O acesso ao Pátio da Galé nunca foi tão desafiante como nesta sexta-feira, 8 de março, data de arranque da 62.ª edição da ModaLisboa. Se somar chuva ao trânsito de Lisboa raramente corre bem, juntar à equação uma atuação de Quim Barreiros em plena Praça do Município, a coincidir com o início de Sangue Novo, resultou num engarrafamento dos acessos de carro. A equipa do Observador abandonou TVDEs pelo caminho e a pé se fez à estrada, escudando-se da intempérie rumo às arcadas do Terreiro do Paço. Mesmo à justa, já perto das 18h, ainda foi possível ver as propostas das novas promessas da moda — mas já lá vamos.

Para o desfile de Dino Alves as bancadas da sala encheram e a passarelle tornou-se um relvado. Qualquer sinal de inspiração no universo do futebol não é pura coincidência. A Betclic é parceira do designer e está a apoiar a marca, como explica, “a todos os níveis”, entre eles o financeiro. Para este desfile sugeriram a presença de alguns nomes de futebolistas, e Dino Alves não só aceitou como fez uma contraproposta e decidiu incluir também jogadoras mulheres, segundo contou ao Observador. Por isso, durante o desfile vimos entrar em campo, perdão, em passerelle, alguns rostos conhecidos que mobilizaram o público, como Ricardo Quaresma, Nuno Gomes, Beto Pimparel e Ukra e também as jogadoras de futebol da seleção feminina Jéssica Silva e Diana Silva. Além de dizer que ganhou novos amigos, também disse que é com ações que o futebol deixa de ser visto como um desporto exclusivamente masculino.

Dino Alves falou-nos da importância de celebrarmos a nossa vitória e não a derrota do adversário. O desfile terminou com uma série de modelos a percorrer a passerelle e o primeiro carregava e abanava uma grande bandeira branca. Uma forma de incluir todos os clubes “porque o que importa aqui é o futebol como desporto na sua globalidade e não este clube ou aquele”, e também um símbolo de paz.

Quanto à coleção coleção, as referências estéticas ao universo do futebol são muitas. Dino Alves confessa que, aparentemente, o futebol até pode não parecer uma fonte de inspiração para criar, mas decidido a fazê-lo acabou por encontrar uma série de ideias que enriqueceram a coleção. Comecemos pelas riscas, um padrão que tanto agrada ao designer e que não faltou neste desfile, houve um padrão com hexágonos (como as bolas), redes (como as balizas), peças que lembravam os coletes de treino. Mas explica que queria que as pessoas vissem um desfile seu e não um desfile de sports wear, por isso também vimos saias de tule e franzidos. “Eu gosto sempre que haja um lado também um bocadinho onírico e fantasioso.”

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Na verdade Dino Alves conta que criou o seu próprio clube fictício, com emblema e tudo, como se de um clube se tratasse. O clube DALVS (as iniciais do designer sem vogais e logo da marca) que até apareceu em algumas peças. E também usou os números icónicos usados pelos jogadores como o 7 e o 10. E vale a pena referir que os convidados também usaram os números com que ficaram famosos: Nuno Gomes com um “21” nas calças e Ricardo Quaresma com o seu “7” no braço do casaco.

A parceria com a Betclic não começou agora, mas ganhou agora outra dimensão e envolveu outras identidades, explicou Dino Alves. “A Betclic tem esta preocupação de estar junto do talento e também de causas sociais, porque esta parceria também tem um carácter social.” Dino Alves conta que foi desafiado a desenhar “uma coleção cápsula de peças que vão ser adaptadas para serem peças de merchandising da Liga Portugal Betclic, para serem vendidas”. Trata-se de peças deste desfile, como por exemplo t-shirts ou meias. E o designer até sugeriu que fossem vendidas entre o comércio que envolve os estádios antes dos jogos. “Porque eu também tenho esta preocupação com ‘the real thing, a coisa real, verdadeira”, e por isso as vendas vão reverter para a fundação do futebol, que tem um carácter social. Destaca o poder influenciador do futebol e dos seus protagonistas e considera que nesse aspeto é semelhante à moda, embora em outra escala.

Luís Carvalho: “Sinto o peso dos 10 anos. Estão sempre a aparecer pessoas novas e tu tens de te reinventar”

Ainda fresquinho das celebrações de 10 anos de carreira — que assinalou oficialmente na última edição da ModaLisboa — Luís Carvalho apresentou Blossom numa panóplia de novas texturas em clássicos de alfaiataria. “Sinto o peso dos 10 anos. Estão sempre a aparecer pessoas novas e tu tens de te reinventar”, refere na sala de imprensa, a adrenalina do desfile ainda no ar. A linha que trouxe ao Pátio da Galé explora a natureza em texturas e camadas, formas orgânicas materializadas na construção das peças, um resultado visivelmente mais tátil do que aquilo a que nos acostumou. Brocados, relevos, aberturas, referências à glória do mundo natural: “Deu-me muito gozo, estou mesmo contente com o que fiz.”

Luís Carvalho encheu o Pátio da Galé de texturas inspiradas nas flores e no mundo natural

O calendário da ModaLisboa foi perdendo volume, alguns designers saíram pelo caminho, mas para Luís Carvalho o evento continua a fazer sentido. “Vim para aqui super entusiasmado. É importante para divulgar o meu trabalho”, garante, e faz referência à sensação gratificante de apresentar, embora gracejando com os jornalistas “Vocês tiram-me a adrenalina. Estou a brincar!” Mas não é fácil fazer isto em Portugal. “Nada é fácil num país tão pequenino, porque as oportunidades são poucas, os clientes são poucos, o poder de compra é pouco.” A coleção de pronto-a-vestir que apresenta no evento representa a maior fatia das suas vendas, com especial peso no canal online.

Voltando à década que celebrou, estará Luís Carvalho a desabrochar para uma nova era? “Espero que sim”, responde. “Consegui criar um nome, uma marca e ser reconhecido. E agora tenho de mantê-lo e continuar a surpreender.” Para isso, a reinvenção é vital, mas sem perder o ADN. Assegura que não estás na crise dos 10 anos, mas ri: “Estou quase a chegar à dos 40.” E explica: “Tenho saudade de ser o novo [criador] que ainda me sinto. As pessoas já me põem a categoria de mais velho, parece que perdes o interesse. Gostam de sangue novo e de coisas novas.” Essa consciência mantém-no acordo. “Sou o meu pior inimigo, nesse sentido.”

Ainda houve tempo para Sangue Novo, uma parceria e uma performance

As vencedoras de Sangue Novo foram Bárbara Atanásio, que saiu do certame com um estágio de três meses na RDD Textiles; e Isza, premiada com um Master em Fashion Brand Management no IED – Istituto Europeo di Design. Ambas receberam ainda o prémio ModaLisboa x Showpress, com direito a assessoria de imprensa e showroom na agência de comunicação. Os restantes finalistas, selecionados na última edição da Lisboa Fashion Week, foram Çal Pfungst, M.Plateau, Maria do Carmo Studio e Mestre Studio.

Bárbara Atanásio foi distinguida com o prémio ModaLsboa x RDD Textiles

A segunda vez que a passerelle se iluminou nesta sexta-feira foi para que desfilasse a coleção da Decenio em colaboração com a  MOLNM. Um dos nomes é bem conhecido, o outro parece complicado de pronunciar, mas vamos explicar de quem se trata e vale a pena tomar nota porque podemos vir a ouvir falar muito dele. A MOLNM foi criada por Matilde Mariano, entre Lisboa e Los Angeles. Conquistou um segundo lugar na primeira edição da IA Fashion Week e a inteligência artificial e a tecnologia são, de facto, dois elementos que integram o processo criativo da marca. Desta parceria com a Decenio resultou a coleção Club 14, na qual vimos clássicos desconstruídos. As camisas transformaram-se em crop tops e as saias com pregas subiram e tornaram-se atrevidas, outras peças destacaram-se pelas proporções exageradas e sobreposições. A paleta resumiu-se a tons de verde e bege, um sopro de frescura que reflete a inspiração nos campos de golf. A coleção resulta de uma combinação de criatividade humana com inteligência artificial, conta com 14 peças de design unissexo, fibras sustentáveis e é totalmente produzida em Portugal.

Este primeiro dia de ModaLisboa acabou fora da sala de desfiles do Pátio da Galé, mais precisamente na Pensão Amor, uns metros mais à frente e com vista para a famosa rua cor de rosa. Foi lá que Ivan Hunga Garcia apresentou uma coleção feita exclusivamente à base de Scoby (cultura simbiótica de bactérias e levedura) usada como uma segunda pele e apresentada numa performance interpretada por sete modelos. O evento continua este sábado com um dia bem preenchido que arranca às 15h00 com o desfile de Carlos Gil.