ao interior do país seriam certamente impulsionadoras de uma coesão territorial que hoje é escassa demais, podendo ainda aliviar a bolha imobiliária de Lisboa ao permitir que se vivesse mais longe de onde se trabalha, o que começa a ser uma opção cada vez mais comum com a implementação, a longo prazo e em várias organizações, de um regime de trabalho híbrido.

Quando nos anos 90 em Portugal se começava a discutir o tema da alta velocidade, no país vizinho começava-se a arregaçar as mangas. Pelo meio, foram milhões de euros gastos em estudos de projectos que poderiam ter sido, mas não foram, e promessas gastas em esperanças que se poderiam ter realizado, mas não realizaram. Hoje em Portugal temos vários estudos realizados sobre o tema, arrisco-me a dizer que temos quilómetros de folhas de papel que abordam minuciosamente cada opção colocada em cima da mesa, mas Espanha tem a rede ferroviária de alta velocidade mais extensa da Europa e a segunda mais extensa do mundo, depois da China.