A Europa e o “Ocidente alargado” parece terem andado algo distraídos e durante largos anos. Pela primeira vez desde a segunda grande guerra mundial estamos perante uma ameaça real e não meramente potencial.

No que à NATO diz respeito estamos perante um momento histórico no qual se se assiste a um claro regresso daquele que foi o seu princípio fundador.

 A Cimeira de Madrid foi um êxito uma vez que a Finlândia e a Suécia acabaram por ser convidadas formalmente a aderir, conforme era esperado e igualmente desejado. Claro que face à evidente política expansionista russa, outros países percecionaram que não conseguirão sobreviver sozinhos. A seguir à entrada destes, outros virão, pois sabem que perante uma ameaça bélica à sua integridade territorial vinda de Moscovo, não terão qualquer hipótese de sobreviver por si sós.

O presidente Biden, por seu turno, comunicou um reforço significativo de forças, decidindo destacar militares dos EUA para uma base permanente na Polónia. Stoltenberg anunciou um reforço substantivo da Força de Reação rápida da NATO, que passará dos atuais 40000 militares para mais de 300000.

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Igualmente digno de registo é o facto do número de estados membros da Aliança Atlântica que já se encontram a investir pelo menos 2% do respetivo PIB em defesa, ter aumentado de forma expressiva.

Estamos claramente perante a maior ameaça à segurança da Europa Ocidental desde o final da segunda grande guerra. Para a Ucrânia essa ameaça é concomitantemente existencial, pois o intuito da Rússia é evidentemente o de anexar o seu território. Moscovo considera que este país foi uma criação artificial da CIA e dos EUA e entende que lhe pertence por direito.

Em abono da verdade, se a comunidade internacional tivesse agido em tempo e de forma vigorosa hoje a Ucrânia não estaria muito possivelmente em guerra.

Como sabemos a reação foi lenta, mas apesar de tudo esperemos que não tenha sido demasiado tardia à semelhança do que sucedeu na antecâmara do último grande conflito mundial. Neste momento se a Ucrânia capitular no campo de batalha é uma evidência que estaremos igualmente perante uma forma de capitulação da NATO, do ocidente e dos valores da liberdade, do direito e da democracia.

Esta é a verdadeira Rússia de Putin, de certa forma o monstro que a Europa, cega, parece não ter visto crescer. Por alturas da Cimeira de Lisboa, em 2010, a ameaça mais evidente que urgia combater era o terrorismo transnacional e julgava-se, imagine-se, que a Rússia até podia ser um parceiro estratégico privilegiado no seu controlo ou mesmo erradicação.

Na verdade os primeiros sinais evidentes da impaciência expansionista do Kremlin já tinham sido dados, em 2008, com as intervenções militares na Geórgia. Era aqui claro que já não estávamos em presença da Rússia de Gorbatchov ou de Boris Ieltsin.

Assim sendo, a Europa erradamente embarcou num logro, acabou por alimentar não só diretamente a economia russa como indiretamente a sua poderosa máquina de guerra. Muitos países europeus estabeleceram com a Federação Russa relações comerciais privilegiadas, tendo em vista a importação de combustíveis fósseis, criando verdadeiras vulnerabilidades estratégicas. Os exemplos mais evidentes são a Alemanha e a Hungria.

Há muito que a Europa não sentia a sua integridade territorial diretamente ameaçada. A ofensiva russa despertou nela e em todos os países da NATO a consciência que perante uma unidade geopolítica expansionista como a Rússia, se impõe uma união e uma convergência de esforços clara e sem ambiguidades por parte de todos os estados membros. Muito mais que uma necessidade, trata-se de um verdadeiro imperativo.

Não há dúvida que, para a NATO, 24 de fevereiro de 2022 representou o acender do semáforo vermelho.

Após a desintegração da URSS e durante muitos anos, a Aliança Atlântica viveu tempos de alguma fraqueza, indefinição e desinvestimento. A falta de uma ameaça tangível e sobretudo real aos olhos das opiniões públicas, acabou invariavelmente por influenciar os níveis de investimento na defesa e na segurança.

Em síntese e face a todas as posições assumidas, a Aliança Atlântica e de uma forma mais ampla o “Ocidente alargado” já não se podem dar ao luxo de perder esta guerra.

Por outro lado, Putin que desejava menos NATO, vai ter de aguentar com muito mais NATO encostada às suas fronteiras e justamente dentro de um espaço de influência territorial que considera seu por direito.

De facto, um inimigo comum pode operar verdadeiros milagres!

Cascais, 01 de julho de 2022