OneMileAtATimeUma milha (aérea) de cada vez. É este o nome do blogue onde se reúne uma comunidade crescente de pessoas que partilham “segredos” e técnicas que, com um malabarismo de promoções, descontos e milhas acumuladas (entre outros métodos de legalidade mais questionável), podem permitir viajar de avião de graça ou, por exemplo, viajar em classe executiva a uma fração do que se pagaria para voar em económica. No centro de tudo está um homem – Ben Schlappig, ou Lucky – que passou o último ano, literalmente, em aeroportos e aviões.

A ideia é comparável ao passatempo de alguns argutos norte-americanos, retratados em programas como o Extreme Couponing, que cruzam cupões de desconto ao ponto de isso lhes permitir encher um carro de compras e, ao chegar à caixa do supermercado não só não pagar pelas compras mas, em alguns casos, receber dinheiro.

Os membros e os leitores de OneMileAtATime chamam-se Hobbyists, porque têm como hobby (passatempo) vasculhar os frenéticos sites de viagens das dezenas de companhias aéreas norte-americanas e das largas centenas de transportadoras mundiais. Mas não se ficam por aí: incluem nessa busca constante, por exemplo, os sites dos bancos e das empresas de cartões de crédito, que são um instrumento comum na economia norte-americana, assente no consumo.

Entram, também, nesta equação os pontos oferecidos pelas milhas acumuladas e pequenas indemnizações por alguma coisa que não tenha corrido bem a bordo. As principais técnicas incluem, contudo, uma componente de aproveitamento de erros que existem nas plataformas informáticas que suportam a área de reservas de bilhetes dos sites das transportadoras.

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Erros e incongruências que não são descobertos por acaso mas, sim, graças a programas informáticos (crawlers) que diligentemente patrulham os sites em busca de incongruências que possam transformar-se em dólares e viagens muito mais baratas ou mesmo gratuitas.

Agora, sim: o homem que se tornou a vedeta entre os Hobbyists

Conheça Ben Schlappig. Tem 25 anos e passou o último ano a viver – literalmente – em aeroportos e em pleno ar. É o seu trabalho.

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#TBT That time I almost became a flight attendant… ?

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Ben é mais conhecido no meio como Lucky. Vamos resumir a sua história e caberá ao leitor imaginar a razão por que lhe foi dada esta alcunha, que significa Sortudo.

Poderá ser porque este norte-americano já não paga uma renda de casa, ou uma prestação ao banco, há mais de um ano. Desde que se separou do ex-namorado, com quem vivia numa cidade de Washington (estado), Ben decidiu embalar todos os seus pertences não em caixas mas em meia dúzia de malas de viagem.

Acumular milhas no ar e calcorrear aeroportos mundiais passou a ser o seu emprego a full time. As contas são-lhe favoráveis: entre os descontos que consegue nas viagens e nas refeições (e em alguns hotéis, já agora) e as viagens gratuitas que faz e os rendimentos que lhe chegam através do tráfego de visitantes ao blogue, Ben vive disto há mais de um ano.

Lucky voa uma média de seis horas por dia. “O avião é o meu quarto, o meu escritório e a minha sala de estar”, conta, no perfil que a revista Rolling Stone fez esta semana.

A história contada pela revista acompanha Ben Schlappig durante uma missão que parte de Nova Iorque e o atira para Hong Kong, depois Jacarta, depois Tóquio e de volta a Nova Iorque. Tudo isto num total de 69 horas.

Quase todo este tempo é passado no ar ou no aeroporto. É raro ver Lucky aventurar-se para o centro das cidades, quando o faz prefere descansar nos hotéis enquanto atualiza o blogue e apura a informação com mais dicas e técnicas adquiridas graças à experiência em primeira mão. Escreve, por vezes, até cinco ou seis novas entradas no blogue num dia. Não se esqueça: ele não está de férias.

“Melhor do que fumar charros”

Como é que Ben Schlappig se transformou em Lucky, um homem, com 25 anos de idade, que só no último ano viajou cerca de 400 mil milhas aéreas – o suficiente para dar a volta ao Planeta Terra 16 vezes?

Benjamin nasceu em Nova Iorque e foi sempre obcecado com aviões e foi uma criança de mente irrequieta. Demasiado irrequieta para que a capacidade intelectual fora do vulgar se traduzisse em sucesso escolar. Aos 13 anos descobriu que havia gente cujo passatempo era procurar os melhores negócios em viagens aéreas e partilhar as formas de fintar o sistema.

Uma das técnicas de manipulação das regras era comprar viagens com um das centenas de cartões de crédito em seu nome e, depois, não chegar a fazer as viagens. Era como jogar numa slot machine e puxar a moeda, com um fio, de novo para a nossa mão, explicou Ben Schlappig à Rolling Stone.

Ainda adolescente, por aborrecimento e por vontade de testar as técnicas, Ben começou a fazer viagens ao fim de semana e a pedir aos pais que o fossem buscar ao aeroporto ao domingo à noite. Era um hobby potencialmente perigoso, diziam os pais, mas, ora, “é melhor do que fumar charros“.

Os pais de Ben viriam, contudo, a passar a levar o hobby mais a sério quando o filho os levou a viajar em classe executiva a um preço que foi uma fração do que pagariam para viajar em classe económica.

Aos 17 anos, já tinha viajado meio milhão de milhas. Os pais não o impediram e perceberam que a obsessão por estar longe poderia estar relacionada com a perda do irmão mais velho num acidente, quando Ben tinha três anos e Marc, o irmão mais velho, tinha 14.

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Rough day at my overwater office! ?

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Desculpe, menina? Estes auriculares estão estragados…”

Acompanhado pelo ex-namorado, outro entusiasta das pechinchas, Ben usava técnicas como aproveitar os vouchers que as companhias dão aos clientes, para utilização em viagens futuras, quando alguma coisa está avariada a bordo. A entrada dos auriculares estragada, uma luz fundida, qualquer coisa. É “fácil” e “tentador” aproveitar-se do sistema, sobretudo quando se tem “a arrogância de um teenager“, contou Lucky à Rolling Stone.

Outra tática: Ben e o namorado desenvolveram um instinto para adivinhar quais voos é que seriam alvo de overselling. Por vezes, no aparente caos do setor, desregulado, do transporte aéreo dos EUA, as companhias vendem bilhetes a mais e, depois, quem ceder voluntariamente o seu lugar recebe nova viagem e um voucher de várias centenas de dólares como compensação.

A lista de dicas é infindável e Ben é frequentemente convidado para participar em mesas-redondas e conferências ligadas ao setor da aviação. Enquanto acumula milhas e se mantém um passo à frente da evolução do negócio das companhias, Lucky tornou-se uma estrela.

Numa entrevista recente ao canal do Youtube MilePoint TV, Ben Schlappig mostrou que não se imagina a fazer outra coisa, apesar do grande susto que apanhou, a certa ocasião, quando o avião em que viajava foi atingido por dois relâmpagos e durante longos minutos o acidente parecia estar à beira de acontecer. “Foi a única vez que chorei a bordo de um avião”, conta Lucky, que teve sorte.