Antes da pandemia a percentagem de estudantes universitários e pré-universitários que não sabiam exatamente o que fazer relativamente ao seu futuro profissional já era muito expressiva, mas agora essa percentagem tornou-se esmagadora.
O Grande Confinamento, para usar a terminologia que ficará para a História, gerou uma grande incerteza e a incógnita está a dar cabo de muita coisa e a gerar uma tremenda ansiedade entre todos, atingindo de forma particular os mais jovens.
Para os alunos dos primeiros ciclos esta é a semana de recomeço, mas nas universidades o mês de aulas já vai a meio e as turmas estão cheias de estudantes que, embora já tenham feito a sua opção de curso, ainda não sabem o que querem fazer mais à frente, quando concluírem as licenciaturas e os mestrados.
Muitos pais ficam tão ansiosos como os filhos (ou ainda mais!) e isso pesa muito a todos, pois multiplica a ansiedade e carrega os jovens de expectativas às quais não sabem como corresponder. Tudo piora quando os pais esperam que os seus filhos deem provas de que estão a construir um futuro sólido, estruturado.
Como disse ontem o Tiago Forjaz, caça-talentos, fundador e Chief Dream Officer do MighT- Talent Strategists e, entre muitas outras atividades igualmente inspiradoras e estratégicas, é também speaker da Singularity University, “não podemos pedir aos nossos filhos para criarem o seu futuro, baseados no presente”.
A frase tem que ficar a fazer eco em nós, sejamos pais, filhos, professores ou decisores. O presente é incerto e a incerteza não leva longe porque gera medos e paralisias. Muitos terão a tentação de agarrar a primeira oportunidade só para poderem sobreviver e ninguém pode vir dizer que isso está certo ou errado. Cada um sabe de si e as decisões estratégicas dependem de muitas circunstâncias e contextos.
Em todo o caso, a frase tem que nos fazer refletir. O Tiago Forjaz foi o primeiro orador convidado da Academy of Purpose, pós-pandemia, e deslocou-se ao campus da Nova SBE, em Carcavelos, para fazer uma talk presencial para os alunos de 2º e 3º anos de Economia e Gestão. O ponto de partida era a necessidade de nos reinventarmos e de baixarmos os níveis de ansiedade perante a realidade atual, mas a ideia de convidar um especialista em gestão do talento, um job searcher que antecipa a narrativa profissional do futuro, era ajudar os alunos a encontrar o seu propósito e levá-los a pensar no “como” das coisas.
E foi isso que o Tiago Forjaz fez, ao desafiar as centenas de alunos que estão prestes a concluir as suas licenciaturas a perceber como hão-de definir objetivos e como podem encontrar, ou construir, as suas próprias ferramentas. Uns assistiram presencialmente, enquanto outros vão ver o vídeo e trabalhar a partir de casa, mas todos terão que trabalhar no sentido de provar que não têm medo de se reinventar.
A ideia de nos reinventarmos é tão antiga como a própria humanidade. Desde que o mundo é mundo, os homens são desafiados a recomeçar, a refazer, a recriar, a reinventarem-se. Nada de novo, portanto. E esta certeza de que somos apenas mais uns a terem que pensar tudo uma e outra vez tem que aliviar muito peso.
A linha do tempo, próxima, remota ou mesmo ancestral, está cheia de gente que se reinventou mil vezes. Pessoas de todas épocas e geografias, especialistas de todas as áreas de especialidade, artistas, músicos, gestores, empreendedores, intelectuais, astronautas, desportistas, enfim todos os que de alguma forma funcionam como referência, têm que nos encher de coragem para atravessar este tempo turbulento, de águas agitadas. E ajudar a chegar à outra margem.
Como? Respondo, voltando ao especialista em talento e gestão de carreiras, adaptando livremente a partir do que ouvi ontem: apostando tanto no conhecimento próprio como no conhecimento das matérias, ciências e experiências. Refletindo no propósito com que queremos viver, definindo objetivos com significado, atirando-nos à realidade-real com abertura e curiosidade (diria mesmo com fascínio, para espantar de vez os medos mais paralisantes), trabalhando com otimismo incansável e hábitos saudáveis.
Sobre-viver ou supra-viver? era outra questão. Tiago Forjaz sabia de antemão a resposta a esta pergunta. De braço no ar, os presentes confirmaram massivamente a vontade de não se ficarem pela sobrevivência, e aí voltou o “como”, a necessidade imperativa de saber como fazer.
Viver para ter, no sentido de ter muito dinheiro e muito sucesso, não é garantia de nada e, muito menos, de felicidade ou realização pessoal e profissional. Demasiados dos que conseguem ter dinheiro e sucesso reconhecem que também têm uma vida miserável. Seja porque trabalham sem parar, sacrificando o presente e relações significativas a troco de mais dinheiro, mais reconhecimento e uma progressão mais fulgurante na carreira, seja porque vivem consumidos pelo stress e sem tempo para perceber que a sua verdadeira felicidade está, porventura, noutro lugar.
Alguns casos de depressão chegam a ser públicos e muitos ídolos universais são conhecidos pela quantidade de vezes que tentam livrar-se de vícios e adições. Isto, claro, para não falar das situações de ganância que levam à corrupção, mas isso é outro capítulo da história.
Talvez a via mais segura seja, então a de tentar ser para ter. Quanto mais nos conhecermos, mais saberemos o que nos faz sentir plenos e realizados. Quando mais consciência tivermos dos nossos talentos e dons, mais aptos estaremos para acrescentar valor a uma organização ou comunidade. Quando mais próximos estivermos do nosso verdadeiro propósito, daquilo que nos faz sentido, mais capacidade teremos de alinhar as nossas decisões pessoais e escolhas profissionais numa lógica de eficácia. E por aí adiante, porque o dinheiro corre sempre atrás do talento.
Claro que é difícil para jovens universitários integrar tudo isto, especialmente quando ainda nem sequer chegaram ao mercado de trabalho e pior ainda se, como disse no início, estão meio perdidos ou sem saber o que hão-de fazer mais à frente. Projetar-se a cinco ou dez anos é um exercício exigente para todos, juniors ou seniors, mas vale a pena perceber que o futuro é daqueles que, no presente, apostarem em conhecer-se bem de forma a validar os seus talentos e propósitos, para serem valorizados por eles.
Há futuro profissional para todos os que conhecem e valorizam os seus dons, não se focando apenas nas competências académicas que adquirem; há futuro para quem conhece as preferências, as inclinações e os traços marcantes da sua personalidade; há futuro para quem não desiste das suas paixões; há futuro para quem vive com propósito; há futuro para quem não quer só ter cada vez mais dinheiro e poder; há futuro para quem reflete no legado que quer deixar ao mundo; há futuro para quem cuida dos outros e do planeta; há futuro para quem acredita que a vida tem mecanismos de autorregulação e percebe que o caminho lhe irá sendo revelado … ao longo do caminho; há futuro para os que estão prontos a colaborar de forma construtiva com outros e se entreajudam; há futuro para quem confia e se torna confiável. Enfim, há futuro para os que não têm medo de se reinventar.