Uma família em isolamento, dia 11

Ontem foi feriado cá em casa. Ontem não houve TPC, não houve horários pré-estipulados, não houve tarefas combinadas previamente, não houve ginástica, não houve pressão para acabarem de comer rapidamente ou não tinham tempo para brincar. Também ninguém deu um berro e não houve grandes fitas.

Ontem não houve rotinas. Ao fim de nove dias sem escola (na prática são dez, porque viemos para casa a 13 de março), dei por mim verdadeiramente cansado por estar sempre a pensar no passo seguinte e na ação seguinte e na tarefa que é importante executar a seguir para que o ritmo se mantenha e a rotina dê segurança a duas crianças de 6 e 7 anos (e eu sei que a rotina dá segurança e é necessária). Não sou caso único, eu sei, e tenho consciência que há milhares de pais a debater-se para conseguirem conciliar tudo o que precisa de ser feito numa casa com tudo o que gostariam de fazer numa casa e juntar o nosso trabalho que tem de ser feito a partir de casa e tentar que os filhos se mantenham ativos e focados – mesmo que tenham de estar sempre dentro de casa. E haverá quem o faça lindamente, com dinâmicas extraordinárias e um sorriso nos lábios e o peito cheio de ar e carradas de energia positiva e calma a saltar de todas as paredes. Perfeito. Mas eu não sou assim. Por isso ontem pus de parte a obrigatoriedade de harmonizar o que tem de ser feito com o que gostaríamos de fazer e dei folga às minhas filhas. Ou dei folga a mim. Dei-nos folga.

Deixei claro que não iria passar a ser assim, que era uma exceção, que não se habituassem. Suponho que na primeira hora desde que tomei esta decisão, estava mais preocupado em que aquela ideia peregrina não descambasse nos dias seguintes do que propriamente em aproveitar. Porque foi isso que lhes disse para fazerem: aproveitem.

Nas últimas duas semanas tivemos vários momentos em que conseguimos apenas… estar. Aproveitar os momentos em família, brincar, conversar, não olhar para o relógio. Às vezes surgiram naturalmente, a meio de um dia qualquer. Noutras ocasiões encaixámos isso no horário diário – e resvalou o que tinha de resvalar, sem fazer disso um drama. “Agora é altura de brincadeira e de fazermos o que nos apetecer”, foi ouvido várias vezes. Na verdade, isto não tem sido sempre a correr, numa lufa-lufa física para manter a cabeça sã. Mas a maior parte das vezes é isso que acontece.

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E por isso esses momentos light são a exceção. Ontem senti que devíamos fazer disso uma regra. Por um dia, fizemos o que nos deu na real gana. Na prática isto significou que consegui colocar boa parte do trabalho em dia, responder a e-mails, adiantar algumas coisas, arrumar roupa que se acumulava, ler umas três reportagens e limpar o chão da casa de banho. Para mim foi mais importante fazer coisas que sentia que devia fazer do que propriamente sentar-me a ver uma série, ler um livro ou folhear uma revista.

Para as miúdas isso significou que passaram metade do dia a brincar e metade do dia a lavar as janelas e as portas de casa. Não porque eu lhes tenha pedido ou sugerido, não porque isso estivesse numa lista de tarefas que deviam ser desempenhadas por elas. Apenas porque quiseram brincar às limpezas (e limparam mesmo). A mim soube-me pela vida. E não fiquei com sentimentos de culpa nenhuns.

Hoje regressam as rotinas, as tarefas para executar, os trabalhos de casa para fazer, as obrigações profissionais para conciliar com duas crianças em casa. Hoje regressa a normalidade anormal destes dias.

Veja também (Diário de Uma Família em Isolamento):

Dia 1. Sabe o nome do seu vizinho?

Dia 2. Teletrabalho? Vocês não têm filhos pequenos, pois não?

Dia 3. Vai para dentro, olha que te constipas, pai

Dia 4. Jantar de grupo, hoje. Por vídeo? Cada um na sua casa.

Dia 5. #vaificartudobem, mas antes disso estamos a ficar mal

Dia 6. Domingos que parecem outro dia qualquer, sempre iguais

Dia 7. Uma quarentena para ler as mensagens todas no WhatsApp

Dia 8. “Quando é que isto acaba?” Não sei, filha 

Dia 9. E os professores dos nossos filhos, como estão a lidar com isto?

Dia 10. Já chegou. Um dos nossos está infetado