Temperaturas elevadas, corpos mais expostos e destinos exóticos. Estes parecem ser alguns dos ingredientes que mais pesam quando em causa estão os amores de verão, essas paixões por vezes tórridas que dão alento aos dias mais compridos, isentos de horários e de obrigações laborais. Mas será que o romance que o calor desperta, o frio apaga? Será que o fim das férias significa também o fim da relação? A resposta é “nem sempre”.

Alexandra Valdez e Martinho Sousa conheceram-se em 2007 num campo de férias, na Flórida, nos Estados Unidos da América. Ela mexicana e ele português, à data ambos com 18 anos. “Não foi amor à primeira vista”, conta Alexandra (Lexi para os amigos), do outro lado da linha do telefone. “Ele perguntou-me se eu era mexicana e depois começou a falar de futebol. E eu não gosto nada de futebol”, diz divertida. Se ao início o tema corria o risco de esfriar a conversa entre dois adolescentes de realidades tão distintas, com o tempo o par foi-se aproximando e, no decurso de três semanas, acabou por se apaixonar.

Findas as férias, os dois continuaram a falar-se da forma que a tecnologia permitiu e, quando deram por si, ficaram 11 meses “juntos” sem se voltarem a ver. O reencontro só aconteceu no verão seguinte e foi aí que decisões difíceis tiveram de ser tomadas. “Um amigo disse-me para pensar no que seria pior, estar longe dele ou nunca mais vê-lo. Então, decidimos tentar”, recorda Alexandra. O romance nunca sofreu pausas, apesar dos períodos longos que o casal atravessou sem se ver. As coisas mudaram em 2010, quando Alexandra escolheu fazer Erasmus em Portugal e, em 2012, quando voltou a solo luso para apostar no mestrado. Desta vez não voltou a deixar o país de Camões, pelo menos definitivamente.

Este era só mais um romance de verão, à partida interrompido por um oceano de largas proporções e marcado por um namoro à distância. Esta era só uma história bonita para “Lexi” levar para casa e contar às amigas mais próximas. Mas quis o acaso e/ou a persistência que tudo desse certo e os dois casaram-se em agosto de 2015.

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Foto: travnikovstudio/iStock

O que é isso do amor de verão?

Convém explicar que o termo “amor de verão” não tem nada de novo e é antes um forte aliado do senso comum. Prova disso é o facto de a cultura pop que nos rodeia usar e abusar da expressão. Em 2013, o site Live Science dedicava um artigo por inteiro aos romances de verão e constatava que a ideia era recorrente em músicas e filmes. A publicação escrevia que, à data, existiam sete canções com o título “Summer Love” e mais de 50 anos de diferença, desde 1957 aos temas mais recentes, interpretados por Justin Timberlake e pela boyband One Direction, de 2007 e 2012, respetivamente. Mas nem é preciso ir tão longe — basta recordar a música “Summer Nights” que faz parte da banda sonora de Grease, interpretada por John Travolta e Olivia Newton-John.

Mas o que se entende, então, por amor de verão? “É o entusiasmo, algo que acontece de uma forma muito intensa e que resulta do facto de estarmos descomprometidos, livres de rotinas e das pessoas que costumam estar à nossa volta que [por vezes] nos inibem de experimentar coisas novas”, começa por dizer a psicóloga Catarina Mexia.

A fuga ao dia a dia e o distanciamento dos círculos sociais são tidos como elementos canalizadores para a descoberta, no sentido em que amigos e familiares podem ter, ainda que não propositadamente, a capacidade de limitar a nossa criatividade e espontaneidade. “Quando conhecemos pessoas novas que batem certo com a nossa personalidade, pomos o melhor de nós cá para fora. Queremos ser agradáveis e apelativos para o outro. É uma fase de enamoramento no sentido mais lato, em que nos sentimos mais interessantes sem estar debaixo do escrutínio dos outros. É como se tivéssemos numa realidade alternativa“, esclarece a psicóloga.

Catherine A. Sanderson, professora de psicologia no Amherst College chegou a explicar à CNN que é mais fácil as pessoas envolverem-se em histórias deste género quando estão fora do seu ambiente habitual. Isto é especialmente verdade entre adolescentes porque “não têm aulas ou exames, tal como teriam no seu universo social. Eles quase que encarnam uma persona diferente e isso pode fazer com que seja mais fácil para alguns estudantes envolverem-se em romances de verão.”

Esta realidade faz do verão uma estação propícia a conhecer mais pessoas. Mas não é a única. A isso junta-se o facto de geralmente andarmos mais expostos ao calor, o que, segundo Catarina Mexia, estimula a criação de hormonas de prazer, tais como a serotonina — hormona que regula, entre outras coisas, a ansiedade, o humor, a locomoção, a fome e também a libido.

As pessoas acabam por estar fisiologicamente despertas para o outro no sentido romântico. Esta altura do verão e das férias mexe com a autoestima das pessoas, que estão menos cinzentas, e favorece ainda a forma como nos vemos e como deixamos que os outros nos vejam.”

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Foto: vsurkov/iStock

Vale a pena confiar num romance assim?

Dito isto, são poucas as vezes que estes amores sobrevivem à estação fria, à prova do tempo, da distância ou do quotidiano. Por esse motivo, a psicóloga adianta que no meio do encantamento e de uma barriga carregadinha de borboletas, é importante ter os pés assentes na terra e colocar perguntas por vezes difíceis de maneira a gerir expetativas. Será que a pessoa se vai enquadrar na nossa rotina? Será que se vai dar bem com os nossos amigos? É um amor passageiro ou algo com raízes mais fundas?

Alguns amores de verão correm o risco de serem engates”, atira Catarina Mexia, apesar de não gostar do termo. “Há pessoas que querem uma coisa sem compromisso ou que estão de ressaca de uma relação que acabou de terminar”, diz, deixando ficar o alerta.

Engates. Esse podia ter sido o final pouco feliz da história protagonizada por Filipe Guerreiro (31) e Susana Ferreira (27), mas a saudade que ficou de apenas uma semana de férias faltou mais alto. Estávamos em 2010 e Filipe tinha acabado de deixar um trabalho estável na banca — a ideia era trocar o mundo das finanças pelas favelas do Rio de Janeiro, no Brasil, onde iria dar aulas de inglês a miúdos e graúdos. Mas antes de arrancar com a mudança de vida, fez as malas e foi passar férias com uns amigos a Tenerife. “Ficámos em casa da Susana, que era amiga deles. Eu não a conhecia. Ela estava a fazer um estágio de seis meses num hotel em Tenerife. Nessa semana foi logo tudo muito intenso, houve logo o ‘clique'”, conta Filipe, meio divertido. As primeiras trocas de palavras foram suficientes para ambos perceberem que tinham personalidades semelhantes e que aquilo — o quer que fosse –, funcionava.

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Susana Ferreira e Filipe Guerreiro. (Foto: DR)

Passada a semana de férias, chegou a vez da despedida. Filipe trocou o castelhano pelo português cantado durante dois meses e meio, tempo durante o qual o casal não oficial falou com regularidade via e-mail e também por telefone, ainda que as chamadas fosse extremamente caras — “Rebentávamos o saldo, cinco minutos valiam 20 euros”, recorda Filipe. O contacto manteve a chama acesa e aguçou a saudade de tal forma que, findo o voluntariado no Brasil, Filipe comprou um bilhete de avião à revelia de Susana e surpreendeu-a em Tenerife. “O objetivo era perceber se aquilo tinha sido um encanto ou se seria algo mais sério. Achei importante ir lá e, depois, apercebi-me que o sentimento continuava a crescer e tinha pernas para andar.”

O próximo passo, terminado o estágio de Susana, foi rumar a Barcelona, onde viveram durante três anos, destino ao qual se seguiu Dublin, onde ficaram mais outros dois. O casal está em Portugal desde o início do ano: não estão casados, mas vivem juntos. “Em outubro fazemos seis anos e já pensamos em dar os passos seguintes, no futuro. Primeiro queremos ter um um cão, mas ainda temos de sair do apartamento.”

Voltemos a Catherine A. Sanderson, que à CNN explicou também que a parte mais difícil destas relações chega quando o casal está de regresso ao seu quotidiano. “Uma pessoa pode ver a relação como um romance de verão. A outra pode vê-lo como o começo de algo mais longo. Uma das dificuldades que as pessoas têm é em descrever a relação da mesma maneira.” Sobre isso, a psicóloga Catarina Mexia opta por recordar que, salvaguardadas as expetativas, “os romances de verão nem sempre têm de acabar”. A comprová-lo estão as histórias de quem chegou ao outono, ao inverno e ao verão dos anos seguintes.