De acordo com uma notícia divulgada no Observador “as novas condições de acesso ao ensino superior público, preveem a criação de um contingente prioritário para estudantes mais carenciados, com 2% de vagas em cada ciclo de estudos para beneficiários do escalão mais baixo da ação social.”

À primeira vista, a ideia parece boa. Equidade no acesso ao ensino superior: para pessoas com menos oportunidades esta medida vem dar mais a quem mais precisa, de forma proporcional e adequada às suas circunstâncias.

À primeira vista, esta medida poderia até solucionar o problema dos alunos de contextos económicos mais desfavorecidos, que refiro neste artigo sobre a importância da Educação como Elevador Social. De facto, pelas mais diversas razões, nomeadamente por o seu contexto poder condicionar as suas classificações, estes alunos podem ter mais dificuldades em aceder a uma Instituição de Ensino Superior.

Os problemas surgem a seguir. Em particular, interessa responder a três questões: 1) Como será a integração destes alunos nas Instituições de Ensino Superior? 2) Será justo para alunos do segundo escalão mais baixo da ação social que estudaram e se esforçaram para aceder ao Ensino Superior, ficarem de fora por causa destes alunos? Haverá impacto na qualidade do ensino disponibilizado? 3) O que acontece quando estes alunos concluem o seu percurso académico nas Universidades?

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Em relação à primeira questão, olhemos para alguns exemplos da implementação de quotas, já com alguns anos como é o caso do Brasil.

No Brasil, a Lei de Quotas publicada em 2012 e destinada a quem estudou todo o ensino médio na Escola Pública (equivalente ao ensino secundário em Portugal), prevê que todas as universidades e institutos federais tenham que reservar 25%, ou seja, 1/4 das suas vagas para alunos das escolas públicas. E que em três anos essas vagas teriam que atingir os 50%. Destas vagas reservadas para a escola pública, metade é destinada para estudantes com renda mensal familiar até um salário mínimo e meio. O preenchimento das vagas deve levar ainda em conta critérios de cor ou raça, seguindo dados estatísticos do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Dez anos após a implementação desta legislação no Brasil, a realidade verificável é que os alunos que acedem às Universidades no âmbito destas quotas, devido à formação de base de pouca qualidade, experimentam muitas dificuldades em completar com sucesso o seu primeiro ano. A taxa de reprovações aumentou e a médio prazo, como forma de ultrapassar esta situação, o nível de exigência praticado nas universidades baixou, conduzindo a um decréscimo na qualidade do ensino oferecido.

No campo teórico, de acordo com um estudo no Brasil em 2017, “a crítica mais importante a esse mecanismo de inclusão das classes menos abastadas é a de que os alunos que entram através do sistema de cotas não têm nível educacional suficiente, o que geraria queda de qualidade no ensino superior. Outra crítica presente avalia que as ações afirmativas por meio de cotas não lidam com a questão mais central: a desigualdade educacional na educação básica. Segundo Durham (2005), uma das deficiências da proposta é que ela incide apenas sobre uma das consequências da discriminação racial e da desigualdade educacional, sem que estas, em si mesmas sejam corrigidas.” (Lela, Lara & Tachibana, Thiago & Menezes-Filho, Naercio & Komatsu, Bruno. (2017). As cotas nas universidades públicas diminuem a qualidade dos ingressantes?. Estudos em Avaliação Educacional. 28. 652. 10.18222/eae.v28i69.4427).

Em relação à segunda questão, é manifestamente injusto para alunos do segundo escalão mais baixo da ação social que estudaram e se esforçaram para aceder ao Ensino Superior, ficarem de fora por causa dos alunos que entram pela via das quotas e cuja única diferença é serem ligeiramente mais pobres do que eles.

E o que acontece quando estes alunos saem das Universidades? Em primeiro lugar, devido ao insucesso escolar  muitos destes alunos acabam por abandonar precocemente a Universidade. No caso dos que conseguem terminar o seu percurso académico com sucesso e obter um diploma, quando tentam aceder ao mercado de trabalho acabam por experimentar as dificuldades que não sentiram aquando do ingresso no ensino superior, devido à existência de quotas.

Qualquer solução que despreze o fator de mérito contribui sempre para mais problemas do que soluções. A implementação de quotas no acesso ao ensino superior, ao desprezar este fator preserva as injustiças e impede a educação de funcionar como verdadeiro elevador social.