Deve o Estado atribuir a todos os cidadãos, de forma incondicional, um rendimento básico? Há quem defenda que, face à imprevisibilidade do impacto tecnológico no mercado trabalho, essa seria uma política justa e eficaz do ponto de vista da igualdade social, combate ao desemprego e redução da criminalidade. Mas as incertezas sobre a sua eficácia são numerosas – seriam os seus efeitos realmente positivos nessas dimensões? E, claro, existem riscos elevados – nomeadamente do ponto de vista financeiro. Daí que, na Finlândia, onde há interesse político e popular na medida (mais de dois terços dos finlandeses apoia), se tenha implementado um projecto piloto que, desde o início do ano, está a testar os efeitos desse rendimento básico em dois mil cidadãos desempregados seleccionados aleatoriamente. Os resultados oficiais virão em 2019, embora já seja claro que muita coisa está a correr mal.
Na província canadiana do Ontário, uma experiência semelhante está a ser planeada, envolvendo quatro mil indivíduos. Neste momento, estão sessões de esclarecimento agendadas e inscrições abertas para os interessados em participar. Apesar de recorrer a um esquema de financiamento diferente, o pressuposto é o mesmo do que na Finlândia: antes de ponderar uma implementação nacional, importa descobrir se a medida cumpre com eficácia os seus objectivos.
Noutras áreas, muitos outros governos têm levado a cabo projectos-piloto e experiências. Ou encomendado estudos comparados que permitam estimar efeitos e orientar a decisão política. Por exemplo, na Suécia, a reflexão estratégica lançada para o futuro da Educação teve por base um cálculo da evolução da economia e uma estimativa das necessidades que o mercado de trabalho virá a ter. Existem, aliás, países onde estas iniciativas adquiriram uma dimensão estrutural. Em 2013, no Reino Unido, criou-se uma rede de centros “What Works”, cuja missão é analisar, estimar e avaliar os efeitos da implementação de políticas públicas. Ou seja, uma rede de centros independentes que geram evidências empíricas e indicadores cientificamente validados para orientar a decisão política. E que, deste modo, garantem que o investimento público é aplicado em programas que realmente funcionam e servem os interesses dos cidadãos.
E em Portugal? Não será necessário alongar-me nos exemplos que demonstram o quanto permanecemos longe deste modelo de governação. A avaliação de políticas públicas é rara e as estimativas ou experiências fiáveis que visem guiar a decisão política praticamente inexistentes. Ou seja, as nossas políticas públicas continuam desligadas das necessidades reais e presas a interesses partidários, preconceitos políticos e divagações ideológicas. O caso da deslocação do Infarmed para o Porto é só o exemplo mais recente: não houve planeamento prévio, não se avaliou a viabilidade logística da deslocação do organismo, não se salvaguardou a manutenção dos peritos (que, apanhados de surpresa, poderão querer sair) e não se consegue explicar a mais-valia operacional de levar o Infarmed para o Porto.
Só nos últimos meses, vários outros exemplos de decisões atabalhoadas poderiam ser mencionados – em relação às florestas, à educação ou à economia. Quem achar que isto acontece por amadorismo, desengane-se. No que lhes realmente interessa, os políticos portugueses são muito profissionais: recorrem a focus groups, formam painéis de cidadãos para avaliar as suas opções políticas, encomendam inquéritos de opinião para testar propostas dos seus programas, contratam especialistas de comunicação e imagem, investem em sondagens quase diárias para acompanhar as tendências de voto. Simplesmente, o mesmo empenho não é aplicado ao desenho das políticas públicas.
No actual quadro partidário, o PS será de longe o partido onde esta gestão de prioridades mais sobressai. Mas, em rigor, o problema não tem a marca exclusiva dos socialistas e é, antes, um modelo de governação que atravessa os partidos da esquerda à direita. Ora, o ponto é que esse modelo está esgotado. Num contexto europeu altamente competitivo, não alinhar o desenho de políticas públicas com estudos, indicadores e até experiências/ projectos-piloto implica ficar-se aquém das exigências do nosso tempo. E olhar para o futuro sem medo de repetir os erros do passado começa no acto de perceber a importância de estudar antes de decidir. Isto vale para a sociedade civil, que precisa de exigir mais e escrutinar melhor as opções dos seus governantes. Vale para o governo, claro, porque é aí que se encontra o centro da decisão política. E vale para PSD e CDS que, se quiserem constituir uma alternativa, têm de ir além das críticas às decisões erráticas dos ministros – têm de estabelecer as bases para um novo e mais fiável modelo de governação.