Se alguém na sala esperava que Salvador Sobral ficasse sossegado no seu canto, não precisou de muito tempo para desfazer o engano. Logo na primeira canção (“Change”), Salvador esperneou, esbracejou, contorceu-se e foi saltitando e rindo enquanto cantava. O público, pelos vistos, gostou. De zero a 10, a primeira ovação teria um sete. Nada mau para começar um concerto intimista no Auditório Municipal do Fórum Cultural do Seixal, onde o cantor mostrou que está longe de ser um cantor “pé de microfone” e que não depende da canção-fenómeno “Amar pelos Dois”, que vai levar à Eurovisão.

Mas de contrastes se encheu o concerto. E por isso houve também momentos mais parados, como quando cantou “Nem eu”. Salvador aproveitava essas músicas mais tranquilas para sair de cena, sentando-se às escuras junto às colunas laterais ou dando uso à cadeira de madeira, estrategicamente colocada entre o piano e o contrabaixo. Era a forma de ceder o protagonismo aos músicos que o acompanhavam, deixando-os a tocar ora em conjunto, ora em solos.

Ao fim da segunda música já os tinha apresentado: Júlio Resende no piano, no contrabaixo André Rosinha e o baterista Bruno Pedroso. Para alguns dos que assistiam ao concerto, a apresentação era desnecessária. Como no caso de João Guerra que, aos 22 anos, toca bateria e estuda jazz no Conservatório em Amesterdão. Antes disso esteve dois anos no Hot Club, de onde conhece Salvador Sobral e onde teve aulas com Bruno Pedroso. Estando lá o ex-professor, não poderia faltar, e com ele levou o pai e a mãe que se confessou “apaixonada” por Sobral. À entrada do auditório, João Guerra admitiu ao Observador que não tinha ouvido ainda o álbum, mas que o “Salvador é um rapaz com cabeça que sabe o que é música e tem criatividade”.

Criatividade é tempero que não lhe falta. Quer seja cantando em português, inglês ou espanhol. E vários foram os momentos de improviso — aquele momento em que se debruçou sobre a cauda do piano com sons inesperados; ou a esperada imitação de um som de trompete.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Salvador Sobral, ou o cantor-trompete humano

Mas não se ficou por aí. Que o digam os fãs que conheciam as canções da autoria do artista. “Ele dá sempre voltas. Por exemplo, a Nem Eu ficou completamente diferente”, viria a comentar, já no final do concerto Rita Medeiros, mais o namorado, João Brás, também músico, que desde o “Ídolos” segue Sobral. “Foi amor à primeira vista. Ele é incrível.”

Como que adivinhando estes pensamentos, o próprio, no palco, deu a explicação: “O jazz é isto. Sempre surpreendente”. E acrescentou: “Eles [enquanto aponta para os músicos] estão-me sempre a surpreender. Espero que vocês também se sintam surpreendidos, no bom sentido”. A frase só assim foi suficiente para despertar, mais uma vez, risos na plateia, mas Salvador fez questão de rematar: “Não no sentido de encontrar a vossa mulher com outro. No sentido de encontrar a mulher com outra”. E continuou.

Sozinhos, em pares ou em grupos maiores. Pessoas com e sem formação musical. Fãs que já o conheciam antes do Festival da Canção, outros que só esperavam “a” música. Amigos, solteiros, namorados, casados. Crianças levadas pelos pais, pais convencidos pelos filhos. Jovens, adultos e outros mais adultos ainda. Quem sabia as letras ia cantando, mas quem não sabia vibrava também: pés a bater no chão, palmas no ar, ao som da música, no joelho ou na perna. Cabeças a balançar, ritmadas.

“Isto é uma sensação de felicidade como eu conheci poucas na vida”

O Auditório do Fórum do Seixal encheu-se, nas comemorações do Dia Internacional do Jazz, para ver e ouvir Salvador Sobral e ao fim da sexta canção a ovação já merecia nota nove. Mas a plateia de 345 pessoas agigantou-se e esmerou-se quando percebeu que chegara a hora da “música do momento”. Afinal de contas, muitos dos que ali estavam sentados só o tinham conhecido a cantar a “Amar pelos Dois”, no Festival da Canção.

O tema com que, daqui a 10 dias, Salvador Sobral estará a representar Portugal na Eurovisão foi cantado em coro. E se dependesse apenas destes votos, estava ganho e com aclamação: “Salvador! Salvador! Salvador!”

“Vocês são uns facciosos”, reagiu, rindo. “Isto é uma sensação de felicidade como eu conheci poucas na vida. Esta sensação das pessoas estarem todas a cantar uma canção do meu sangue é uma sensação… se puderem, experimentem”, aconselhou, perante os risos de quem o ouvia atentamente.

No final do concerto e depois da típica saída de palco, o cantor voltou para mais duas canções. A última delas — A Case of You, de Joni Mitchell — cantou-a e tocou-a ao piano, com um silêncio absoluto como cenário.

No final do espetáculo, que durou mais de hora e meia, tudo rendido. À saída, sorrisos nos rostos. “Se a irmã dele e o Chet Baker tivessem um filho era ele. A cantar em português ele é sobrenatural”, resumiu Ricardo Mestre, 25 anos, que também já estudou jazz. Outros apenas confirmaram o que já sabiam. Para Gonçalo Araújo, 50 anos, Salvador Sobral “só é uma revelação para quem anda distraído”. “O que ele faz não é brincadeira. É muito sério. E é muito bom.”

No final, voltámo-nos a cruzar com João Guerra que gostou do espetáculo e notou “uma grande evolução” no cantor que conheceu há anos no Hot Club. “Vai ter um futuro muito bom.” Ao seu lado, o baterista de Salvador Sobral deixou claro que o artista que vai à Eurovisão é “mais do que um cantor. É músico e daí o espaço que dá aos outros em palco”.