Uma família farta da pandemia, dia 125

“Se é assim agora, imagino quando for adolescente.” Quantas vezes ouvem isto, vindo de amigos ou família a soltar opiniões (pontuais ou não, umas pertinentes, outras nem por isso) sobre os vossos filhos? Quantas vezes concordam e quantas vezes encolhem os ombros, respiram fundo, reviram os olhos, contam até dez?

Mas… quantas vezes ficam a pensar nisso, a remoer devagarinho, entre o assustado/a e o preocupado/a, indagando para os botões se este ou aquele comportamento agora aos 6, 7, 8 ou 9 anos podem mesmo antever umas valentes dores de cabeça, preocupações, noites em claro e angústia pelo sofrimento deles, quando o rapaz ou a rapariga chegarem aos 12, aos 15 ou aos 17?

(Já agora, a OMS diz que a adolescência começa aos 10, alguns especialistas defendem que arranca aos 11 e já há quem garanta que vai até aos 24)

Pensei várias vezes nisso nos últimos meses, à medida que as semanas de confinamento e desconfinamento iam avançando e eu via os comportamentos das minhas filhas de 6 e 7 anos. Há dias em que penso que ainda falta muito para a adolescência delas – que só chegará depois de encontrarem uma vacina para o novo Coronavírus. E há outros em que penso que começa já amanhã, entre a segunda a terceira vaga, porque é mesmo verdade que isto passa a correr.

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Sei bem que cada fase de desenvolvimento de uma criança ou jovem traz exigências diferentes para eles e para os pais. Sei bem que a falta de sono de que me queixava quando as miúdas eram pequenas são agora boas memórias que não me importava de voltar a viver e que as teimosias e dependência que elas têm agora serão um passeio no parque comparado com o desafios que nos esperam quando elas forem teens– e deixarem de ser dependentes de nós. E vivo bem com isso. Perdemos umas coisas, ganhamos outras. E elas crescem, como tem de ser, até ao dia em que deixam de ser nossas e são do mundo e a ele se lançam.

Mas, sem querer sofrer por antecipação, dou por mim muitas vezes a ouvir amigos que têm filhos adolescentes a falar sobre o que foram estes meses e penso que a coisa para eles não esteve nada fácil – e não está nada fácil.

Ansiedade, irritação, alterações no ritmo de sono e na alimentação, medo, atitudes desafiantes, enfado… houve de tudo desde que nos fechámos em casa a 13 de março. E eu, quando não estava a respirar fundo ou a tentar perceber o que passava pela cabeça das minhas filhas ou a ajudá-las a ultrapassar momentos mais complicados, pensava bastantes vezes como seria se, em vez de 6 e 7 anos, a Madalena e a Carolina tivessem 13 e 14.

As hormonas e a descoberta do corpo, a noção de pertença a um grupo, a descoberta da identidade sexual, a curiosidade e vontade de intimidade, os contactos frequentes com amigos através dos telemóveis ou computadores, a vontade de independência, a necessidade de atividade física, a preocupação com os resultados escolares, o isolamento dentro do quarto que é o mundo do adolescente ou a vontade de sair dele rapidamente porque já não aguenta o confinamento entre quatro paredes… Como será lidar com tudo isso quando se tem 13, 14 ou 15 anos? Como é que um pai ou uma mãe lidam com um filho que está a passar por tudo isto no meio de uma pandemia?

Como será para um pai ter um filho ou filha de 16 anos que quer manter debaixo da sua asa para lhe garantir a proteção e depois ligar a televisão e ouvir falar de concentrações de adolescentes que não respeitam as distâncias de segurança e partilham bebidas, cigarros e o mais que seja?

Sabemos que, nesta fase, devemos evitar multidões, espaços fechados e contactos próximos. Sabemos que devemos usar máscara para nos protegermos a nós e protegermos os outros. Mas como podemos ter a certeza que os nossos filhos adolescentes sabem isso também e não se estão a colocar em risco, sobretudo com o aumento de casos de Covid-19 em faixas etárias mais novas?

E ao dizer a um adolescente de 17 anos que se não adotar comportamentos de segurança está a contribuir para o regresso do confinamento, um pai ou uma mãe estão a ajudá-lo ou a assustá-lo?

E como será que uma mãe consegue acalmar o medo do filho ou da filha que tem vontade de dar um beijo ao namorado ou namorada – ou tem vontade de iniciar a vida sexual? Como será que consegue conjugar os verbos “confiar” e “responsabilizar”, tão essenciais na educação de adolescentes, numa altura destas, em que não conseguimos confiar em ninguém?

Como é que entramos na cabeça deles para podermos ficar descansados quanto à ansiedade que têm vindo a acumular durante todos estes meses?

E será que um filho ou filha adolescente que não quer sair do quarto – e dessa forma não se sujeitar a riscos sanitários – deveriam deixar um pai ou uma mãe mais descansados ou mais atentos?

“Preocupa-me mais um adolescente que está confortável com o confinamento do que um que só quer sair”, dizia a psicóloga Rita Castanheira Alves nesta entrevista ao Diário de Notícias em meados de maio. “Claro que cria mais conflito e é mais exigente um adolescente que quer estar sempre a desconfinar, porque quer a todo o custo sair. O que fica em casa dá muito menos trabalho, mas é o que me preocupa mais enquanto técnica e acho que deve fazer soar campainhas. Não é suposto um adolescente estar confortável em casa, quando lhe está vedado todo o contacto social.”

E a preocupação que os pais sempre manifestaram por os filhos passarem a vida agarrados ao telemóvel, que durante aqueles meses se transformou em descanso – porque os filhos conseguiram (graças ao teleaparelhomóvel) manter o contacto com os amigos e ao mesmo tempo deixar os progenitores trabalhar?

As perguntas são muitas e mesmo que as férias estejam a decorrer e todos façamos figas para que o regresso do ano letivo se processe em modo presencial, a verdade é que os dois meses que faltam até ao arranque das aulas vão decerto trazer mais dúvidas do que certezas.

No início deste mês, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) disponibilizou no seu site uma Checklist sobre Crianças e Adolescentes com a ajuda da qual os pais, cuidadores e professores podem tentar saber um pouco mais sobre o estado psicológico do teenlá de casa. São apenas 15 perguntas, baseadas nos comportamentos das últimas duas semanas, que podem ajudar a perceber a diferença entre “está tudo bem, não vamos preocupar-nos mais do que o necessário” e “temos de fazer alguma coisa rapidamente”.

“Não ouve o que lhe digo/não faz o que lhe peço”, “está mais irritável e zanga-se facilmente” e “está desligado dos outros e do que se passa à sua volta” parecem ser comportamentos bastante comuns em muitos jovens hoje em dia, à luz do que passaram nos últimos meses. Mas, graças a esta ferramenta elaborada pela OPP, se os pais responderem mais de nove vezes “sim, na maior parte do tempo” a questões como estas ou outras que passam pelos padrões de sono, alimentação, agitação, ansiedade ou tristeza, talvez seja caso para manterem as antenas no ar.

Entretanto, da próxima vez que sofrer por antecipação e pensar como serão as minhas filhas quando chegarem à adolescência, vou contar até dez e agradecer por ainda terem uma idade que nos permite “controlar-lhes” os movimentos e os contactos e assim mantê-las em segurança.

PS: no domingo, 19 de julho, a partir das 22h00, vou estar à conversa com pais de adolescentes no instagram. Quem quiser pode-se juntar, para sentir que não estão sozinhos. Este é o mote: “Em tempos de Covid, conversas, desabafos e brindes entre pais à beira de um ataque de nervos”.

Veja também (Diário de Uma Família em Isolamento):

Dia 1. Sabe o nome do seu vizinho?

Dia 2. Teletrabalho? Vocês não têm filhos pequenos, pois não?

Dia 3. Vai para dentro, olha que te constipas, pai

Dia 4. Jantar de grupo, hoje. Por vídeo? Cada um na sua casa.

Dia 5. #vaificartudobem, mas antes disso estamos a ficar mal

Dia 6. Domingos que parecem outro dia qualquer, sempre iguais

Dia 7. Uma quarentena para ler as mensagens todas no WhatsApp

Dia 8. “Quando é que isto acaba?” Não sei, filha 

Dia 9. E os professores dos nossos filhos, como estão a lidar com isto?

Dia 10. Já chegou. Um dos nossos está infetado

Dia 11. Rotinas 0 – 1 Sanidade mental. Que se lixem as rotinas

Dia 12. Agenda: às nove no Instagram ou às dez no Skype?

Dia 13. Como explicar o que aconteceu na Ponte 25 de Abril?

Dia 14. Os vossos pais também não param em casa?

Dia 17. “Sim, vai mesmo ter que ir às urgências”

Dia 18. Pão, vinho e Bruno Nogueira. O que mudou em três semanas

Dia 19. O medo lá fora – a minha filha não quer sair de casa

Dia 20. A vida em suspenso

Dia 21. “E então, o que vamos fazer hoje?” Fartos de pensar nisto todos os dias?

Dia 22. “E se te vestisses de professora?”

Dia 23. Não vamos à terra na Páscoa e a minha mãe está triste

Dia 24. “E se eu infetar o meu filho?” Médicos e enfermeiros em isolamento

Dia 26. Não vamos ter ensino à distância

Dia 27. Nunca fizemos tanta companhia aos nossos animais de companhia

Dia 28. O medo lá fora, a segurança cá dentro

Dia 29. Terceiro período. Ou damos em doidos ou respiramos de alívio

Dia 41. Já não estranhamos tudo. Apenas este 25 de Abril

Dia 48. Vamos poder sair de casa. E quem tem medo de o fazer?

Dia 55. Filhos em casa, teletrabalho, saúde mental e pouco descanso

Dia 62. As pequenas vitórias que nos passam ao lado

Dia 69. Como combater a fadiga do Zoom e dos filhos? Com vinho

Dia 76. A minha filha não regressa à escola na segunda-feira

Dia 83. Faltam três semanas. O que vão fazer aos filhos nas férias escolares?

Dia 90. Um penso rápido cor de pele? Da pele de quem?

Dia 112. Voltar à Beira no Verão. E manter a sanidade mental

Dia 119. Como se desliga a ansiedade nas férias Covid?