Estamos a aproximar-nos do início de mais um ano letivo.

Uma situação que pode ser geradora de muitos conflitos entre a escola e a família parental e mesmo dentro desta, é quando os pais, estejam juntos ou separados, não podem ser ambos encarregados de educação. Que razão pode assistir a isso, se a criança ou adolescente tem dois pais e a participação e envolvimento de ambos na educação dos filhos é fundamental para o seu desenvolvimento e aprendizagem.

Embora se saiba que a maioria das escolas só aceita um dos pais como encarregado de educação, e que algumas escolas negam mesmo informações a um dos pais por não ser o encarregado de educação. Julgamos que seria muito importante que esta situação se alterasse e que todas as escolas envolvessem intencionalmente ambos os pais na vida escolar dos filhos. Podem fazê-lo através do envio de informações por mensagem de email para ambos os pais (simplesmente utilizando os dois endereços de email como destinatários das mensagens) permitindo que recebam as informações sobre as presença e faltas, as datas dos testes, as convocatórias para reuniões, os convites para as festas da escola, acolhendo e respeitando os seus alunos e as respetivas famílias. Esta simples decisão permitiria evitar uma série de conflitos, nomeadamente quando os pais estão separados, evitando por exemplo a frequente dolorosa decisão sobre quem é definitivamente a/o encarregada/o de educação, ou sobre a distribuição desta responsabilidade, alternadamente assumida por pai e mãe em anos pares e ímpares.

A responsabilidade pela assunção dos deveres parentais, incluído o da educação, está legislada em Portugal. A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 36º, n.º 3 consagra como princípio fundamental que: “5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” (cit.). O Código Civil, no seu artigo 1878º, sobre o “Conteúdo das Responsabilidades Parentais”, refere que: “1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” (cit., destaque nosso). E especificamente no seu artigo 1885º, dedicado à Educação, refere que: “1. Cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos” (cit.).

Todos os pais tem o direito e o dever de decidirem em conjunto sobre os assuntos educacionais dos seus filhos, sobretudo quando se encontram separados ou divorciados, tal se prevê no artigo 1906º, n.º 1 do Código Civil relativo ao “Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”:  “1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível” (cit., destaque nosso). A lei estabelece assim que, entre outras, as decisões educacionais em relação aos filhos sejam obrigatoriamente tomadas em conjunto por ambos os pais. Esta orientação faz todo o sentido, uma vez que as decisões sobre a segurança, saúde, educação e formação são todas elas centrais e fundamentais para o desenvolvimento das crianças e jovens.

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Particularmente em relação educação, e embora não exista uma lista determinada pela lei, podem identificar-se algumas questões fundamentais onde a parceria de decisão e a sua implementação deveria acontecer. Falamos da escolha/mudança de estabelecimento de ensino (particular ou público); a educação religiosa (até aos 16 anos de idade); o ir levar e ir buscar os filhos à escola; o acompanhamento nos trabalhos escolares; a realização da matrícula na escola); a participação numa atividade ou numa visita de estudo pela criança/jovem com cuidados especiais de saúde; a participação da criança/jovem numa viagem promovida pelo estabelecimento de ensino; a prática de atividades desportivas extracurriculares.

De um modo mais operacional, a regulação das decisões em relação à determinação de quem é o Encarregado/a de Educação e qual é o seu papel, está prevista na Lei 51/2012, que aprova o Estatuto do Aluno e Ética Escolar, estabelecendo os direitos e os deveres do aluno dos ensinos básico e secundário e o compromisso dos pais ou encarregados de educação e dos restantes membros da comunidade educativa na sua educação e formação. No artigo 43.º desta Lei, relativo à “Responsabilidade dos Pais ou Encarregados de Educação”, refere-se que:  “4 – Para efeitos do disposto no presente Estatuto, considera-se encarregado de educação quem tiver menores a residir consigo ou confiado aos seus cuidados: a) Pelo exercício das responsabilidades parentais; b) Por decisão judicial (…) 5 – Em caso de divórcio ou de separação e, na falta de acordo dos progenitores, o encarregado de educação será o progenitor com quem o menor fique a residir. 6 – Estando estabelecida a residência alternada com cada um dos progenitores, deverão estes decidir, por acordo ou, na falta deste, por decisão judicial, sobre o exercício das funções de encarregado de educação. 7 – O encarregado de educação pode ainda ser o pai ou a mãe que, por acordo expresso ou presumido entre ambos, é indicado para exercer essas funções, presumindo-se ainda, até qualquer indicação em contrário, que qualquer ato que pratica relativamente ao percurso escolar do filho é realizado por decisão conjunta do outro progenitor” (cit.) (Para melhor compreender este assunto, pode consultar-se o “Guia para os estabelecimentos de ensino, pais, mães e encarregados de educação”, da Associação para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos,  de 2014).

Salvo se existir decisão judicial que o proíba, qualquer um dos pais, seja ou não o encarregado de educação, tem o direito de, sempre que quiser, ir à escola solicitar uma reunião com o professor(a) ou diretor (a) de turma do seu filho(a), para recolher ou fornecer as informações que desejar, nomeadamente, como se está a realizar a sua  integração no espaço escolar, qual é natureza da sua relação com os adultos (professores e auxiliares de ação educativa e com os pares (amigos), quais são a sua assiduidade e pontualidade,  o seu desempenho académico (registos de avaliação), conhecer o processo individual do aluno, e os assuntos relativos à sua alimentação, entre muitas outras. Não é legítimo que a escola recuse trocar informações com o pai ou mãe que não seja o encarregado de educação.

Se as escolas tiverem dúvidas sobre se podem ou não dar informações ao pai ou à mãe quando não é o encarregado de educação, e para que não se criem situações desconfortáveis, podem pedir o acordo das responsabilidades parentais de forma a perceberem se existe alguma decisão que impeça que deem igual informação a ambos, ficando assim salvaguardada e sua imparcialidade.

Quando existe um maior envolvimento, colaboração e participação ativa de ambos os pais no processo educativo dos filhos (em casa, na escola, na comunidade), ocorre uma melhoraria significativa dos seus desempenhos sociais e académicos. Não obstante, algumas escolas insistem em criar dificuldades para que isso sucede.