A bola vinha longa. Batera na cabeça de Branco, o lateral canhoto, o tal que fora em tempos (1990) do FC Porto, e seguia a viagem pelo ar. Sem razão para isso, os centrais holandeses plantaram sementes e enraizaram os pés ao relvado. Bloquearam. Ficaram parados enquanto Bebeto arrancou. Correu, apanhou a bola, convidou o guarda-redes a sentar-se, contornou-o e rematou. Ah, e foi golo. O segundo que o Brasil marcava à Holanda, nos quartos-de-final do Mundial de 1994.

Assim que a bola passou a linha e se aninhou na rede, Bebeto correu ainda mais. Começou a sprintar e, ao mesmo tempo, juntou os braços e abanou-os uma e outra vez, como se estivesse a embalar um bebé — a um ritmo frenético, devido à alegria do momento. O avançado correria até à linha lateral, onde parou para continuar o festejo com os braços. Aí, à frente de uma câmara de televisão, passou a ter a companhia de Mazinho e Romário, que o imitariam no movimento. A imagem ficou para sempre.

E o festejo também. Bebeto, na altura, lembrou-se de o fazer pois, dois dias antes da partida, nascera o seu terceiro filho, Mattheus Oliveira. Sim, escrito assim, em memória do apelido de Lothar Mätthaus, ex-internacional alemão, que teve pernas para jogar entre 1979 e 2000, e que chegou a partilhar relvados com o brasileiro. No tal Mundial, que se realizou nos EUA, a coincidência de Bebeto e Romário no ataque da seleção brasileira rendeu oito golos (três para um, cinco para outro) e a conquista do Mundial, o quarto para o país. “Tetracampeão! Tetracampeão”, ouvia-se, após a final, a ser cantado em uníssono pelos jogadores canarinhos.

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Ficou para a história. E foi assim que Bebeto quis ficar conhecido: como Bebeto Tetra. Com este nome conseguiu, no domingo, ser eleito como deputado estadual nas eleições brasileiras. Para que Estado? O Rio de Janeiro, o mesmo onde Romário, reuniu votos suficientes para ser eleito senador (o mais votado nos último 30 anos neste Estado).

Em 1994 unidos pela seleção, em 2014 juntos por um Estado. Primeiro no futebol, agora na política. “Um ex-favelado virou senador”, descreveu-se assim Romário, no Twitter, ao celebrar os 4,6 milhões de votos que obteve no sufrágio. “Driblei a pobreza jogando futebol e, apesar de muitos torcerem o nariz, eu me orgulho muito disso”, escreveu depois o ex-avançado, na sua página de Facebook.

Novidades? Poucas. Foi mais uma questão de ordem e progresso, como se lê na bandeira brasileira. Romário, de 48 anos, aterrou na política em 2010, um anos após deixar o futebol, quando foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro. Em março de 2013 passou a chefiar o departamento de Turismo do Estado. Em setembro, chegaria a presidente do PSB no Rio de Janeiro. Agora, chega ao Congresso Nacional do Brasil. Ou seja, vai trabalhar para Brasília. “Só entro em algum tipo de competição onde tenho no mínimo 50% de chances de vencer. Se tivesse menos do que isso, não teria entrado nesta disputa”, chegou a dizer.

Já Bebeto, hoje com 50 anos, foi pela primeira vez eleito deputado federal em 2011, renovando agora o mandato que já lhe pertencia, ao ser o 62.º candidato mais votado para 70 cadeiras disponíveis na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Conseguiu-o com pouco mais de 61 mil votos (0,34%). Moral da história: um fica a representar a população no hemiciclo do Estado carioca, e o outro vai representar o Rio de Janeiro para o congresso.

Pode um Mário voltar a ser Super?

De pontapés, correrias e golos, os dois avançados — que, juntos, marcaram mais de 1000 golos — dedicam-se hoje a discutir ideias ou propor medidas. E não são os únicos. Mário Jardel, o homem que chegou a marcar 56 golos numa época (1999/00) com o FC Porto e 55, noutra (2001/02), com o Sporting, também se vai aventurar na política.

O antigo goleador, hoje com 41 anos e com um passado de dependência na cocaína, no início da década, foi eleito deputado estadual em Rio Grande do Sul. Veremos se tem na cabeça que tantos golos marcou — ainda é o único brasileiro a ganhar duas Botas de Ouro na Europa, graças as tais duas temporadas — o que é preciso para vingar na política.

Em São Paulo, a maior cidade do país, Andrés Sanchez teve votos suficientes para ser deputado federal. E este, quem é? Agora é política, mas durante anos (2007-2011) foi presidente do Corinthians, clube paulista e um dos que mais adeptos tem no Brasil, antes de servir como diretor das seleções da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entre 2011 e 2012.

Depois há Danrlei, um ex-guarda-redes, que se deixou disso em 1999 e conseguiu ser reeleito como deputado federal no Rio Grande do Sul. E até foi o que recebe mais votos — a rondar os 158 mil, mais do dobro dos que Bebeto reuniu no Rio de Janeiro. Ou Bobô, um antigo atacante e internacional brasileiro, que chegou a andar pelo São Paulo e Fluminense, que foi votado como deputado estadual, na Bahia.

São vários. Muitos. E há mais nomes que interessam aqui. Estes não foram eleitos, mas provam que, no Brasil, quem andou aos pontapés à bola tem queda para continuar a vida na política.

Entre os que se candidataram e não obtiveram votos suficientes estão Marcelo Carioca, médio que, a jogar, se tornou ídolo da torcida do Corinthians, mas não o suficiente para São Paulo o eleger; Paulo Rink, brasileiro tornado alemão, que chegou a naturalizar-se germânico e a fazer mais de 20 jogos pela Mannschaft, não foi eleito em Paraná. Ou Washington, homem que, enquanto foi avançado, passou pelo Fluminense, Varzim e Felgueiras, e que não foi capaz de ganhar votos em Rio Grande de Sul.