Com o país em dia de reflexão antes das eleições legislativas deste domingo, arrancava ao início da tarde o segundo dia de ModaLisboa e o mais ambicioso do calendário. Depois de João Magalhães ter cancelado a sua apresentação, marcada para o meio dia no atelier do próprio, passava para as 15h00 o arranque de mais um dia de desfiles no Pátio da Galé. Houve veteranos, jovens promessas, salas cheias e uma muitas caras conhecidas.

Depois de uma coleção pensada para ser prática e protetora, de uma série de imponentes casacos e de modelos com poses afirmativas, Luís Buchinho mandou as modelos dar uma última volta pela passerelle com um cravo vermelho ao peito. Em entrevista, a pergunta impunha-se: Cravos vermelhos em dia de reflexão. Há uma mensagem política? “Claro. Acho que amanhã [domingo] é um dia muito importante. É um dia que nós não podemos menosprezar e não podemos menosprezar a noção de liberdade. A liberdade não foi sempre assim, não é?”, questionou o designer. “Nós temos que ter isso em conta, temos que homenageá-la, cuidá-la e temos que garantir que ela no futuro vai existir sempre.” Luís Buchinho destacou o facto de estarmos no ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril e lembrou que passam 10 anos desde que criou toda uma coleção inspirada na data. Reforçou ainda a importância deste domingo e disse “que há muitos ventos aí a soprar que nos podem colocar em sítios muito perigosos. Eu acho que nós temos que os evitar forçosamente.”

De regresso à coleção, o ponto de partida foi a mulher e o resultado foi uma espécie de guarda-roupa para auto-defesa no dia-a-dia, que o designer quis que fosse o mais eclética possível para responder às necessidades da mulher. Pormenores inspirados num vestuário de street-wear e até militar, como palas nos bolsos, cintos, fitas tipo atilho e as malhas. Umas peças que parecem puzzles de cores e outras com zips que parecem poder transformar-se em algo mais.

Cassacos puzzle entre as peças de um gurda-roupa prático que Luís Buchinho quis criar com a sua coleção

Sem nunca perder de vista a feminilidade presente nas silhuetas e nos tecidos delicados, o designer conta ter procurado inspiração nas décadas da segunda metade do século passado. Luís Buchinho destaca a importância da moda ser usada pelas pessoas e também do lado financeiro desta indústria. Na última edição da ModaLisboa foi notícia que o designer tinha fechado a sua loja física no Porto e que iria apostar nas vendas online. Conta que os últimos meses foram totalmente dedicados à coleção que confessou ter sido “super difícil”, uma vez que é  o próprio designer que assume toda a modelagem das peças. “Sou eu que monto a coleção toda no princípio ao fim, não costuro, que odeio, mas os moldes são todos feitos por mim.” Volvidos alguns meses e apresentada a coleção segue-se o próximo passo. “Agora que tenho este trabalho feito, vou-me dedicar à parte comercial. Isto é muito step by step.”

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Vera Fernandes teve fases em que se sentiu “uma menina muito pequenina”, mas voltou em modo furacão — e vai entrar no calendário de uma semana da moda europeia

“Voltei. Voltei”, assegura na sala de imprensa, com um sorriso rasgado. Depois de uma edição atribulada em março, Vera Fernandes quis fazer barulho para anunciar um regresso às origens com Boucle, uma linha que levou “ao expoente máximo do glamour” modelos icónicos, laços e volumetrias à la Buzina. Foi buscar os tafetãs inconfundíveis a excedentes de stocks de fábricas e a tecidos que já tiveram outra vida. “Estão todos reinventados e reinterpretados.” Sempre o fez, mas desta vez fez questão de apresentar quase exclusivamente edições limitadas. “O que esteve na passerelle é mesmo restrito e pode não haver mais.” Quem quiser encomendar os modelos que viu passar no Pátio da Galé está por sua conta e risco: “Podem não voltar a acontecer”, avisa.

Os últimos meses “foram de grande stress, como já é habitual”, desabafa, visivelmente contente com a materialização de sangue, suor e lágrimas numa coleção. O que se viu na passerelle, cores vivas, tecidos com bordados florais, franzidos e fluidez em capas, vestidos e conjuntos com calças, prático, feminino, foi imaginado como “um momento Lolita”, explica. “A mulher Buzina é determinada, mas também sensível, delicada e, acima de tudo, com uma sensualidade acima da média.” Uma menina mulher, meio inocente, meio poderosa? “Exatamente, porque é assim que me sinto. Se houve fases em que me senti uma menina muito pequenina…” Com os olhos marejados, Vera Fernandes deixou a frase a meio, mas concedeu ao Observador que propusesse um final: há outras em que se sente um furacão.

Já passou pela São Paulo Fashion Week e tem vontade de voltar, mas “não foi possível, por uma série de adversidades”. Sem entrar em detalhe, deixa-nos com uma novidade: “Há outra semana da moda de que vão saber para breve.” Será na Europa e na próxima estação, mas, perante mais questões, leva o indicador à boca e deixa-nos envoltos em mistério. É esperar para ver.

Ricardo Andrez e uma coleção feita 95% com tecidos de deadstock. “Quis pegar em materiais que para algumas pessoas são lixo e manipulá-los, torná-los atuais e interessantes”

Casacos, vestidos, camisas, PVC, tons néon e um padrão com dinossauros estampado num cetim “antiquíssimo”. É mais desafiante criar uma linha a partir de stocks antigos, garante Ricardo Andrez, mas é um desafio que lhe dá gozo. A lã em xadrez foi um dos elementos que quis materializar nesta linha de outono/inverno, mas a limitação do tecido disponível confinou-o a golas e mangas de casacos. “Esta é a coleção com mais deadstock, até hoje”, cerca de 95% das peças renascidas de materiais antigos. O processo até chegar a estes tecidos “é cansativo”, partilha. “Vais a montes de sítios, andas com o carro de um lado para o outro e há dias em que encontras um monte de coisas, mas o processo não é interessante.” O contacto com as fábricas também não é fácil, embora tenha vindo a entrar nos eixos com o passar do tempo. “Já me conhecem e indicam-me outros sítios.”

A gola do casaco na tal lã axadrezada. Não se engane: o tecido é sarja com um termocolado “que dá o ar de vinil”, explica o criador

As capas transparentes foram reaproveitadas de um projeto que fez para o Lidl em fevereiro. “Aquilo era o desperdício da produção, a parte exterior do casaco que fizemos para o Lidl.” A parceria surgiu a convite da cadeia de supermercados. “Adorei a ideia, não estava nada à espera.” O resultado era uma montra em formato de bomber acolchoado, cheio de bolsos, através dos quais os produtos podiam ser vistos quando arrumados. Foi o prémio de um concurso lançado pela cadeia para o Dia dos Namorados. Não estava à venda, mas o criador recebeu pedidos de interessados. “O Lidl, para mim, é atualmente uma coisa pop. Acho o marketing deles muito interessante.” O intuito acabou também por ser o de “chegar a um público a que não chega” normalmente, que não conhece moda de autor.

A maior parte das vendas da marca acontecem através de mensagens diretas no Instagram. “Vou ser sincero. Não presto muita atenção à loja online”, confessa. Planos para entrar no mercado internacional também ainda não se desenham. “É um investimento gigante”, explica. “Precisamos de apoios, isso é fundamental.” Apoios esses que podiam passar, por exemplo, pelo apoio à renda do atelier. A indústria, por vezes, dá a mão, mas isso “não é suficiente”. Ainda assim, o sentimento é positivo: “Estou feliz”, garante, e abre-se numa gargalhada.

A tarde deste segundo dia de ModaLisboa viu ainda passar os desfiles dos finalistas de curso do IED — Istituto Europeo di Design; a parceria Lion of Porches x PAATIFF; e Gonçalo Peixoto ao final do dia, pelas 22h30, com uma linha ultrafeminina, onde não faltaram brilhos e transparências. Como não podia deixar de ser, o Pátio da Galé entrou em efervescência com o criador de 27 anos e o seu clã de influencers, de Anita Costa a Rita Pereira. “Não tenho mais palavras se não agradecer-lhe, sempre que estou com ela, por tudo o que fez por mim”, contou ao Observador em vésperas do evento. Aproveite para ler a entrevista completa aqui. Domingo, dia de eleições, há mais, com o regresso tão antecipado de Béhen.

“Não quero, de maneira nenhuma, rebaixar o homem. O que quero é dar um hino de liberdade às mulheres, para serem o que querem ser”

Coube a Carlos Gil abrir o segundo dia de desfiles no Pátio da Galé e a sala encheu, com vários rostos conhecidos na primeira fila e não só. O texto de apresentação da coleção Dream prometia “animais exóticos” e que “cada peça” seria “um convite para uma jornada mágica”. Quando as luzes e a música deram o tiro de partida, Manuel Luís Goucha entrou em cena e rapidamente se percebeu que a passerelle seria transformada numa espécie de passadeira vermelha, onde a coleção foi desfilada por modelos e também por várias celebridades. Personalidades da televisão e das redes sociais e ainda uma icónica Sofia Aparício puseram o público atento a quem seria o próximo rosto famoso, quase distraindo das propostas para o próximo outono/inverno.

Sofia Aparício no desfile de Carlos Gil, uma das muitas figuras conhecidas na passerelle

No que à roupa diz respeito, Carlos Gil serviu algum do exotismo que prometeu com estampados protagonizados por girafas, flamingos e zebra, também em pelo e em peças sobrepostas com presilhas e pequenas mochilas. Ainda uma série de looks em tons de bege poderiam vestir entusiastas do “glamping”. Numa coleção Carlos Gil não podiam faltar elementos de uma clássica elegância feminina com peças em renda ou lantejoulas e looks ao estilo passadeira. Apesar de a coleção ter sido apresentada como feminina, contou também com vários looks masculinos, apresentados pelos convidados especiais.