“O que está a acontecer não tem cabimento nenhum. Há uma série de procedimentos e protocolos de segurança – são modelos internacionais – que garantem a qualidade da carne que chega aos consumidores. E isso acontece no Brasil e no mundo”, explica ao Observador Evaldo Titto, médico veterinário com um pós-doutoramento na área dos bovinos de corte e professor titular da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, sobre a Operação “Carne Fraca”.

“Em cada matadouro existe pelo menos um fiscal do governo federal responsável por parte deste controlo – e foi aí que toda esta história começou. Havia uma investigação em curso sobre denúncias de corrupção feitas a alguns desses fiscais, que já foram afastados, serão exonerados e irão para a cadeia.”

De acordo com o Ministério da Agricultura local, ao todo foram 33 os fiscais afastados de funções durante a operação, liderada pela Polícia Federal. Para já, só quatro deles foram efetivamente demitidos de funções – de um universo global de 2.300 agentes de fiscalização alimentar. As quatro empresas a que pertenciam já foram entretanto proibidas de continuar a exportar carne para a União Europeia.

“Esses episódios deixam-nos indignados e contrariados até porque estamos a fazer um trabalho reconhecido e situações como estas prejudicam a nossa imagem. As primeiras denúncias aconteceram há quase sete anos e as investigações, que culminaram nesta operação, há dois. A população brasileira pode ficar tranquila, os produtos brasileiros são de qualidade e é por isso que exportamos para 150 países. Os riscos são muito pequenos, de mais de 4 mil estabelecimentos nós temos 21 sob suspeita”, disse, em conferência de imprensa, Eumar Novacki, secretário-executivo do Ministério da Agricultura.

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Também de acordo com o governo brasileiro, os problemas foram confirmados apenas em “mortadela, salsicha e carne de aves”. Houve suspeitas relativamente a carne de bovino e rações animais mas que não foram confirmadas.

“Da forma como isto foi noticiado, primeiro no Brasil e depois no mundo, parece que a carne bovina foi afetada, chegaram a dizer que tinha papelão dentro, isso é tudo mentira. Aconteceram duas coisas. A primeira: na fábrica da BRF de Mineiros, no estado de Goiás, para embalar enchidos de suínos, foram usadas embalagens de papelão, em vez de feitas em plástico, como é da norma – os media disseram que havia papelão dentro desses embutidos, mas isso não é verdade e já foi esclarecido. A segunda está relacionada com salmonelas com frango: apesar de saberem que havia contaminação, algumas empresas venderam aos fornecedores essa carne. Era uma contaminação corriqueira, é certo, a bactéria está dentro da carcaça do animal, mas não devia ter acontecido por isso o produto foi retirado sem chegar sequer às lojas e os responsáveis foram punidos”, explica Evaldo Titto.

Sobre a utilização de aditivos como ácido ascórbico para melhorar o aspeto e a durabilidade das carnes, revelado pelo delegado Moscardi Grillo, um dos responsáveis pela investigação da Polícia Federal brasileira, o especialista diz que também não há motivo para alarme.

“O ácido ascórbico não é mais do que vitamina C. É um conservante anti-oxidante que não é cancerígeno, como se tem dito, o limão está cheio dele, aliás. É usado em todos os alimentos que tenham uma certa depreciação em prateleira porque assegura o PH e ajuda a conservá-los, faz com que reajam mais lentamente ao efeito do oxigénio.”

Apesar das várias notícias veiculadas em Portugal no seguimento do caso no Brasil (que fez com que China, Chile e Coreia do Sul embargassem a carne importada do Brasil – Seul recuou entretanto na decisão), que chegaram a dar conta da entrada de 524 toneladas de “carne contaminada” no país no último ano, a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) já garantiu que não há risco de consumo.

“Todos os produtos que entraram em Portugal apresentavam características absolutamente normais, portanto não há necessidade alguma de desencadear uma ação para os retirar do mercado. A exposição dos portugueses a qualquer eventual risco que pudesse existir nestes produtos é extremamente baixa”, disse o diretor-geral de Alimentação e Veterinária, Fernando D’Almeida Bernardo.

Para além de as tais 524 toneladas – o equivalente a toda carne importada do Brasil para Portugal em 2016, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística -, corresponderem a uma ínfima parte das importações nacionais de carne (3,7% segundo a DGAV), Portugal nem sequer importará o tipo de produtos sob suspeita na Operação “Carne Fraca”.

“Tanto quanto julgo saber, Portugal não importa carnes processadas do Brasil, mas sim peças de carne, nomeadamente de bovino, umas congeladas, outras refrigeradas e embaladas a vácuo. E são peças de primeira: maminhas, picanhas, etc. O controlo é feito lá, pelos institutos brasileiros, e cá, à chegada, por amostragem, pelas nossas entidades. Isto é uma coisa completamente residual e alarmista”, garante ao Observador Alfredo Pereira, doutorado em Ciências Agrárias e professor do departamento de Zootecnia da Universidade de Évora.

Se a situação é tão residual e tão pouco preocupante por que motivo o caso está a ter tantos ecos e em todo o mundo? Evaldo Titto tem duas teorias: ignorância ou ganância. “Por um lado, há muitas notícias veiculadas de forma ignorante, com informações sem procedência técnica nenhuma. Por outro, talvez os compradores estejam a tentar aproveitar a chance para baixar os preços, são as leis do mercado, é como funciona…”