Raio x, leitor de temperatura, sensor de movimento e detetor de metais. Hoje em dia, é difícil imaginar que a história de Reg Spiers possa acontecer, mas em 1964, este australiano desafiou os controlos de segurança de três países para fazer uma viagem invulgar. Spiers viajou de Londres, na Inglaterra, a Perth, na Austrália, durante três dias dentro de uma caixa sem que fosse identificado, uma odisseia contada ao pormenor pela BBC.

“Trabalhei na secção de carga e tinha visto animais chegarem sempre bem. Pensei que se eles podiam aguentar a viagem, eu também poderia. Não tenho medo do escuro, então não havia razão para ficar preocupado”, contou à publicação.

A caixa tinha 1,5 metros de comprimento, 0,9 de altura e 0,75 de largura e foi feita de maneira a permitir que Spiers viajasse sentado, com as pernas estendidas, ou deitado com as pernas dobradas, de modo a ter algum conforto. Ele também desenvolveu um sistema para que pudesse abri-la por dentro, além de contar com cintos de segurança para dar-lhe estabilidade durante os deslocamentos. Dentro da caixa, levava consigo lanterna, cobertor, travesseiro, comida enlatada e duas garrafas de plástico – uma para água e outra para a urina.

Spiers era um atleta olímpico de lançamento de dardo e estava a viver durante uma pequena temporada em Londres para tratar uma lesão a tempo de participar dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. Como as sessões não haviam resultado, Spiers queria voltar para casa, mas não dispunha de dinheiro suficiente para comprar o bilhete.

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A sua jornada começou na alfândega de Londres com a ajuda do seu amigo John McSorley. Ele declarou às autoridades que estava a enviar para Austrália um carregamento de latas de tinta para uma fábrica de sapatos fictícia, através de um voo da Air India. A primeira paragem foi em Paris, quando Spiers foi quase descoberto pela polícia francesa.

“Precisava muito de urinar. Aliviei-me numa lata e coloquei-a no topo da caixa. Estava a esticar as pernas, mas foi quando o avião começou a descer. Tive medo e entrei de volta na caixa, mas a lata ficou”, conta. Spiers explica que, quando os funcionários do aeroporto de Paris viram o conteúdo da lata, pensaram que se tratava de uma brincadeira dos encarregados do aeroporto de Londres e não desconfiaram que dentro da caixa estava uma pessoa.

O segundo desafio do atleta foi em Mumbai, na Índia, quando os carregadores puseram-no de cabeça para baixo sob o sol durante quatro horas. “Estava tão quente que precisei tirar todas as minhas roupas. Teria sido engraçado caso me descobrissem naquele momento”, diz à BBC.

A viagem terminou em Perth. Spiers queria ir a Adelaide, mas escolheu a cidade por contar com um aeroporto menor, com menos controlo de segurança. “Estava a sorrir de orelha a orelha por estar em casa, mas não iria deixar que me descobrissem naquele momento. Sabia que os carregadores levariam a caixa para um armazém, e quando me puseram lá eu saí da caixa na hora. Havia algumas cervejas no armazém. Eu não bebo, mas peguei numa das cervejas e bebi uns bons goles”, contou.

Spiers explica que para sair do armazém sem ser descoberto teve de improvisar. “Havia umas ferramentas. Abri um buraco na parede e saí. Não havia segurança, então vesti um fato que trouxera na mala e simplesmente fui para a rua tentar apanhar boleias até Adelaide”, conta.

Se durante os três dias de viagem, Spiers não teve nenhum problema com as autoridades, o mesmo não pode ser dito sobre o fim da excursão. Como ficou dias sem dar notícias, o seu amigo John McSorley ligou à polícia britânica para alertar sobre o desaparecimento de Spiers. Conforme conta à BBC, a Air India descobriu a história, mas decidiu não cobrar pela viagem, devido à notoriedade que a história teve na imprensa naquela época.

Vinte anos depois, Spiers desapareceu da Austrália quando as autoridades o acusaram de tráfico de drogas. Três anos após o incidente, foi preso por tráfico no Sri Lanka e condenado à morte. Acabou por ser salvo por um apelo internacional e passou cinco anos numa prisão na Austrália. A história de Spiers rendeu um livro, lançado em novembro do ano passado.

E qual foi o motivo que levou o australiano a cruzar meio mundo dentro de uma caixa por três dias? Segundo conta à BBC, Spiers queria chegar a tempo no aniversário da sua filha. O único problema foi explicar à sua mulher a sua chegada antecipada. “Ela não acreditou em mim no começo, mas depois chegou à conclusão de que estava a falar a verdade”, explica.

 Texto atualizado no dia 17/04 às 17h10 com correção ortográfica.