A esquerda quer a todo o custo alterações à legislação laboral; o PSD e o CDS querem, a todo o custo, que o Governo não mexa na legislação laboral em nome da estabilidade e da captação de investimento. Uns puxam para um lado, outros para o outro. Catarina Martins até diz que Bruxelas já não serve de desculpa, porque até Bruxelas quer alterações nos contratos a prazo e no combate ao trabalho temporário. António Costa, no meio, faz piruetas: elogia, acena com um conjunto de iniciativas legislativas já previstas no programa de Governo, diz que o caminho é para a frente, mas… não se compromete com a aprovação de nenhuma das medidas do Bloco de Esquerda e do PCP.

[Pode ver aqui o liveblog do Observador no debate desta quinta-feira]

Costa para PCP: “Vamos avançar, e com certeza juntos”

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Em cima da mesa está, por exemplo, uma proposta do PCP sobre o pagamento de horas extra e feriados, ou uma do BE sobre o fim da taxa de sustentabilidade para carreiras contributivas longas, mas António Costa limita-se a piscar o olho aos parceiros dizendo que o “desígnio” do Governo para 2018 é melhorar a qualidade do emprego e do mercado de trabalho. Elogia a “energia” de Catarina — “é sempre muito reconfortante contar com a sua energia para executar o programa de Governo” –, e diz a Jerónimo que vão continuar “juntos” a progredir nesta matéria. “Se me pergunta se vamos andar para trás, se vamos ficar a marcar passo ou se vamos avançar, vamos avançar e com certeza juntos”, disse Costa ao secretário-geral do PCP.

Palavras bonitas chegam? Talvez não, por isso António Costa levou um semi-anúncio na manga: a recuperação de uma medida prevista no programa de Governo, que nunca chegou a avançar, mas que o primeiro-ministro diz que vai sair do papel já “no próximo mês”. Trata-se da penalização na contribuição para a Segurança Social das empresas que façam mais contratos a prazo. Uma medida que, disse, fará parte de “um conjunto de iniciativas para combater a precariedade” que os socialistas estão a preparar para avançar até março.

Numa altura em que o PSD está prestes a mudar oficial e formalmente de liderança, o debate quinzenal desta quinta-feira ficou ainda marcado pelo debate aceso entre Hugo Soares e António Costa, com o líder parlamentar social-democrata a disparar perguntas sobre vários temas, incluindo a legislação laboral e as cativações, e a constatar que António Costa é um “primeiro-ministro impreparado” que “não responde às perguntas da oposição”. Mas se a bancada do PSD se mostrou muito agitada e ruidosa, gritando vários à partes, desta vez a intervenção da líder do CDS foi mais morna do que o habitual. Assunção Cristas atirou a Costa as comissões da CGD, a falta de investimento público e o excesso de cativações, que afeta serviços como a Saúde, levou gráficos para “matar saudades”, mas sem o habitual tom de cenário de guerra.

Entre emprego, salários e leis laborais, todos metem a colher

A primeira grande machadada. Se há matéria em que PSD e CDS não querem que o Governo “ceda” à esquerda é em matéria de legislação laboral. O tema voltou a estar no centro do debate quinzenal desta quinta-feira, com o PSD a abrir hostilidades para acusar o PS de ter dado a “primeira grande machadada” na estabilidade da lei laboral ao ter aprovado ontem a lei que, à boleia do caso PT/MEO, permite a um trabalhador opor-se à transição do seu contrato quando o empregador decidir passá-lo para outra empresa, mesmo que a empresa-mãe deixe de existir. Num tom duro, Hugo Soares notou que o primeiro-ministro não estava por dentro do assunto e encostou-o às cordas, até António Costa admitir que se revia na medida.

O desígnio de Costa: aumentar salários médios e melhorar emprego. Perante o esforço de Hugo Soares de apontar às “incongruências” do primeiro-ministro, nomeadamente citando declarações de Costa em campanha a dizer que o aumento da idade de reforma era absurdo, António Costa quis pôr os pontos nos “is”. Disse que nunca defendeu o aumento da idade de reforma, e que se ele acontece é porque resulta da atual lei, que faz depender a idade da reforma do aumento da esperança média de vida; disse que “não só os baixos salários não têm aumentado, como todos os salários têm aumentado”. Costa puxou dos números: “o salário mínimo aumentou 15% nos últimos três anos, os salários aumentaram 2,6% na contratação coletiva, a valorização dos novos salários foi de quase 6%, o aumento da remuneração média foi de 2,8% (comparando 2015 com 2017)”. E disse que o “desígnio” do Governo para 2018 era precisamente melhorar a qualidade do emprego e aumentar a média dos salários, para aumentar a competitividade. “Não basta subir o salário mínimo, é preciso que suba o salário médio em Portugal”, disse várias vezes durante o debate.

PCP e BE querem (muito) mais e recordam: “Há uma maioria neste Parlamento”. Costa já tinha feito toda a introdução, dizendo que queria melhorar a qualidade do emprego e dos salários, mas como? É isso que Bloco de Esquerda e PCP querem saber. Para isso, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa desafiaram o primeiro-ministro a dizer como é que o PS ia votar as suas propostas, nomeadamente sobre o pagamento de horas extra e feriados e sobre o fim da taxa de sustentabilidade das reformas para quem tem 60 anos de idade ou 40 de carreira, e a essa resposta, António Costa esquivou-se. O PSD até lembrou que o atual Governo trata a concertação social como “uma feira de gado”, mas, em vez de dizer como ia votar as propostas dos parceiros, Costa preferiu anunciar um conjunto de iniciativas sobre a penalização em sede de segurança social das empresas que tenham contratos precários. Mas Catarina lembrou: “Há uma maioria no Parlamento para fazer avanços nesta matéria”. Foi aqui que Costa se muniu de elogios: elogiou a “energia” de Catarina para executar o programa de Governo, e garantiu a Jerónimo que iam seguir o caminho “juntos”.

CGD e Altice. Costa lava daí as suas mãos e não se “intromete”

Verdes querem leis para impedir aumento das comissões bancárias, Costa não se intromete. A notícia sobre o aumento das comissões bancárias das contas à ordem cobradas aos clientes da Caixa Geral de Depósitos, que afeta sobretudo os reformados e os mais jovens, marcou o debate. Começou com Assunção Cristas a questionar o primeiro-ministro sobre se considerava aceitável que os portugueses tivessem de pagar a recapitalização da Caixa e ainda tivessem de pagar cada vez mais comissões, e acabou com Heloísa Apolónia a instar o primeiro-ministro a criar uma lei para impedir essas comissões para a manutenção das contas à ordem. No seu entender, as comissões são “um absoluto escândalo” porque “os depósitos que as pessoas fazem não são um fardo para os bancos, são um contributo para os lucros dos bancos”. Mas Costa não só não respondeu, como disse que não lhe competia a ele decidir sobre as comissões do banco público. “Eu não sou administrador da Caixa Geral de Depósitos, represento apenas o acionista Estado, por isso vamos fazer o que nos compete fazer que é não nos intrometermos no lado de gestão da Caixa Geral de Depósitos”, disse.

Altice não funciona nas áreas ardidas: “Se acha mal, eu também acho”, mas nada a fazer. Outra questão levada a debate pelo PCP foi o mau funcionamento da PT (Altice) nas áreas ardidas do interior do país, mas também essa questão Costa empurrou com a barriga, dizendo que era responsabilidade do regulador. “Que medidas o Governo vai tomar para repor as comunicações? Andamos sempre a encher a boca para falar sobre o combate à desertificação, mas depois na vida concreta nada se faz”, disse Jerónimo. Só que Costa não respondeu ao apelo: “O Governo não pode fazer mais do que procurar sensibilizar, a não ser nas questões em que é parte contratante, como é o caso das comunicações de emergência”. Mais: “Se acha mal, eu também acho mal, mas a quem compete fiscalizar o cumprimento dos contratos de concessão é à entidade reguladora”, insistiu.

Poluição no Tejo. Costa promete mudar licenças, mas não diz quando

Licenças vão ser alteradas. Sobre as descargas de poluentes no Tejo, questão que foi levantada por Catarina Martins, por Heloísa Apolónia e já antes por Assunção Cristas, Costa comprometeu-se a alterar as licenças das descargas de celuloses e outras indústrias no Tejo porque não estão adaptadas ao caudal do Tejo. Ou seja, as empresas cumprem as licenças atuais, mas as licenças é que não estão adaptadas ao caudal do rio. Costa explicou que já começaram as dragagens nas albufeiras para tirar os sedimentos acumulados e que agora é preciso adequar as licenças de descargas aos caudais que temos. “Temos de diminuir os efluentes, mas feitas as análises e identificadas as causas, vamos agir para adequar as licenças. Quando? Não sei, mas estamos a atuar para que alterações possam ser feitas o mais rapidamente possível”, disse. Promessa feita.