Quando tinha 15 anos comecei o meu primeiro diário. Não sei bem o que me levou a começá-lo, mas tornou-se no hábito mais importante ao longo da minha vida. Noutro dia estava a rever as mais de quatro mil páginas escritas nos últimos nove anos e deparei-me com ele. Na primeira página, encontra-se o título: Teoria Geral da Magnificência.

Aos 15 anos, depois de ver tantos amigos dos meus pais insatisfeitos com as suas vidas, decidi que a minha não seria assim. Decidi que a minha vida iria ser magnífica. Iria ser uma vida fora do normal, absolutamente extraordinária e nada me podia parar. Desde então tenho perguntado a centenas de pessoas se querem ter uma vida magnífica, e praticamente todas dizem que sim. Se pensarmos bem, aquilo que todos nós queremos é ter uma boa vida. Uns querem ter uma vida melhor que outros, mas isso depende dos standards e drive de cada um.

Quando percebi que queria ter uma vida magnífica, colocou-se a questão pela qual tenho sido obcecado na última década. O que é, e como posso ter uma vida magnífica?

É esta pergunta que me tem feito entrar a fundo em áreas que vão desde filosofia grega, técnicas de gestão japonesas, espiritualidade aborígene, e o Human Potential Movement americano. É a pergunta que me tem feito ler quase um livro por semana, convidar pessoas no LinkedIn que não conheço para almoçar todos os dias, ir a seminários nos vários cantos do mundo e escrever mais de quatro mil páginas sobre o assunto.

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Depois de uma década de investigação, a construir quer sobre a minha experiência pessoal, quer sobre os ombros de gigantes, sinto que cada vez estou mais perto da minha resposta. Parece que desde que nasci estou a conduzir um carro com o vidro da frente embaciado. Aos 15 anos decidi ligar o ar condicionado, que depois de cada livro, seminário, vídeo, podcast, ou semana de autoanálise, vai tornando o caminho cada vez mais concreto e definido. Ainda tenho partes por desembaciar, mas consigo agora olhar para a vida com muito mais clareza.

O que tenho vindo a descobrir tem conteúdo mais para um livro do que para um artigo, mas vou partilhar aqui duas das minhas principais descobertas, que têm um grande impacto em todas as nossas vidas.

O que significa e como podemos ter realmente uma vida magnífica?

A primeira coisa a ter em consideração é que uma vida magnífica é diferente para cada um de nós. Se pensarmos a uma escala global, somos de culturas diferentes, tivemos experiências diferentes e isso faz com que tenhamos gostos e interesses diferentes. Há quem goste de futebol, há quem lhe seja indiferente, há quem deteste e há quem nada saiba sobre o assunto. Uns querem ter cinco filhos, outros nenhum. Uns gostam de sobremesas, outros de entradas. Uns gostam de falar em público, outros ficam enjoados só de pensar na ideia.

Para além disso, todos valorizamos coisas diferentes. Duas das seis necessidades humanas que todos partilhamos são certeza e variedade. A nossa necessidade por certeza surge de querermos estar seguros, confortáveis, em controlo. A nossa necessidade por variedade é a de  vem da sede pela diversidade, novidade, surpresa. Todos temos as duas necessidades, mas todos nós as valorizamos de forma diferente. Eu valorizo mais variedade do que certeza e é um dos motivos pelos quais me tornei empreendedor, estando sempre em busca de novos projetos. Quem valoriza mais a certeza, vai olhar para a sua vida profissional com outros olhos. A vida incerta de um empreendedor está fora dos seus interesses.

Naturalmente, é de lembrar que nesta matéria não existe certo nem errado, mas podemos observar que aquilo que mais valorizamos tem um grande impacto nas nossas escolhas. Se uma vida magnífica é diferente para cada um, o primeiro trabalho de cada um é ter auto-conhecimento e perceber a sua estrutura de valores, os seus gostos e interesses, as suas crenças – para poder começar a desenhar uma vida de acordo com a sua singularidade.

A segunda coisa a ter em consideração é que a vida é holística e temos de a abordar com uma perspectiva de 360 graus. Sempre que pergunto a alguém qual é o seu objetivo neste momento, a resposta é sempre sobre um desafio profissional. O nosso trabalho, carreira ou missão é sem dúvida fundamental na nossa vida. Traz-nos retorno financeiro e, se bem feito, um sentimento de propósito. Mas e a nossa saúde? O nosso nível de energia? O nosso bem-estar emocional? A evolução do nosso carácter? A nossa inteligência financeira? A nossa network? A nossa marca pessoal? A nossa gestão de tempo? O nosso crescimento intelectual? O nosso desenvolvimento espiritual? A profundidade das nossas relações? As experiências que queremos ter?

Todos somos seres únicos, mas dentro das nossas particularidades todos partilhamos elementos básicos comuns. Se a nossa carreira estiver a ir de vento em popa, mas a saúde a seguir no sentido contrário, é certo que vamos sofrer. Se tivermos muito dinheiro e não tivermos tempo para o gastar, não vamos ter as experiências que desejamos. Se estivermos constantemente irritados e frustrados, as nossas relações vão certamente começar a sumir. A única forma de termos uma vida realmente magnífica, é se a abordarmos com uma perspetiva holística.

Das centenas de ideias que tenho, estas são duas das distinções mais simples, mas mais relevantes que fiz nos últimos anos. São tão simples e relevantes que seria de esperar que todos nós as soubéssemos. Mas a realidade é que a única forma que tive de aprender isto, foi na minha busca por desenvolvimento pessoal.

Se o nosso objetivo é ter uma boa vida — e essa vida só é possível ao percebermos os nossos desejos e necessidades pessoais — e se a vida for encarada de uma perspetiva holística dando o devido valor a todas as áreas… Porque é que ninguém nos ensina isto? Porque investimos tempo a aprender o nome de rios e montanhas, a estudar livros do século passado, ou a jogar com trigonometria? Sou um curioso por natureza e adoro aprender essas matérias, mas a verdade é que ter lido Os Maias, saber onde é o Rio Mondego e calcular senos, foram lições com pouca aplicabilidade na minha vida. De tal forma que, mesmo tendo tido 18 no exame nacional de matemática, tive neste momento de ir ao Google pesquisar “trigonometria” para saber que exemplo dar agora: não ouvia a palavra “seno” há pelo menos seis anos.

O sistema de ensino está criado para desenvolver human commodities, que nada sabem sobre si próprios ou sobre a vida. Ensinam-nos pouco mais do que precisamos saber para entrar no primeiro emprego. Não estou a dizer que o trabalho esteja a ser mal feito, muita gente encontra emprego. Mas será que toda essa gente tem uma vida de que realmente goste?

Fred Canto e Castro tem 24 anos e é o fundador da Sonder People, um marketplace tecnológico que conecta pessoas autênticas com oportunidades de trabalho em publicidade. É um apaixonado por desenvolvimento pessoal e comportamento humano. Integrou os Global Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers.