1. Mudar para que tudo continue como está — é a ideia central d’ “O Leopardo” de Tomasi di Lampedusa que resume bem os governos de António Costa.  Acabou a geringonça mas o imobilismo político do primeiro Governo de António Costa vai continuar no segundo Executivo. O espartilho do acordo com a extrema-esquerda foi destruído, os ministros mais moderados viram o seu peso político reforçado mas o resultado final será exatamente igual: um crescimento económico medíocre, a ilusão dos portugueses de que estão a recuperar poder de compra e, acima de tudo, uma alergia absoluta a qualquer mudança estrutural que promova o progresso económico e social.

Com uma ou outra exceção, a esmagadora maioria dos 19 ministros irão gerir o dia-a-dia, apostando no marketing político em que o PS é especialista para vender uma imagem de país de sucesso — quando o mais provável é continuarmos a empobrecer e a perder competitividade face aos países europeus do nosso campeonato.

Uma Segurança Social falida que irá prejudicar, e muito, as gerações nascidas após 1974, um Serviço Nacional da Saúde a decompôr-se lenta e irremediavelmente até que o Bloco de Esquerda e o PCP voltem a gritar, como no tempo da troika, que há utentes a morrer por falta de cuidados e uma Educação em que a escola pública voltará a ser um palco de confronto entre o corporativismo acéfalo de Mário Nogueira e um ministro fraco e sem rasgo. Como cereja no topo do bolo, teremos um Ministério das Finanças com uma enorme capacidade criativa para criar mais impostos e aumentar os já existentes.

Porque um Estado que não se deixa reformar, que não quer ser competitivo, que se está nas tintas para o cidadão e que mais não é do que uma espécie de balcão de atendimento das necessidades das diferentes corporações da administração pública — esse Estado é um Monstro que precisa de ser alimentado, bem alimentado com impostos, impostos e mais impostos para contentamento das clientelas do partido do dr. António Costa.

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2. Costa não falhou a maioria absoluta por um deputado, como António Guterres em 1999, mas a sensação de deja vu é incontornável. Além da falta de energia e de caras novas e do clima de económico igualmente de abrandamento, as semelhanças entre os segundos executivos de Costa e de Guterres chegam ainda à criação de um famoso e utópico Ministério para a administração pública.

Verdade seja dita que António Guterres escolheu o homem certo para nada fazer: Alberto Martins, de seu nome. O seu curriculum político resumia-se a falar bem e ao facto de ter sido um dos rostos da crise estudantil de 1969 em Coimbra. Dois anos depois de ter liderado o pomposo Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública o resultado foi um rotundo e absoluto zero: zero de reformas, zero de medidas concretas de modernização da administração pública e muitos mas mesmo muito estudo. A tradicional receita guterrista, portanto.

Já António Costa resolveu criar um Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública. Repare-se na subtileza: Guterres queria reformar, enquanto Costa quer modernizar o Estado. Apesar do perfil claramente mais executivo de Alexandra Leitão, algo me diz que o resultado não será diferente do de Alberto Martins.

Primeiro porque Mário Centeno irá ter sempre uma palavra a dizer em qualquer alteração que Leitão queira fazer na organização do Estado ou na administração pública pelo óbvio impacto orçamental. Por outro lado, se há área em que o PS nunca quererá gerar grandes insatisfações é precisamente na função pública — uma das suas base eleitorais de apoio.

Seja revendo as carreiras especiais da função pública (como está no programa do Governo), seja alterando outras matérias, qualquer mudança terá sempre o mesmo objetivo: deixar tudo como está, uma vez mais.

3. Aliás, só consigo ver uma área onde há condições para alterações estruturais: as Infraestruturas. Primeiro porque está a entregue ao ministro com maior capacidade política (leia-se capacidade de fazer) deste Governo: Pedro Nuno Santos. Por outro lado, porque há um trabalho preparatório que o primeiro Governo de Costa já fez e há condições orçamentais em termos da União Europeia para um forte apoio, por exemplo, à modernização da ferrovia e à expansão na área portuária.

Pedro Nuno Santos é o homem certo para iniciar esse processo de modernização que pode verdadeiramente aproximar o país da média europeia, promover um aumento da qualidade de vida dos cidadãos e ainda ter ganhos ambientais significativos. Mas que será sempre de ser continuado pelos seus sucessores.

O mesmo se diga da escolha de Ana Mendes Godinho para o Ministério do Trabalho. Neste caso, o objetivo será estancar a vontade do PCP e do Bloco de Esquerda de influenciarem a reversão da flexibilização da lei laboral aprovada (com os votos do PSD) na última legislatura.

4. Outro lado positivo do novo Governo é a continuidade de Francisca Van Dunem na pasta da Justiça. Depois da acusação do caso Tancos a surgir em plena campanha eleitoral, os socialistas ficaram de pé atrás em relação à Justiça. O Expresso o o Observador chegaram mesmo a noticiar que o PS acreditava que existia uma conspiração do Ministério Público contra o partido.

Depois dessa acusação gravíssima, era expetável a substituição de Van Dunem por alguém adepto de uma linha dura contra o setor da Justiça — um pouco na linha do que Rui Rio vem defendido.

A continuidade de Van Dunem significa que António Costa optou por um perfil mais consensual e pacífico. Para todos os efeitos, trata-se de uma magistrada prestigiada que, certamente, não será cúmplice de qualquer controlo da Justiça por parte do PS.

5. O mais extraordinário, contudo, é o alfa e ómega do novo Executivo: a presidência portuguesa da União Europeia (UE) em 2021, como se o Governo se esgotasse naquele evento que dura seis meses.

Aparentemente, e numa presidência portuguesa da UE que durará seis meses, o primeiro-ministro deixará de ter tempo para o país e, por isso, necessita de quatro ministros de Estado — sendo que um deles, Augusto Santos Silva, também estará ausente do território nacional algures na União Europeia no primeiro semestre de 2021.

Tendo em conta o défice de organização dos portugueses, pode parecer boa ideia começar a pensar com dois anos de antecedência num evento como a presidência da UE. Mas, na realidade, tal capacidade de antecipação só quer dizer uma coisa: António Costa já está a pensar numa carreira internacional.

Como se não bastasse já termos um primeiro-ministro sem visão de longo prazo para o país, também tínhamos de ter um chefe de Governo que não tem a cabeça em Portugal mas sim na alta política europeia para benefício próprio com todos os jogos palacianos e de bastidores inerentes aos processos de decisão europeu.

O que dá vontade de perguntar: será que António Costa quer imitar Durão Barroso e fugir do país quando as nuvens negras da economia (e do imobilismo político por si promovido) impedirem a política de distribuição de rendimentos de que Costa tanto gosta? O que fará Costa se o Governo cair?

É uma pergunta legítima tendo em conta a convicção geral de que este Governo não durará mais do que dois anos e as presidenciais de 2021 já têm um vencedor antecipado: Marcelo Rebelo de Sousa.

Retificação: A Presidência do Conselho da União Europeia não é tripartida, logo Portugal exercerá a sua presidência no 1.º semestre de 2021. O chamado programa de trabalho de cada presidência é acordado entre os três Estados-Membros que exercem tal presidência de forma consecutiva, sendo que Portugal terá de negociar esse mesmo programa com a Alemanha e a Eslovénia.