Sabe o que significa a expressão “Pexit”? Foi inventada para Portugal há cerca de três anos quando se começou a falar da saída de países do euro. O equivalente ao “Grexit”, para os gregos. A palavra condensava, quando o Governo português pediu ajuda à troika, a pressão para que o país saísse da moeda única. Por cá, havia quem o defendesse, porque achava que seria melhor do que o ajustamento da troika, ou quem achasse que era inevitável e que isso significaria o fim da economia portuguesa. Em 2014, a maldição do fim do euro não se concretizou. O fantasma foi afastado?
Nouriel Roubini, o economista que previu a crise, vaticinava em Junho de 2011, quando Portugal tinha acabado de eleger Pedro Passos Coelho, que a probabilidade de a Grécia ou Portugal saírem da zona euro era de 30%. O “dr. Desgraça” escrevia sobre a Grécia, arrastando Portugal, e defendia que era preferível a Grécia negociar uma saída ordeira, porque, sendo mau, o ajustamento da troika seria pior:
“Que não haja enganos: uma saída ordeira do euro vai ser difícil, mas assistir à lenta implosão desordeira da economia e da sociedade grega vai ser muito pior”.
O cenário, que tinha começado a desenhar-se em 2010 quando os gregos entraram em rutura, alastrou-se e por cá a pressão também aumentou. “Portugal não vai conseguir aguentar as políticas do FMI sem grandes cortes da despesa e sem deixar o euro”, dizia Desmond Lachman, antigo director adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI), numa entrevista ao Expresso.
Mas Portugal não saiu. Até ver. Houve quem falasse numa segunda moeda europeia, mais fraca, ou até que a saída de um Estado-membro estava impedida pelos tratados. Nem o Estado podia sair, nem os outros o podiam expulsar. Tudo formalismos facilmente ultrapassáveis por uma maioria de Estados que acabou por fazer de Portugal a linha vermelha que não podia ser ultrapassada: a queda de Portugal e uma saída da zona euro trariam outros problemas maiores para a sobrevivência económica, financeira e até social da Europa. De seus nomes: Espanha e Itália.
Mesmo assim, há quem acredite que o fantasma não está afastado. Pedro Braz Teixeira acredita que a eventual saída é uma realidade que está mais perto do que longe. Ao Observador, o economista, que acabou de lançar a segunda edição do livro “O fim do euro em Portugal?”, diz que não se trata de defender ou não a saída do país da moeda única, mas de saber que ela vai acontecer no prazo de uma década e que o melhor é “conseguir a melhor posição negocial para quando isso acontecer”.
A SAÍDA DO EURO LEVARIA A UM MILAGRE ECONÓMICO?
Do lado de quem é favorável à saída do euro, o debate nos últimos anos foi desencadeado sobretudo depois do livro de João Ferreira do Amaral “Porque devemos sair do euro” (2013) ter atingido os tops de vendas. A argumentação centra-se na cadeia que levaria ao investimento: um controlo da moeda pelo Banco de Portugal provocaria uma redução de custos, que levaria a um aumento das exportações e, no fim, a uma redução mais rápida do desemprego.
O debate político à esquerda fez-se pelas bandeiras do PCP, que chegou a lançar a ideia de um referendo à moeda única, mas nunca o propôs formalmente. Os comunistas foram contra a entrada na moeda única, mas durante anos não defenderam a saída. Com o resgate, dramatizaram o discurso. Mas a intenção comunista parece não colher apoio na sociedade. Mais de 60% dos portugueses continua a gostar de usar euros.
O debate foi arrefecendo. Mesmo durante as últimas eleições europeias, em que os eurocéticos fizeram caminho na Europa. Por cá, foi narrativa fácil – num país onde a moeda única escasseia, mas o valor pesa em bolsos demasiados fragilizados pela crise – mas não passou das palavras para os resultados eleitorais: a maioria continua a votar nos partidos pró-euro.
Para quem está do outro lado da barricada, o milagre da desvalorização através da saída do euro é pura utopia. Os argumentos de quem defende o euro passam pela dramatização das condições de vida que resultariam do abandono: a desvalorização abrupta dos salários (Passos Coelho chegou a falar em 30%) levaria a uma quebra do poder de compra das famílias e, em algumas perspetivas, só o falar nessa possibilidade poderia assustar investimentos estrangeiros.
Além da classificação económica, há ainda a classificação política. O país passaria a ser o “Vietname” da Europa (Daniel Bessa) ou seria provocada uma “albanização” de Portugal (Rui da Conceição Nunes).
O que livrou Portugal da saída do euro?
Pelo menos durante o período do programa de ajustamento, as previsões mais pessimistas não se concretizaram. Portugal continua a usar a moeda única (a Grécia também) e porquê? Tudo graças, acredita Braz Teixeira, à “promessa do BCE de intervir no mercado de obrigações” seis meses depois de “Super-Mario Draghi” (como ficou conhecido) ter entrado em funções no BCE. Nesta altura, Pedro Passos Coelho estava há meio ano em funções e com o resgate a caminho de um ano, as dúvidas sobre a resistência portuguesa acentuavam-se.
O primeiro-ministro insistia na bitola da credibilidade externa do país. O cumprimento do programa de ajustamento até pode ter ajudado à manutenção, mas, para Braz Teixeira, as carruagens mais fortes para o comboio da salvação do euro chegaram de fora: a mudança de posição da Alemanha e as alterações na estrutura europeia com a união bancária. Mas sem um “orçamento federal digno desse nome” e sem uma união bancária forte, o risco ainda não acabou, vaticina Braz Teixeira.
A ameaça pode, no entanto, vir novamente de fora das linhas da fronteira portuguesa: o crescimento de partidos eurocéticos nas estruturas europeias pode pôr em risco as mudanças mais estruturais à moeda única, o que pode fragilizar ainda mais a coesão do euro.
Veja aqui os outros mitos:
A troika iria destruir o Estado social
Governo não chegava até ao fim da legislatura
Programa perfeito para reformas
Dinheiro da troika não era suficiente
Contestação social seria violenta