Todos os dias surge informação sobre a possibilidade de a Bielorrússia se juntar à Rússia e invadir a Ucrânia. E à luz da indecisão constante, por parte de Lukashenko, em o fazer, quer Minsk quer Moscovo reiteram a necessidade de se integrarem num único órgão de administração militar transnacional.

Apesar de haver esta possibilidade e ela ter avançado em alguns contextos e recuado noutros, deve-se notar que a entrada da Bielorrússia no conflito vai dar um alcance histórico ao mesmo e, consequentemente, uma dimensão muito maior – comunitária.

Há um conjunto de fatores que se colocam quando se analisa a possibilidade de Minsk entrar neste conflito, e eu procurarei explorá-los um pouco, de forma a conseguirmos compreender a dinâmica com que isso irá decorrer.

Ora, existe um conjunto de componentes nos quais se baseia a possibilidade de entrada de tropas bielorrussas na Ucrânia, existe um conjunto de princípios políticos (internos e externos), militares e, por fim, sociais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em termos políticos, ambos os países estão em elevado grau de isolamento político. Moscovo começa a lidar com inúmeros problemas de abastecimento das suas forças, tem perdido a iniciativa na guerra e precisa urgentemente de obrigar a Ucrânia a parar a sua contra-ofensiva. Aqui vem o papel de Minsk. A sua entrada no conflito poderá permitir o alívio de uma das linhas da frente, em Kherson, ou em Kharkiv/Luhansk, obrigando a Ucrânia a reorientar as suas forças, perdendo, assim, a capacidade de alimentar a sua campanha ofensiva.

Parecendo promissora, a execução dessa ideia padece de rápido sucesso para surtir os efeitos políticos pretendidos, ou arrisca-se a se tornar num fiasco absoluto dos dois regimes autoritários da Europa.

Riscos estes que procurarei explorar adiante.

Em primeiro lugar, militarmente falando, há que ter em conta que a Bielorrússia, ao invadir a Ucrânia, vai colocar-se numa situação parecida (e, no entanto, pior) com aquela em que a Rússia esteve em fevereiro de 2022, já que irá colocar as suas tropas a marchar sobre o mesmo espaço geográfico e meteorológico. Aqui há que fazer notar que, a acontecer isso, os bielorrussos estarão a invadir território ucraniano já na altura do Outono/Inverno. Associado a isso, a sua invasão não irá surpreender ninguém, muito menos o Estado-Maior da Ucrânia, que já mostrou estar a preparar-se para tal acontecimento, significando isso que as tropas bielorrussas estarão a enfrentar um inimigo mais bem preparado do que aquele que a Rússia enfrentou na Batalha de Kyiv.

Mencionar isso leva-nos a tentar calcular quais são as capacidades militares bielorrussas, no sentido do seu desdobramento em território inimigo. Aqui, em virtude do estudo das forças bielorrussas, há que voltar ao tempo da União Soviética, a partir da qual Minsk herdou e foi constituindo as suas forças militares, apenas com pequenas modernizações.

As Forças Armadas da República da Bielorrússia, enquanto braço armado da independência bielorrussa da URSS, surgiram em maio de 1992, quando o Distrito Militar Bielorrusso foi extinto e todas os agrupamentos militares presentes no território bielorrusso prestaram um novo juramento à bandeira, já em 1993. Desta vez, tratando-se da bandeira bielorrussa.

Até então, a Bielorrússia tinha três Agrupamentos: o 7° Exército Blindado (sediado em Borisov), o 5° Exército Blindado de Guarda (sediado em Brobuisk) e o 28° Exército (sediado em Grodno).

No entanto, em 2001, na condição de signatária do Tratado da União da Rússia e da Bielorrússia, cria um conjunto de reformas militares, que compreendem o objectivo de tornar as suas forças militares pequenas, mas eficazes na defesa do seu território.

Em termos mais concretos, estas reformas formaram dois Comandos das Forças Terrestres (compondo uma totalidade de 30 000 operacionais): o Comando Operacional Noroeste (em Grodno) e o Comando Operacional Ocidental (em Borisov), sendo ambos apoiados pelas Forças de Defesa Territorial, que constam de cerca de 150 000 homens, maioritariamente na reserva. Estas unidades, pequenas na sua essência, estão dispersas por todo o território da Bielorrússia. A apoiar as Forças Terrestres, em vários pontos importantes, situam-se as Forças Especiais e a Força Aérea (de notar ainda que a Bielorrússia não dispõe de uma Marinha). Destas forças de que a Bielorrússia dispõe, apenas cerca de 5000 operacionais estão organizados em BTG (Batallion Tactical Group) – entre 8 a 10 BTG – e alocados perto das fronteiras.

No que toca à Força Aérea e às Forças Anti-Aéreas, Minsk e Moscovo estão num processo de união, ao abrigo do Processo de União da Bielorrússia e da Rússia, assinado em 1997. Desta forma, é permitido concluir que apenas os 5000 operacionais terão capacidade de invadir a Ucrânia.

Olhando para este panorama, podemos concluir que a intervenção bielorrussa na Ucrânia não irá, no campo estratégico, ter capacidade de infligir derrotas, mas servirá apenas para escalar o conflito, que é o que a Rússia procura fazer.

No sentido de garantir uma vitória militar na Ucrânia, a Bielorrússia terá de iniciar um processo de reagrupamento de novos BTG, e a acumulação de reservas humanas, através de um processo de mobilização parcial. Num panorama de mutação, é pouco provável que as tropas bielorrussas possam mostrar algum comportamento operacional diferente do russo e, estando em inferioridade numérica, serão incapazes de tomar pontos estratégicos em território ucraniano.

Estando dependente de Moscovo, Lukashenko tem resistido à pressão de Putin para entrar na guerra, entendendo todos os riscos a que isso poderá levar. Quais são esses riscos? Em primeiro lugar, a derrota russa nesta guerra vai ditar o fim de Putin na Rússia, o que deixará o regime de Lukashenko muito vulnerável, obrigando-o a procurar novos aliados. Assim, sem capacidade de resistir às sanções europeias e ocidentais, Minsk terá de se democratizar, ditando o fim de Lukashenko.

No entanto, a entrada da Bielorrússia na guerra irá ditar já um novo panorama político, onde dois países invadem um, e o Ocidente será obrigado a uma reação muito mais robusta, escalando o conflito a âmbitos “macro-regionais” e reforçando ainda mais as sanções sobre Minsk.

Por fim, a acontecer a entrada no conflito da Bielorrússia, Lukashenko, bastante enfraquecido internamente, poderá ter que lidar com uma onda de contestação de proporção equivalente a 2021, não podendo já, desta vez, contar com a participação policial e militar russa nos mesmos.

Em conclusão, a entrada da Bielorrussa neste conflito, em grande escala, é pouco provável, e o preço a pagar por tal será muito alto e demasiado arriscado, e Lukashenko está muito bem ciente disso. Porém, o ditador bielorrusso ainda está protegido por uma opinião pública que critica esta guerra e sabe que não tendo apoio para a mesma, precisa de aguentar a pressão russa, precisando de ceder no que concerne à utilização do seu espaço aéreo e território para a Rússia lançar ataques sobre a Ucrânia. O que, porventura, não invalida a possibilidade de as Forças Armadas bielorrussas iniciarem manobras perto da Ucrânia para causar alguma pressão e para alimentar a retórica de que Moscovo tem a capacidade de escalar o conflito. Pode-se mesmo dizer que um dos bastidores desta guerra está a decorrer dentro do Palácio Presidencial de Minsk, onde Moscovo procura um contexto que arraste os bielorrussos para uma guerra, já perdida.