Alberto Martins, histórico deputado socialista, vai deixar a Assembleia da República. O deputado, eleito pelo círculo eleitoral do Porto, dá assim por terminado um percurso parlamentar que vem já desde 1987.

Contactado pelo Observador, Alberto Martins preferiu não fazer qualquer comentário, mas confirmou a informação. O Observador sabe que o anúncio vai ser feito ainda esta quarta-feira por Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República. O socialista deixa o lugar de deputado depois de completar 72 anos, como forma de encerrar um ciclo de dedicação à vida política.

Ex-ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública durante o último governo de António Guterres (1999–2002) e ministro da Justiça do segundo governo de José Sócrates (2009–2011), Alberto Martins foi ainda líder da bancada parlamentar socialista entre 2005 e 2009 e de novo entre 2013 e 2014.

Em teoria, Alberto Martins deveria ser substituído por José Magalhães, outro histórico socialista com raízes no PCP. Segundo apurou o Observador, no entanto, José Magalhães não está disponível para ocupar o lugar no hemiciclo, pelo que a escolha recairá sobre Hugo Carvalho, secretário-geral adjunto da Juventude Socialista.

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“Em nome dos estudantes de Coimbra, peço a palavra”

O socialista é um dos rostos mais recordados da crise académica de 1969, que liderou enquanto presidente da Associação Académica de Coimbra. Na memória coletiva ficou o episódio em que Alberto Martins pediu a palavra para os estudantes, desafiando Américo Thomaz, então Presidente da República.

A 17 de abril de 1969, hoje celebrado como o Dia do Estudante, Américo Thomaz e José Hermano Saraiva, então ministro da Educação, viajaram até Coimbra, para participarem na inauguração do Departamento de Matemática da Universidade. Quando a comitiva chegou à cidade foi recebida por um mar de capas negras e num clima de contestação.

Américo Thomaz entrou no novo edifício e discursou perante um público controlado — os estudantes tinham sido impedidos de entrar na sala onde a reunião estava a acontecer. No final do discurso, Alberto Martins, na qualidade de presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra, subiu para cima de uma cadeira com a capa aos ombros e disse: “Em nome dos estudantes de Coimbra, peço a palavra”. A palavra não lhe foi dada. Foi a gota de água: as vaias que acompanharam a saída da comitiva anunciaram o início da Crise Académica de 1969.

Ainda a 17 de abril, Alberto Martins foi detido e passou a noite na cadeia. A 22 de abril, oito estudantes da Universidade de Coimbra foram suspensos e proibidos de assistir às aulas. A Assembleia Magna decretou luto académico e as aulas foram substituídas por reuniões e debates na sala nova da Universidade. O governo adjetivava as iniciativas dos estudantes como uma “onda de anarquia que tornou impossível o funcionamento das aulas”.

Quando José Hermano Saraiva admitiu alguma fragilidade perante a revolta estudantil, a Universidade fechou mas manteve o calendário de exames. A Associação Académica de Coimbra lançou então um documento intitulado “Carta à Nação” onde pedia “uma universidade nova num Portugal novo” e equacionava uma greve aos exames, mesmo perante a ameaça do Ultramar. Mais de 5000 pessoas votaram a favor do boicote aos exames. Os dias que seguiram foram de grande convulsão política nas ruas de Coimbra. Em julho chegaram os números: quase 87% dos estudantes tinha faltado aos exames. O rastilho estava aceso e estender-se-ia, mais tarde, por todo o país.