A parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, proposta de livre comércio entre a UE e os EUA, cancelada pelo Presidente Trump, renasceu este verão numa versão light dedicada à tecnologia, com o anúncio da criação do Conselho de Comércio e Tecnologia (Trade and Techology Council, TTC). O objetivo deste Conselho é criar grupos de trabalho para aproximar as políticas e cooperar em áreas como a segurança de aprovisionamento, standards tecnológicos, segurança digital e tratamentos de dados.
As vantagens desta aproximação são grandes, mas os desafios são enormes, não só pelos problemas específicos das políticas tecnológicas, mas também por problemas e tensões laterais, que podem atrasar ou até fazer descarrilar este projeto.
Sinal disso é a primeira reunião deste Conselho ter chegado a estar em risco por causa da tensão provocada pelo acordo entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália para a compra de um submarino nuclear, deixando de lado a França que já estava em negociações com a Austrália.
Outro tema de fundo que tem limitado a parceria transatlântica é o facto de os Estados Unidos ainda não terem revertido a decisão, tomada pelo Presidente Trump, de aumentar as tarifas sobre o alumínio e o aço, invocando critérios de defesa nacional. A União Europeia espera que seja encontrada uma solução para este problema até dia 1 de novembro.
Na Organização de Comércio Internacional (OMC), os EUA e a Europa têm objetivos aparentemente semelhantes no que diz respeito à necessidade de reformar as áreas da tecnologia, da agricultura e da neutralidade competitiva, mas a questão do funcionamento dos órgãos de resolução de disputas e de apelos ainda está por resolver. Estes organismos, que pertencem à OMC, servem para resolver disputas entre Estados sobre o comércio internacional, designadamente sobre barreiras às importações consideradas ilegais. A anterior administração americana tentou enfraquecer estes dois órgãos, bloqueando novas nomeações para o órgão de apelos. No entanto, apesar de haver aparentemente uma posição mais construtiva do Presidente Biden sobre como ultrapassar este bloqueio, o que é certo é que ainda não existe uma posição oficial clara da atual administração, apesar da Europa já ter proposto reformas para estes dois organismos, para responder às críticas americanas.
Estas são apenas algumas dificuldades que podem afetar a capacidade de chegar a acordo em áreas fundamentais para o desenvolvimento económico. Por exemplo, a primeira reunião deste Conselho, que começa no dia 29 de setembro em Pittsburgh, tem como tema principal a produção de semicondutores, cujas dificuldades de aprovisionamento global têm afetado as economias de forma transversal, nomeadamente a produção de automóveis e de computadores, e atrasado a recuperação pós-pandemia, contribuindo também para o aumento da inflação. Nesta área é fundamental pensar em formas de diversificação de fornecedores, preservando, ao mesmo tempo, preços competitivos.
No longo prazo, o Conselho de Comércio e Tecnologia é um sinal importante da política externa americana, uma exceção à estratégia de fundo que persiste, America First, e uma forma de aumentar a capacidade de fazer face à China. Para a Europa, esta iniciativa serve para apoiar o investimento numa área em que está atrasada, e para aumentar a capacidade de influência nas questões regulatórias da tecnologia, como a proteção de dados e a regulação da inteligência artificial. O sucesso desta iniciativa não está garantido, mas se for possível chegar a acordo em algumas áreas, poderá contribuir para se inverter a tendência anti- globalização, que já existia antes da crise pandémica. Para Portugal, a reaproximação transatlântica, agora que o Reino Unido saiu da UE, é uma evolução muito positiva.