Querido leitor machista – sim, você mesmo. Posso não te conhecer, mas sei que você é machista. Não me interessa se você é homem ou mulher. Nem se é de esquerda ou de direita. Tampouco me interessa o contexto social no qual vive, sua orientação sexual ou seu grau de escolaridade. Somos todos machistas.

Eu sou machista também, por mais que boa parte da minha vida e da minha carreira sejam dedicadas ao combate ao machismo. Lancei, na semana passada, um novo livro em Portugal chamado Guia Prático Antimachismo e, nele, faço questão de dizer que todos nós somos machistas em algum grau – assim como somos todos racistas, homofóbicos, gordofóbicos, etaristas… Porque todos fomos criados numa sociedade que é assim.

No meu podcast Mulheres Não São Chatas, Mulheres Estão Exaustas, a atriz e minha amiga Julia Rabelo, disse uma frase da qual nunca me esqueci: o machismo é a água do aquário e nós somos os peixes. Todos somos contaminados diariamente. O que podemos escolher é se trabalharemos na nossa mudança ou não. Esse é que é o ponto principal da conversa.

As mulheres não são as únicas vítimas do machismo. Os membros da comunidade LGBTQIA+ também o são. As crianças também o são. Mas pouco se fala sobre o fato de os próprios homens serem vítimas diárias do machismo. O peso que recai sobre os ombros dos homens, de ainda serem vistos como provedores, de ainda terem tantas restrições sobre demonstrar medos, emoções e vulnerabilidades, de ainda serem vítimas de comentários e piadas constantes quando fogem minimamente dos padrões da masculinidade tóxica, são provas constantes de que o machismo também oprime os homens.

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Lutar por um mundo menos machista é lutar por um mundo melhor para todos – sem distinção de sexo, gênero ou orientação sexual. Como digo no livro, o oposto do machismo é a liberdade. É claro que devemos lembrar que o machismo mata mulheres e pessoas da comunidade LGBTQIA+ todos os dias, enquanto a opressão dos homens ocorre de forma menos brutal. São situações distintas. Mas, guardadas as devidas proporções, todos são vítimas do mesmo mal.

A luta antimachista não pode ser baseada em apontar o dedo para os outros, acusando a todos de comportamentos machistas, sem que se faça uma revisão constante dos próprios comportamentos, um trabalho diário de autocrítica. E isso serve para homens e para mulheres. Para quebrar o ciclo, precisamos entender que fazemos parte dele também.

Meu Guia Prático Antimachismo, que já está nas principais livrarias portuguesas, não pretende curar ninguém desse mal. Pretende, apenas e tão somente provocar reflexões e abrir caminhos para um processo individual de desconstrução do machismo interior – um trabalho longo, que se estende pela vida inteira.