Nas últimas semanas tem estado na agenda o tema das potenciais coligações de governo dentro do espaço não socialista, muito a reboque do mediatismo gerado pelas Convenções da Iniciativa Liberal (IL) e do Chega. Com partidos como o Partido Social Democrata (PSD), a IL e o Chega com significativa expressão eleitoral em diversas sondagens, coloca-se a seguinte questão: que opções existem neste espaço político para potenciais futuras coligações ou acordos de governo? Vamos então dissecar a situação.

Começando pela IL: o atual presidente, Rui Rocha, deixou bem claro e escrito na pedra que a IL não alinhará em qualquer acordo de governação ou acordo de incidência parlamentar onde o Chega esteja envolvido. Existem várias razões para tal relacionadas com o próprio Chega, sobre as quais opinarei mais adiante neste artigo, mas da parte da IL trata-se de uma questão de visão política e de espinha dorsal. A IL tem uma visão clara para o país, ambiciona ser governo e ambiciona romper com o bipartidarismo em Portugal, mas deixa bem claro que não vale tudo para atingir esse fim. O principal objetivo da IL não é tirar o Partido Socialista (PS) da governação, mas sim garantir uma solução governativa que permita implementar a sua visão para o país. Nesse sentido, há acordos possíveis no espaço da social-democracia, com um caderno de encargos bem definido. Não há, contudo, espaço para acordos num espaço que não se sabe bem o que é, o que defende e o que pretende para o país.

Passando para o PSD: desde os tempos de Rui Rio que o PSD se esquiva de assumir a sua posição relativamente a acordos pós-eleitorais com o Chega, e tal não se alterou com Luís Montenegro. Fica a ligeira sensação de que o PSD está disposto a tudo para conseguir ser governo, inclusive por meio de acordos com o Chega. Esta sensação pode ser apenas uma sensação, mas, na falta de esclarecimentos concretos, é o que nos pode ser permitido inferir. Caso o PSD decida avançar para este tipo de acordos, parece-me que poderá ser um suicídio político para o partido. E não me refiro apenas ao potencial eleitorado do PSD, mas inclusive a uma significativa parte dos seus militantes que não se reveriam num acordo deste género de incidência nacional. Assim sendo, restam poucas soluções políticamente aceitáveis ao PSD que não sejam acordos com a IL.

Posto isto, um acordo de incidência parlamentar ou de governo entre o PSD e a IL seria o melhor e políticamente mais aceitável cenário de um acordo de governo no espaço não socialista. E é importante que também o PSD o assuma.

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Passemos então ao Chega.

A política é uma atividade complexa. Mas, para efeitos de simplificação, coloquemos as coisas nestes termos: grande parte da atividade dos partidos políticos passa por identificar problemas e as suas origens, e depois propor soluções para esses problemas (e aqui as soluções passam por diversos tipos de ideologias, de inspirações, e de diferentes abordagens que podem ser tomadas para resolver os mesmos problemas). Ora, o primeiro problema do Chega começa precisamente aqui. A única coisa que o Chega faz na sua ação política é identificar problemas, e ainda assim muitas vezes identifica os problemas errados levado na onda do populismo (questões como o RSI ou a comunidade cigana). As soluções são poucas ou nenhumas, muitas vezes atabalhoadas e oscilantes entre diversos espetros políticos: ora mais estatizante, ora menos estatizante. É conforme der jeito. É conforme o soundbite resulte melhor. Chega-se ao bizarro de, em atividade legislativa, o Chega ter conseguido votar três vezes em três sentidos diferentes relativamente à mesma proposta (a favor, contra e abstenção). Adiciona-se ainda o facto de o Chega não conseguir ver aprovada praticamente nenhuma proposta que faça na Assembleia da República.

Não é segredo que o Chega apareceu (aliás, o próprio nome não esconde ao que vai) como um partido de protesto. E surgiu e surge cada vez mais também como um partido unipessoal, em que o seu rosto é o rosto de André Ventura. Dúvidas houvesse, a última convenção do partido mostra bem isto, com regras mudadas a meio do jogo para afastar adversários internos e com mais um teatro de candidatura de Ventura. Perdi já a conta ao número de vezes que Ventura se demite e recandidata à liderança do Chega, numa ânsia constante de garantir que os seus fiéis ainda o seguem como o seu grande líder. Mas fora o protesto e a vassalagem ao grande líder, o Chega é um completo vazio político. Não tem uma ideologia, não tem uma identidade, não tem soluções, não tem nada. A título de curiosidade, poderá o leitor querer recuperar a história relativamente a alguns dos maiores tiranos que existiram no mundo. Ficará talvez surpreendido com as semelhanças no conteúdo, na forma de protesto e na forma de gestão do partido entre esses tiranos e Ventura.

Quanto às ambições de poder, o Chega afirma-se como um partido de protesto e um partido contra o sistema. Ficámos a saber este fim de semana que o Chega quer fazer parte de uma solução de governo e não de uma forma qualquer: quer ter entre quatro a seis pastas ministeriais num eventual governo. Para onde foi o discurso contra o sistema? Não existe. O Chega quer fazer parte do sistema e é o sistema, que disso não restem dúvidas.

Até este fim de semana, encontrávamo-nos também sem saber qual seria a posição do Chega no caso de existir uma maioria relativa de governo composta por PSD e IL. Imaginemos o seguinte caso: nesta maioria relativa, durante a aprovação, por exemplo, do Orçamento de Estado, iria o Chega viabilizar este Orçamento ou chumbá-lo e colocar o poder de novo nas mãos do PS? Ficou agora claro. O Chega deixou claro na sua Convenção que, nesta eventualidade, estaria pronto para chumbar e deitar o governo abaixo, entregando o poder da governação de bandeja nas mãos do PS. E tal não é surpreendente, o próprio PS sabe disso. E é por isso que constantemente o próprio PS faz por dar mediatismo ao Chega. António Costa sabe bem que o Chega é a sua garantia de poder.

Fique então à consideração dos eleitores, especialmente daqueles que identificam no Chega um voto de protesto: um voto no Chega não passará de um bilhete para uma viagem. Essa viagem será uma confortável viagem desde o boletim de voto até uma bandeja, que será depois entregue na mão dos partidos do espaço socialista e nomeadamente do PS. É, portanto, um voto inútil.

O protesto e a insatisfação com o estado do país é legítimo e desejável em qualquer democracia. Devemos, contudo, saber bem onde depositamos o nosso voto e saber se ele nos levará a uma mudança ou a uma manutenção do estado das coisas. Penso que fica evidente que um voto no Chega levará, evidentemente, à segunda opção. Penso que fica também evidente que, para a Iniciativa Liberal, o que importa é construir uma visão para um país com mais liberdade e onde todos possam alcançar a sua felicidade da forma que bem entenderem, com ou sem pastas de governo, mas seguramente nunca abdicando dos seus princípios em troca do poder pelo poder.