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Como foram os anos de Marcelo no Liceu Pedro Nunes

No dia em que fez um ano de Presidência, foi à escola onde passou a adolescência. Eis a história de Marcelo desde o dia que entrou de calções no liceu até que saiu e até namoriscou Ana Zannati.

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Chegou sem aparato, a conduzir o seu próprio carro, e estacionou em frente à porta da escola que frequentou dos 10 aos 17 anos, onde por vezes deixava a sua motorizada Pachancho já como finalista. O melhor aluno do “Liceu Normal Pedro Nunes” de 1959 a 1966 entrou no edifício como Presidente da República, no dia em que comemorou o primeiro ano de mandato. É o terceiro Presidente “produzido” pelo estabelecimento escolar, depois de Américo Thomaz e de Jorge Sampaio.

Marcelo Rebelo de Sousa era esperado por umas centenas de alunos que enchiam o ginásio velho (agora há um novíssimo ginásio depois das obras do tempo de José Sócrates), que no seu tempo esteve quase a cair. E explicou a razão da visita: “Onde é que vou neste dia?”, disse que pensou. Resolveu ir à escola que mais o tinha marcado, “em termos de duração e de mudança de idades”. O ex-aluno queria explicar aos alunos do Pedro Nunes, o que foi o Pedro Nunes para a sua “geração”.

A seguir, desfiou as suas memórias da escola e do Liceu, dos amigos e dos professores, do ambiente do país “fechado” da ditadura, e das circunstâncias dos privilegiados que ali estudavam. Lembrou a sua indecisão sobre se devia ir para Ciências, Matemáticas Puras, ou para Direito. Apelou a que os estudantes seguissem a sua vocação. Deu conselhos. Contou que os jovens hoje estão mais indecisos quanto ao que querem fazer na vida. “Vocês têm de pensar no que vos realiza”, disse. E respondeu a perguntas.

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Marcelo terá tido a ideia de ir conversar com os alunos da sua antiga escola quando estava no Porto, a fazer uma palestra no liceu em que estudou Sá Carneiro. Com um projecto de levar a cabo o mesmo tipo de iniciativa nas escolas onde estudaram os pais fundadores da democracia — Mário Soares, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal — fez questão de não deixar o sua velha escola de fora.

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O texto que se segue é um excerto resumido e adaptado da biografia “Marcelo Rebelo de Sousa” sobre o tempo do liceu, que o Presidente foi evocar ao Pedro Nunes: o estudo, as namoradas, a diversão, a situação política e as viagens. Um retrato de Portugal dos anos 60, os últimos anos do salazarismo.

Foto que ofereceu à mãe no dia em que fez 16 anos e estudava no Liceu Pedro Nunes. Créditos: Biblioteca Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa de Celorico de Basto

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O Liceu Pedro Nunes: Marcelo Nuno numa turma de elite

O Liceu Central de Pedro Nunes, junto ao Jardim da Estrela, é a escola frequentada pelos rapazes das melhores famílias lisboetas. No outono de 1959, Marcelo Rebelo de Sousa entra naquele edifício da Avenida Álvares Cabral e pisa o padrão do átrio em quadrados miúdos, de mármore preto e branco. Uma escadaria de madeira muito gasta, com um corrimão apoiado em barras de ferro forjado, leva-o ao primeiro andar. O seu nome consta do 1º A.

Os 25 rapazes da turma tinham sido escolhidos a dedo, pelo sobrenome e pelas notas. Uma parte tinha as melhores notas nos exames de admissão ao liceu em Lisboa. Elite dentro da elite, formam uma turma experimental, num estabelecimento de ensino chamado «Normal»: significa que é uma das três escolas do país que forma professores. O 1º A é única turma do primeiro ano a ter aulas no edifício principal do Liceu Pedro Nunes. Os restantes alunos do primeiro e do segundo ano têm aulas noutro edifiício, ali perto, na Rua Anastácio Rosa, noutro estabelecimento conhecido na gíria como o «Texas», uma balbúrdia, comparado com a disciplina da escola principal. No edifício-sede, ensinam pedagogos como Rómulo de Carvalho (nome do poeta António Gedeão) em Físico-Química, Jaime Leote, que os introduz à Matemática Moderna, ou Maria Luísa Guerra, que tem uma vasta obra publicada em Filosofia. Quando um professor falta, nunca há «furos»: um estagiário dá a aula.

Embora o ensino em Portugal seja tradicionalista, o 1º A torna-se uma cobaia de novos métodos. Os alunos têm entre 10 e 11 anos. Tal como os colegas, Marcelo veste todos os dias um blazer com uma gravata, mas continua a usar os calções de criança com meias esticadas até aos joelhos. O rito de passagem da infância para a adolescência acontecerá pelos 12 ou 13 anos, quando lhes for conferido o direito a usar calças, como os homens.

Os 25 rapazes da turma tinham sido escolhidos a dedo, pelo sobrenome e pelas notas. Uma parte tinha as melhores notas nos exames de admissão ao liceu em Lisboa. Elite dentro da elite, formam uma turma experimental, num estabelecimento de ensino chamado «Normal»: significa que é uma das três escolas do país que forma professores

Estamos no início da década de 60 e, no Pedro Nunes, já se ensina Francês através da audição de discos de poesia ou com peças de teatro. Os audiovisuais entram nas aulas com a projeção de diapositivos, suportes de áudio e filmes, um luxo em relação à maioria das escolas portuguesas. Um sumário no caderno diário de Marcelo, no dia 19 de dezembro de 1960, resume: «Audition d’un disque. Des diapositifs sur la maison em France et le repas.». Anos mais tarde, estudarão Psicologia, analisando as sensações que provocam quadros impressionistas franceses projetados em diapositivos. As visitas de estudo são frequentes: o professor de Geografia, Evaristo Vieira, por exemplo, leva-os a Monsanto estudar pedras ou à zona oriental de Lisboa ver as fábricas.

No seu novo mundo escolar, onde alvíssimas mesas individuais, a estrear, põem um ponto final nas tradicionais carteiras para dois, o pequeno Marcelo – ainda baixote e anafado –, percebe que ser filho de um governante não é o mesmo que ser bem-nascido. Aquela turma também é especial por uma boa parte dos meninos serem filhos de quem são. Tem colegas de famílias ricas. No Natal daquele primeiro ano, a turma reúne mais dinheiro num peditório de Natal do que os finalistas do 7º ano. Carlos Coelho Alves, por exemplo, é neto de um antigo presidente da Associação Industrial Portuguesa e sócio de Champalimaud; o avô de José Pedro Mesquita e Carmo é dono do cine-teatro Monumental; Carlos Pires, é neto de um antigo bastonário da Ordem dos Advogados, que herdara uma fortuna imensa; Manuel Alfredo de Mello é filho de Jorge de Mello, presidente do grupo CUF, que virá a ser patrão de Baltazar Rebelo de Sousa; ou Francisco Nobre Guedes, irmão de Luís Nobre Guedes, ambos netos do fundador da Mocidade Portuguesa.

No futuro, outros colegas da mesma turma, alunos promissores, ocuparão posições destacadas: António Taurino Mega Ferreira, filho de um republicano comerciante da Baixa, será socialista, escritor, jornalista, comissário da Expo’98 e presidente do Centro Cultural de Belém; Daniel de Matos, filho e neto de médicos, tornar-se-á médico da presidência da República, de Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva; Luís Penha e Costa começará por ser jornalista do Expresso, depois chefe de gabinete do primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão e mais tarde gestor ligado aos meios de comunicação social. No terceiro ano do liceu, João Seabra, futuro padre, junta-se à turma. Aliás, só é admitido depois de uma cunha do próprio sub-secretário de Estado da Educação, Baltazar Rebelo de Sousa, a quem recorreu o pai Seabra, também médico, que tinha sido colega do pai de Marcelo nas Caixas de Previdência. A partir do 6º ano, João Amaral, jornalista, fundador de O Independente que será diretor do jornal Semanário e depois do grupo editorial Leya, acompanhará Marcelo como colega, assim como a atriz Ana Zanatti ou a catedrática Maria Luísa Leal de Faria, vice-reitora da Universidade Católica.

Baltazar Rebelo de Sousa tinha posição, mas olhando em volta para os aristocratas e capitalistas, Marcelo percebe que está a meio caminho na sociedade portuguesa. Ele é muito bom e não percebe por que é que aqueles que são muito piores são porventura considerados mais importantes. Estas subtilezas da vida social que escapam a um ser extremamente racional contribuem para o ir tornando desconfiado

Baltazar Rebelo de Sousa tinha posição, mas olhando em volta para os aristocratas e capitalistas, Marcelo percebe que está a meio caminho na sociedade portuguesa. Ele é muito bom e não percebe por que é que aqueles que são muito piores são porventura considerados mais importantes. Estas subtilezas da vida social que escapam a um ser extremamente racional contribuem para o ir tornando desconfiado. Faz-lhe confusão, com todas as suas capacidades, não fazer parte da casta social superior.

A turma do 1º A soma privilégios. Os rapazes podem jogar à bola no recreio, na ala direita do enorme campo de jogos, o que não é permitido aos restantes alunos. Saem das aulas a correr, para não desperdiçarem um segundo de futebol, equipados com as suas gravatinhas infantis. Marcelo não encaixa no lugar-comum do marrão taciturno que tem as melhores notas da turma e esfalfa-se para jogar à bola, embora os seus talentos se manifestem com mais êxito noutros domínios. Era atinado e não entrava nas brincadeiras mais físicas. Em 1960, a euforia da rapaziada são as primeiras miniaturas de automóveis de ferro à escala de 1/45, os Dinkie Toys. As corridas com os carrinhos ocupam o rebordo do lancil que limita o pátio interior do liceu. Carlos Pires concentra as atenções dos amigos, por ser proprietário de uma invejável coleção completa de Dinkie Toys e terá depois exemplares da série seguinte. Manuel Alfredo de Mello tem muitos. O resto dos rapazes terá apenas alguns.

Nas aulas, Marcelo faz-se notar. Evidencia uma ansiedade incontrolável para mostrar o que sabe. Se o professor faz uma pergunta, ele levanta o dedo e responde. Daniel de Matos, que tivera uma instrução primária doméstica e nunca antes tinha frequentado um estabelecimento de ensino, promove-se a rival. Competem os dois pelas respostas. Nas provas, rivalizam pelas melhores notas. Marcelo leva a melhor. Daniel de Matos contenta-se com o segundo lugar, quando percebe que não há muito a fazer quanto à vantagem do colega. Um dia, hão de sofrer ambos com um infame Sofrível num teste de Matemática, com o professor Jaime Leote, no 4º ano. Protestam porque o teste tinha sido de surpresa e a estrutura era diferente da habitual. Em vão. No teste seguinte, voltam às notas brilhantes.

No primeiro ano, os resultados de Marcelo oscilam entre os 16 e os 18 valores, com preferências para a Matemática e o Francês – embora fosse um desastre a desenho, sobretudo a desenho geométrico.

No segundo ano, estabiliza. A nota de referência passa a ser o 19. Quando se refere a um exame ou prova que não correu bem, está a falar de um 18. Se corre mal, estamos perante 16 ou 17. Os alunos mais novos chegam a fazer um jogo junto das pautas: olhando para as notas afixadas, tentam adivinhar o nome do estudante às quais correspondia. Nos vintes, diziam: «Marcelo!»

«Era muito interventivo, um bocadinho pushy, ou seja, era muito evidente que ele se queria mostrar», descreve António Mega Ferreira. Um grande aluno nunca é muito amado por todos os outros colegas, tem a mania que é bom, e é mesmo melhor do que os restantes, porque ele cultiva com afinco a carreira académica.

O pior ano de Marcelo acaba por ser o 4º, com a mudança de idade e as transformações dos 15 anos: ficou entre o 17 e o 18. Há quem diga que o viu chorar uma vez por não ter tido um 19. Ele nega: «Não, nunca chorei.» Admite, porém, o deslize naquela prova de Matemática. «Sim, uma vez tive muitíssimo má nota. E aí não sei se chorei, mas bem podia ter chorado.» Não tinha estudado nada.

Como seria de esperar, o filho do responsável pela Educação no Governo de Salazar é olhado com desconfiança. Ao princípio, as belíssimas notas com que os professores brindam o filho do subsecretário de Estado são vistas como água benta ao menino. Comenta-se pelos corredores que Marcelo é beneficiado por o pai ser o político do regime com poder sobre as escolas, mas depressa se percebe a injustiça das observações: traz uma cultura invulgar para a idade, aprende de ouvido e sem esforço, estuda muito e com método, tem o acompanhamento da mãe em casa e é competitivo.

Mas não se fala de política. «Estávamos treinados para não deixar transparecer o que pensávamos», diz Daniel de Matos. Imbuídos dessa atitude coletiva que atravessa a sociedade portuguesa, os rapazes não tecem considerações políticas sobre Baltazar Rebelo de Sousa, embora isso torne ainda mais presente esse facto: ser filho de um membro do governo numa ditadura impressiona. «O governo era uma coisa muito lá em cima, muito afastada. Salazar e os governantes eram umas entidades míticas que pairavam acima da vida corrente», contextualiza Mega Ferreira. «Embora o pai Baltazar fosse uma pessoa extraordinária de simpatia e simplicidade, era membro do governo de Salazar.» Quando os amigos olhavam para Marcelo, não podiam deixar de sentir que Baltazar era um governante da ditadura, embora o filho nunca puxasse dos galões junto dos colegas.

O fim do pai ministro

O ano de 1961 começa mal para o regime. Em janeiro, Henrique Galvão sequestra o paquete Santa Maria, atraindo o interesse da imprensa mundial onde denuncia o salazarismo; em Angola, o MPLA ataca a cadeia de São Paulo, de Luanda. Em março, os massacres de colonos levados a cabo pela UPA no Norte angolano chocam os portugueses. Com a perspetiva da guerra colonial a preocupar algumas elites, em abril fracassa a tentativa de um golpe militar contra Salazar, conduzido pelo general Botelho Moniz, ministro da Defesa – que tinha como objetivo evitar o conflito armado em África e encontrar uma solução para o Ultramar. Perante uma grave crise política e a guerra iminente, no mesmo dia em que o golpe de Estado falha, a 13 de abril de 1961, o presidente do Conselho assume a pasta da Defesa Nacional e faz o discurso «para Angola, rapidamente, e em força!». As entranhas do regime agitam-se.

Desde que se tornara no único apoiante de Caetano a ficar no governo, Baltazar vai sentindo que perde força política. Aliás, Caetano era a solução dos golpistas de Botelho Moniz para chefiar o Governo no caso de terem sucesso. No dia 4 de maio de 1961, Baltazar Rebelo de Sousa recebe uma carta manuscrita por Salazar a dizer que o exonera de subscretário de Estado, «visto que o Eng. Leite Pinto insistiu para sair nesta remodelação ministerial». A demissão não o surpreende: sabe que Leite Pinto já pede há dois anos para deixar o governo e são raros os casos de subsecretários que passam a ministros da mesma pasta. Sai com pena. Apesar de ter apenas 40 anos, sente-se um histórico do regime e agora a guerra exige o empenho daqueles que sempre tinham defendido o Estado Novo. «Admira Salazar, apesar de tudo o mais, porque pôde contactar ao vivo com um ídolo de infância e juventude e confirmar que era um estadista excecional nas grandes coisas e até nas pequenas de mais. Mesmo quando já está claramente para além do tempo aconselhável ou aceitável para uma boa governação e o autoritarismo se tornou redobradamente incomportável», descreve Marcelo na Fotobiografia do pai. Nesta remodelação ministerial, 15 dias depois do golpe Botelho Moniz, o jovem Adriano Moreira é nomeado ministro do Ultramar.

Quando sabe da demissão, Baltazar chama os três filhos ao escritório e explica:

– Neste momento deixei de estar no Governo, portanto amanhã o motorista já não vos levará à escola…

Ao cair da zona inacessível do poder em ditadura, o ex-governante perde a aura. Acaba-se a bajulação. Os privilégios somem-se. Não há mais jogos de futebol à borla para as crianças. As viaturas do Estado revertem para o Ministério. É preciso comprar um carro novo. O telefone branco do Governo volta à precedência. O polícia deixa a soleira da porta. No dia seguinte à demissão, a vida de Baltazar Rebelo de Sousa revoluciona-se no sentido inverso. «A saída do meu pai impressionou-me muito e isso depois iria influenciar a minha visão da política», diz Marcelo Rebelo de Sousa. Esta experiência leva-o a sedimentar a ideia de que não pode estar na política sem manter o conforto de um lugar profissional para onde possa recuar. «Não se trata apenas de uma mudança de status familiar, mas sendo uma ditadura – embora depois em democracia, viesse a encontrar o mesmo – no dia seguinte 90% das pessoas que iam lá a casa desapareceram», diz Marcelo.

Já ninguém tem obrigação de agradar. «Passou a ser totalmente ostracizado», conta Pedro Rebelo de Sousa. De um dia para o outro, o telefone deixou de tocar, e desapareceram as flores, os presentes, um peru de Natal…»

Ao fim de seis anos sem exercer medicina, Baltazar apresenta-se no antigo posto de trabalho, os Serviços Médico-Sociais da Federação das Caixas de Previdência, como inspetor-chefe. Dão-lhe um mau gabinete. Retardam-lhe o pagamento do ordenado. Mostram-lhe que já não é importante. Passa a receber oito contos ilíquidos por mês, metade de quando estava no Governo. O pai não fala abertamente destes problemas aos filhos, é por Maria das Neves que vão sabendo.

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Exemplos de páginas e cadernos de Marcelo Rebelo de Sousa do tempo do Liceu. Todo este espólio está depositado na Biblioteca Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa e pode ser consultado

O casal começa a pensar que vai ter problemas financeiros. Maria das Neves pondera um regresso ao trabalho no Instituto Aurélio Faria e chega a falar com o diretor. Fazem contas para comprar um carro novo e para ver se dá para manter a casa do Monte Estoril – onde, em 1961, tinham passado a viver por causa da asma de António. Estas fragilidades tornam os ex-governantes presas fáceis da dependência política. António de Oliveira Salazar sabe que ajudantes recentemente demitidos, como Baltazar, vivem em estado de necessidade e usa isso para os manter na sua órbita. A 5 de julho de 1961, Salazar escreve a Rebelo de Sousa:

“Já devia ter-lhe escrito há bastantes dias, mas não foi possível. O que tencionava dizer-lhe era que visse se posso ser útil nalguma coisa para reconstituir a sua vida, depois de uns poucos anos passados na Educação. Não sei o que pensa fazer, mas se eu puder ajudá-lo nalgum sentido, teria prazer em fazê-lo.

Agora outro assunto. Encarreguei o Veiga de Macedo de organizar uma nova comissão da UN, visto a anterior ter findado o respetivo mandato. O V. de M. foi para o Porto tratar da eventual representação do Norte na Comissão, mas sei que deseja pressioná-lo para lhe pedir ajuda na ingrata tarefa. Penso que lhe poderia dar uma colaboração preciosa e que não terá motivo para rejeitar um convite naquele sentido. Pode contar-se com a sua ajuda?”

O presidente do Conselho conhece a natureza humana. É ardiloso. Não o nomeia para um cargo. Sugere que ele peça. Baltazar chega a ter pronto o rascunho de uma carta para o presidente do Conselho a pedir a direção do Instituto Ricardo Jorge, mas nunca a envia. E recusa o convite para a União Nacional. Consequência: Salazar retira-o das listas para deputado à Assembleia Nacional.

Marcelo, que toda a vida aplicará parâmetros de classificação a toda a gente, considera na Fotobiografia do pai que não ficam ricos, mas tornam-se membros de pleno direito da «classe média alta»

As contrariedades não duram muito. A maré muda para os Rebelo de Sousa em outubro de 1961. O vizinho João Aragão Teixeira convida Baltazar para a Copam – Companhia Nacional de Amidos. E Jorge de Melo, acionista e gestor do Grupo CUF, colega de Baltazar na Associação de Pais do Liceu Pedro Nunes, tenta seduzi-lo para administrador da Companhia de Seguros Império. Mesmo sem experiência de gestão nem no setor, Baltazar aceita o cargo na seguradora. Mas, entre 1963 e 1967, também será administrador da Copam.

Finalmente, começa a ganhar dinheiro, pode poupar e até investir. Compra um BMW preto, grande e antigo, que consome imenso, mas que os leva agora em detalhadas excursões pelo país aos fins de semana. Dali a uns anos contrata motorista. Com o conforto financeiro, aluga o segundo andar da Rua de São Bernardo e liga-o ao primeiro. A casa cresce, os rapazes passam a ter quartos separados no andar de cima, e os móveis herdados do monsenhor Fernandes Duarte – tio-padre de Maria das Neves –, acrescentam uma certa classe ao lar. Marcelo, que toda a vida aplicará parâmetros de classificação a toda a gente, considera na Fotobiografia do pai que não ficam ricos, mas tornam-se membros de pleno direito da «classe média alta».

Marcelo Nuno no meio da conspiração marcelista

Baltazar sente falta da política, mas não se afasta do grupo dos marcelistas. A partir de 1958, os delfins de Marcello Caetano encontram-se todos os sábados, em tertúlias que começam pelas três da tarde e duram até às sete ou oito da noite. No total, são uns 25 notáveis que, desde asaída de Marcello do Governo, procuram dar-lhe apoio. Baltazar tinha sido o principal impulsionador das reuniões, que começaram na casa de férias de Caetano no Linhó, perto de Sintra, onde ele gostava de se retirar a tratar do jardim. Passaram pela pastelaria Garrett, no Estoril, mas acabam por se fixar no restaurante A Choupana, mesmo ao lado do Forte de São João do Estoril, residência estival de Salazar.

Enquanto é subsecretário de Estado, Baltazar frequenta o grupo da Choupana discretamente. Agora assume-se como membro de corpo inteiro no clube. Marcelo Nuno vai quase sempre com o pai. A partir dos 10 ou 12 anos, assiste às discussões da ala moderada do regime. O privilégio do adolescente é de uma exclusividade rara. Apesar disso, não comenta as conversas com os colegas do liceu. Mas não contraria a ideia feita de que é afilhado de Marcello Caetano, constata o padre João Seabra: «Sempre deixou acreditar que era afilhado do Marcello embora nunca dissesse que ele era seu padrinho. Se havia gente que o achava afilhado de Caetano, ele deixava achar.» O equívoco acompanha-o toda a vida.

Na Fotobiografia de Baltazar, Marcelo recorda o ambiente na Choupana: «É uma amizade respeitosa para com o paternal senador, que os conheceu a quase todos de calções, lhes abriu caminhos políticos e tem agora o direito de lhes dizer o que deles e das suas circunstâncias pensa.» Define a atitude de Caetano como um homem de «inteligência analítica aguda, fiel sempre às suas amizades, mas com poucos momentos de charme pessoal»

Marcelo Nuno vai quase sempre com o pai. A partir dos 10 ou 12 anos, assiste às discussões da ala moderada do regime. O privilégio do adolescente é de uma exclusividade rara. Apesar disso, não comenta as conversas com os colegas do liceu

Os participantes sentam-se em volta de uma mesa, perto de um recanto arredondado, à direita da orquestra. Tomam chá, café ou refrescos. Raramente um pede uísque e poucos fumam. Marcello Caetano era muito incomodado pelo fumo do tabaco, e só puxam do cigarro os viciados que pedem licença e que o líder acaba por autorizar. Baltazar, mesmo depois do enfarte, continua a fumar in- tensamente. Marcelo Nuno, que não tem lugar entre os homens, senta-se um pouco atrás, numa segunda fila. Mas quer ouvir. Aquilo entusiasma-o. Entranha-se-lhe no sangue.

Ouvir horas de discussão entre seniores do regime podia ter injetado em Marcelo o talento para a intriga por detrás do pano, mas estes homens ainda admiram Salazar e não têm para já objetivo intrigar para conquistar o poder. «As pessoas que lá iam falavam muito dos problemas do país, nunca houve aquela ideia de se estar ali a preparar um Governo. Era uma forma de Caetano se informar e de se manter informado», diz Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de Caetano discutir assuntos como a sua oposição à recandidatura de Américo Tomás a presidente da República. «Eram cuidadosos, muito cuidadosos. Falavam dos problemas, do que ia acontecendo, de decisões que iam sendo tomadas, era uma rede de informação muito boa.»

O mentor «ouvia, não falava muito», conta Marcelo, «mas dava uma opinião final sobre o que tinha ouvido ao longo de cada sessão. Era muito pedagógico e formal, cumprimentado como um chefe e acho que queria muito notoriamente preservar-se e distanciar-se». Uma boa parte das memórias que havia de publicar sobre Salazar seriam contadas ali à mesa.

Marcelo Nuno recorda-se de um desses sábados, em que também se tinha reunido a Comissão Central da União Nacional para indigitar Américo Tomás para uma segunda candidatura a presidente, e de Caetano ter dito que apostava ali, perante eles, que as notícias dos jornais iam dizer, no dia seguinte, que ele tinha estado presente na reunião a que faltara. E assim foi.

No fim destas reuniões, de regresso a casa, Baltazar conversa sobre os temas discutidos na tertúlia com o filho. Falam da guerra, da situação militar, da evolução do salazarismo, das perspetivas económicas do país. Os comentários do pai são instrutivos. O rapaz pergunta por que é que este não gosta daquele, por que razão uns são republicanos e outros monárquicos, quem são as figuras emergentes como Franco Nogueira, Kaúlza de Arriaga ou Adriano Moreira. O pai empenha-se em instruí-lo nos meandros do regime.

As redações de exaltacão nacionalista

O ambiente em que o jovem vive é um mundo seguro, que não questiona. Na escola, as redações mostram que a cabeça de Marcelo é um produto do regime. Numa prova do 3º ano, em março de 1962, quando ainda nem completara 14 anos, insurge-se contra o Carnaval escrevendo que «devido à base pagã desta festa, é inadmissível a qualquer cristão a sua participação nela». Para ele, profundamente católico e imbuído de um cristianismo muito conservador, a pensar se tem vocação para padre considera o Carnaval uma «comemoração, sem dúvida alegre, mas repugnante, avassaladora, mas bárbara», sobretudo porque tem lugar exatamente antes da santa Quaresma. Considera-o um «centro de corrupção moral». Portanto, festejar o Carnaval quando o país devia estar de luto – por causa da guerra em África – é uma vergonha:

“Para além das razões de sempre, há a notar, neste ano de tristeza e de luto para todo o bom português o pouco bom senso e a falta de amor pátrio daqueles que, direta ou indiretamente, por sua vontade ou por vontade de outrem, se divertiram neste Carnaval de 1962. Mais do que uma vilania, foi uma afronta, uma verdadeira declaração de traição, a atitude daqueles que assim se isentam dos seus deveres para com o País.”

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A composição sobre o Carnaval, que Marcelo Nuno escreveu num teste do 3º ano, em 1962. Créditos: Biblioteca Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa de Celorico de Basto

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Os factos políticos mais marcantes também lhe entram pela casa, mesmo depois de Baltazar deixar o Governo. O golpe do paquete Santa Maria por Henrique Galvão é narrado a partir da experiência pessoal de Jorge Jardim, sentado na sala de jantar dos Rebelo de Sousa. Velho amigo de Baltazar desde os escuteiros, contou-lhe a história como entrou no paquete durante o sequestro, disfarçado de repórter, para depois enviar as informações ao Governo de Lisboa.

Baltazar continua os contactos políticos e, nestas andanças, Marcelo volta a cruzar-se com aquele que tão cedo o marcara. Em 1962 ou 1963, volta a encontrar o ex-presidente da República, Craveiro Lopes, quando Baltazar o visita em casa, perto do Instituto Superior Técnico. Nessa fase, Craveiro Lopes estava a uma distância política considerável de Salazar: estivera envolvido no golpe Botelho Moniz e chegara a apresentar-se a uma reunião do putch falhado, com a sua farda dentro de uma mala, para tomar o lugar de Américo Tho- maz como presidente da República – e fazer uma comunicação ao país demitindo Salazar e provavelmente oferecendo o Governo a Marcello Caetano. Os homens trocam impressões e Marcelo ouve-os, calado. Craveiro fala de Salazar com ceticismo, tece críticas ao curso do regime e comenta, com pessimismo militar, as hipóteses de sucesso de uma guerra em África que se prevê com várias frentes além da de Angola.

A guerra está presente no quotidiano dos portugueses e no de Marcelo também. Quando o professor lhe pede para escrever sobre uma «Despedida», ele faz uma composição, no 4º ano, em 1963, sobre o adeus de um primo afastado chamado Luís Fino, no Cais Marítimo de Alcântara. Ia para Angola.

“A despedida que mais me marcou o coração foi a partida do meu primo para Angola. A Pátria chamava-o, e, a [impercetível] cortava cerce as ambições que o lugar de 2º assistente da Faculdade de Medicina com 25 anos, lhe podia seguir. Mas, posto que era um assunto que tocava no melindroso problema da subsistência nacional, a sua partida era já uma realidade envolta em amargo manto de tristeza.

(…) Também eu gritei, sofri, chorei ao ver aqueles momentos de dor, mas de honra. O navio parte, o ruído estridente da sirene atroa os ares como grito de estímulo e confiança. Mas numa onda de orgulho, os acordes do Hino Nacional palpitavam em frenesim louco e inesperado. (…) Aqui uma noiva chora, ali uma mãe sem sustento lamenta-se, acolá uma irmã enxuga os seus virginais olhos com um lenço de linho. Mas em mim, toda a tristeza cessou, a alegria renasce com fervor. E, os versos de Fernando Pessoa absorvem-me, entusiasmam-me. «Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.» Pobres das nações que não têm filhos que lutem e morram por elas e para elas!…

Nesse mesmo ano, noutro teste de Português em que os alunos analisam um texto de Alexandre Herculano, o tema da composição é «Pátria e Glória». A esse propósito, Marcelo cria a história de uma coluna militar onde se desloca o mesmo primo, com destino a Nambuangongo, Angola.

“Quando aqueles rapazes joviais e alegres se dispunham a este triunfo glorioso, quando a todos animava um mesmo lema de confiança e fé, nada os poderia parar, nem mesmo o destino que muita coisa imobiliza com os seus célebres ventos de história que nós, agora, portugueses temos tido a oportunidade de sofrer!

“Pois sim, aquele punhado de rapazes a tudo parecia disposto e, no entanto, eram de raças diferentes, credos diversos (…) tinham opostos pontos de vista, mas ali algo de superior se julgava – a resistência da multissecular Pátria Portuguesa numa arremetida que ficaria redigida nos honrosos anais da glória.”

Apesar do fervor nacionalista do filho, Baltazar torna-se mais crítico. Embora a guerra tenha desatualizado a posição de Marcello Caetano, poucos anos antes, este defendera um parecer preconizando a transformação do Estado unitário num Estado federal, em que as colónias seriam os Estados federados. Baltazar Rebelo de Sousa acha que o pessoal político é cada vez pior, que o Estado Novo está a perder a base de apoio, que a União Nacional não funciona e a sua Mocidade Portuguesa está a morrer, enquanto a Legião mal existe, e África está a tornar-se num problema. Em 1965, com a vida confortável na Seguradora Império, recusa mais um convite de Salazar para ser presidente da União Nacional. Maria das Neves contribui para ele se manter afastado da política ativa e Salazar saberá da influência da mulher.

O colega de liceu Daniel de Matos recorda: «Aos 11 anos, lembro-me de nos perguntarem o que os meninos queriam ser, e eu queria ser médico. O Marcelo respondia que queria ser primeiro-ministro.»

«Foi uma escola ver as alegrias e mágoas do meu pai, as gratidões e as ingratidões» – reconhece Marcelo Rebelo de Sousa. «Foi uma escola o que ganhei nas viagens com ele, assim como o retrato do regime que ia fazendo, porque os comportamentos políticos não são muito diferentes em ditadura e em democracia. As amizades, as inimizades, as traições, a atração do poder, o afastamento, a necessidade de um lugar de recuo… Aprendi que as pessoas têm um peso próprio que não depende do peso político que é conjeturado. Tudo isso, que é importante em ditadura, torna-se mais importante ainda em democracia, porque o poder é mais efémero».

Com tanto banho de política, seria natural que o rapaz quisesse seguir o caminho. O colega de liceu Daniel de Matos recorda: «Aos 11 anos, lembro-me de nos perguntarem o que os meninos queriam ser, e eu queria ser médico. O Marcelo respondia que queria ser primeiro-ministro.» Era a primeira vez que ouvia aquilo. «Tenho memória dessa cena, porque a palavra soou-me estranha. Eu sabia o que era um presidente do Conselho de Ministros, mas não fazia a mínima ideia do que era um primeiro-ministro e o Marcelo, obviamente, sabia.» Carlos Alves também diz que se recorda perfeitamente de ouvir Marcelo dizer que um dia gostava de ser presidente do Conselho. João Seabra recorda-se, com clareza, de uma resposta na aula de Organização Política e Administrativa da Nação: «Quando o professor pergunta o que Marcelo quer ser, ele responde: «Quero ser professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa. Claro que a seguir gozámo-lo devidamente…», diz o padre. Trata-se da categoria académica de Marcello Caetano. Manifesta-se já a influência de outros amigos do pai, como Paulo Cunha ou Inocêncio Galvão Telles, que lhe oferecem livros com dedicatórias «ao estudante e porventura futuro mestre de Direito…». Todos eles serão um dia seus professores na faculdade.

Na Mocidade Portuguesa com entusiasmo perdido

Para Baltazar Rebelo de Sousa, a Mocidade Portuguesa tinha sido uma segunda família. Seria natural que gostasse de ver os filhos entusiasmados com as mesmas experiências. Nas suas deslocações oficiais, chega a levar Marcelo fardado, embora contra a vontade de Maria das Neves. O irmão António não participa nestas atividades por causa da asma. O mais novo, Pedro, faz apenas o percurso obrigatório. O rapaz ainda evolui até chefe de Quina, acabando a sua carreira na Mocidade arvorado em comandante de Castelo. Tem a patente, mas não o respetivo curso. Participa em acampamentos, mas não aprecia a experiência.

No primeiro ano letivo do liceu, de camisa castanha, calção e bivaque, aprecia a componente desportiva, o andebol, o vólei, o basquetebol. Acha graça a um acantonamento que realizam em São Julião da Barra, no Estoril, que corre bem pois os rapazes têm a sorte de haver bom tempo. Mas acaba por odiar outra atividade que tem lugar em Sesimbra: frio, chuva torrencial, tendas arrastadas para as ameias do castelo. Pelo contrário, em 1960 tinha participado numa grande atividade internacional, integrada nas comemorações dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique e essa fora uma experiência memorável.

O rapaz ainda evolui até chefe de Quina, acabando a sua carreira na Mocidade arvorado em comandante de Castelo. Tem a patente, mas não o respetivo curso. Participa em acampamentos, mas não aprecia a experiência

No 4o ano do liceu, ainda recordava esse acampamento com alegria, num teste de Português. Dessa vez, a composição pedia aos alunos para narrarem a «concretização de um desejo pessoal»:

“Foram escassas as alegrias que, numa curta vida de 14 anos, se caracterizaram pela concretização de um desejo pessoal. Mas, talvez de todas elas, deva eu destacar a ida ao Acampamento do Infante D. Henrique, no verão de 60.

(…) Ainda me lembro do dia em que o meu desejo se concretizou… O acampamento ainda se estava a acabar de montar… Uma alegria infinda roçou pelo meu coração, corri e saltei pelos vales do Jamor, ri, cantei e discuti, inundado de felicidade sem par, com os meus camaradas estrangeiros, com os meus companheiros de quina. Mascote do acampamento, era o mais novo, e talvez por isso, o que mais sentia aquela estreita união com rapazes mais velhos de todos os continentes que se uniam num amplexo fraterno. O primeiro dia foi um rosário de alegrias e de surpresas – visitei-os [impercetível], os magníficos refeitórios, corri todos os departamentos que num raio de 10 km se dispunham à volta da tenda-piloto.

Era a primeira vez que estava num Acampamento e ali permaneci 15 dias consecutivos.

Mas nenhum deles, estou certo, foi tão intenso como o primeiro em que descobri novos mundos neste mundo e fui levado em sonho até à China, Mongólia e Japão. (…) Duvido que essa alegria sem par, esse júbilo que me tomou o coração se torne a repetir, bem como duvido que haja muitos outros acampamentos, ao menos nestes próximos anos, de usufruir tão intensamente da consolação de ter concretizado um grande desejo pessoal!”

De facto, o júbilo não se repete. Quando deixa de ser obrigatório pertencer à Mocidade Portuguesa, Marcelo opta por abandonar o corpo. No fim do 2º ano do liceu, não quis fazer o curso de comandante de Castelo e a mãe apoiou-o, apesar de Baltazar considerar que Maria das Neves estava a exagerar na proteção do rapaz.

A Juventude Escolar Católica: começar a questionar

Em vez de acampamentos e desfiles, Marcelo prefere envolver-se nas atividades religiosas e sociais da Juventude Escolar Católica (JEC). A JEC constitui a componente juvenil da Ação Católica, a organização da Igreja para aquilo a que se chamava o apostolado de meio social. Havia movimentos com o objetivo de cobrir toda a sociedade portuguesa. As juventudes: Escolar, Universitária, Operária, etc. As ligas femininas, as ligas para adultos, como a Liga Agrária Católica, a Liga Operária Católica, a Liga Independente Católica, a Liga Escolar (para os professores).

Entre os 10 e os 12 anos, no arranque do liceu, Marcelo começa por ser ativo na pré-JEC. A equipa de rapazes do Pedro Nunes reúne-se, rotativamente, em casa uns dos outros, um pretexto para saírem ficarem acordados até mais tarde, supostamente a discutir os problemas do liceu e religião. O núcleo organiza-se em torno do padre de Religião e Moral, pároco da Igreja do Rato e assistente da JEC no liceu. Até ao 4º ano, são animados pelo padre José Paulo Nunes. A partir do 5º, passa a ser o padre Alberto Neto – que mais tarde ficará célebre pelas vigílias na Capela do Rato contra a Guerra Colonial.

Como a JEC é um movimento de apostolado e formação católica, na reunião semanal com o padre, nas instalações da igreja, os jovens estudam a doutrina, através do método de revisão de vida, um processo analítico nascido com a Ação Católica Francesa. O processo consiste em olhar para a realidade, ajuizando-a à luz dos Evangelhos, para que cada um tome o seu compromisso de intervenção cristã em relação ao mundo envolvente. «Era um método muito ativista e ideológico – tinha esses inconvenientes –, que nos habituou a um juízo permanente da realidade da escola, da vida, e do país», explica o padre João Seabra. «A Ação Católica educava-nos num juízo da vida como ela era e o que tinha a ver com a nossa fé.»

Marcelo vive a JEC com intensidade, discutindo o Concílio Vaticano II, a evolução da Igreja, a liturgia, a posição da Igreja no mundo, os novos desafios que se colocam à fé e, obviamente, isto acaba numa reflexão sobre a sociedade portuguesa. O concílio reúne-se entre 1962 e 1965 no Vaticano e desenvolve a maior reflexão e mudança da Igreja Católica desses dias até hoje. A doutrina e os dogmas adaptam-se aos tempos modernos, os avanços científicos passam a ser tidos em conta, impulsiona-se a liberdade religiosa, avança-se com o ecumenismo e reformula-se o rito que deixa de ser em latim. A missa passa a ser celebrada em português. Torna-se então inevitável o confronto entre uma Igreja que se repensa a si mesma e um país conservador que permanece imóvel.

Quando o Marcelo tinha 14 ou 15 anos, Baltazar Rebelo de Sousa meteu uma cunha ao diretor de O Século. O miúdo, que aos 12 recebera uma máquina de escrever portátil com teclado AZERT, datilografa ali as primeiras prosas, das centenas ou milhares que publicará ao longo da vida. O seu primeiro artigo é a defender a regionalização

As ações do grupo religioso intensificam-se entre o 3º e o 5º ano. Ao longo desses anos, o grupo de jovens desenvolve atividades culturais e convida escritores, pintores e outros artistas para debaterem temas na escola, tudo afixado no quadro da JEC. Marcelo escreve crítica de cinema para um jornal da JEC e mais tarde noutro jornal do Pedro Nunes chamado Perspectiva.

Antes disso, já escrevia para jornais nacionais. Quando o Marcelo tinha 14 ou 15 anos, Baltazar Rebelo de Sousa meteu uma cunha ao diretor de O Século. O miúdo, que aos 12 recebera uma máquina de escrever portátil com teclado AZERT, datilografa ali as primeiras prosas, das centenas ou milhares que publicará ao longo da vida. O seu primeiro artigo é a defender a regionalização.

Na JEC, a interpretação do mundo à luz da fé conduz, inevitavelmente, à tomada de posições políticas. O padre Alberto Neto é um progressista, que se vai encostando à esquerda e que um dia, já depois da Revolução, dirá com escândalo na capa de uma revista que é marxista. Crítico do regime, tinha sido coadjutor do padre Botelho, um prior de Alcântara obrigado a exilar-se no Brasil por ter entrado em choque com o salazarismo.

Participa na missa quase diariamente, que começa a ter autorização para ser celebrada na escola. Marcelo vai à missa antes das aulas, sobretudo no período da Páscoa, durante a Quaresma. Levanta-se cedíssimo, atravessa o Jardim da Estrela, ainda de noite, são sete da manhã, e assiste à eucaristia na Basílica da Estrela até às sete e meia

«Isso teve uma grande influência na minha mudança política», diz. «Há a influência de alguns professores, da minha mãe, que puxa mais para a esquerda em relação ao meu pai, mas é muito por influência da Igreja.» Marcelo não vira de imediato, a trajetória será lenta: «O meu posicionamento estava a centralizar-se, não a esquerdizar-se.» Fará um percurso para o centro e depois para o centro-esquerda com a viragem da Igreja no tempo do Concílio Vaticano II, com o qual vibra intensamente.

Acima de tudo, é um católico fervoroso. Participa na missa quase diariamente, que começa a ter autorização para ser celebrada na escola. Marcelo vai à missa antes das aulas, sobretudo no período da Páscoa, durante a Quaresma. Levanta-se cedíssimo, atravessa o Jardim da Estrela, ainda de noite, são sete da manhã, e assiste à eucaristia na Basílica da Estrela até às sete e meia. Entre as oito e as oito e meia já está no liceu para o começo das aulas. Mais tarde, substitui essa missa matinal pela da paróquia de Santa Isabel, à hora do almoço. «As aulas acabavam às 12h20 e havia uma missa em Santa Isabel às 12h25, onde íamos, sobretudo à quinta-feira, com um grupo de 10 ou 12», diz João Seabra que havia de seguir a vocação. Marcelo, em vez de almoçar, frequenta essa igreja muitas vezes acompanhado por Maria Francisca Cordovil, que viria a ser a primeira mulher de Daniel de Matos.

No quinto ou sexto ano do liceu, o ambiente começa a sofrer uma incipiente politização, quando a JEC já sente a concorrência das pró-associações de estudantes, que se desenvolvem à esquerda, como herdeiros da crise académica de 1962. As três candidaturas à liderança da JEC no Pedro Nunes, espelham as posições da Igreja: Daniel de Matos é o candidato progressista e preferido do padre Alberto Neto; João do Amaral, com João Seabra a apoiá-lo, é o candidato conservador sob o lema «progresso sem progressismo»; Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato assim-assim, com um completo programa quase político. «É verdade que eu andava mais sensibilizado pelos católicos progressistas, o João do Amaral estava do outro lado, com o Marcelo a fazer as pontes todas», diz Daniel de Matos. A competição eleitoral tinha a sua importância e os professores que tinham lido os respetivos programas, espicaçavam os alunos nas aulas.

A eleição teve lugar. Daniel Amaral ganhou. Marcelo perdeu. Os conservadores ficaram atrás. A par destas atividades religiosas, Marcelo colabora com as Conferências de São Vicente de Paulo, visitando bairros de lata todas as semanas, sobretudo para entregar comida aos pobres. Ainda arranja tempo para participar nos eventos organizados na paróquia de Santa Isabel, animada pelo padre Armindo, jovem e progressista, que promove reuniões e debates a propósito do Concílio Vaticano II. Aqui germina o embrião do distanciamento político entre Marcelo e o pai. Baltazar ouve as homilias da nova igreja pós-conciliar e não gosta do tom crítico dos padres sobre a situação política. Um dia, Baltazar Rebelo de Sousa atingirá o seu limite – já estaremos no verão de 1970 –, quando o padre Armindo secunda a posição do Papa Paulo VI, que recebe os líderes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas no Vaticano. Baltazar sai da missa ostensivamente e não vol- ta a entrar na Igreja de Santa Isabel.

Durante e após o Concílio Vaticano II, tornam-se vivos os debates em casa em relação aos caminhos que a Igreja está a tomar. Baltazar não vê com bons olhos o afastamento da Igreja em relação ao Estado. Marcelo e depois António incorporam o espírito conciliar do novo Vaticano, apoiados pela mãe.

A influência dos professores: Matemática ou Direito?

O laboratório de Físico-Química do Liceu Pedro Nunes estende-se por uma sala comprida, mesas longas de madeira pesada ao centro, e armários junto às paredes cheios de aparelhos, tubos, termómetros, balanças e instrumentos. Rómulo de Carvalho mantém-se distante. Famoso pelo pseudónimo literário, o poeta António Gedeão não autoriza que a poesia se confunda nas aulas com o concreto da ciência, nem dá margem aos alunos para lhe falarem de arte. Em 1963, quando sai o seu livro de teatro RTX – 78/24, proíbe que o interpelem sobre o tema nas aulas.

O caderno de Matemática do 4º ano, o pior de Marcelo. Chegou a ter um Sofrível à disciplina preferida, mas ia recuperar

Direitos Reservados

Quando passa para o 3º ano, Marcelo consolida a reputação de melhor aluno. Os dois professores que de início mais o marcam são: António Silva Gomes, pachorrento professor de Português, melómano e culto, de uma erudição rural que dá aos rapazes uma visão do mundo que está para lá das portas da cidade; e Jaime Leote, de Matemática, que é vice-reitor da escola e depois reitor.

O professor de Inglês é o «circunspecto, formal e cerimonioso» Aníbal Garcia Pereira. A História têm aulas com a encantadora Maria Fernanda Gomes da Silva (mulher do historiador Oliveira Marques), que impressiona a rapaziada tanto pelos métodos pedagógicos como pela beleza e juventude. A Organização Política e Administrativa da Nação, o professor Duque Vieira, que vê muito mal, é o que mais sofre com as tropelias dos alunos. Figura conservadora e muito à direita, conhecem-no nos meios católicos por ser fundador do jornal Reconquista. Mas isso não impressiona os estudantes, que o fustigam e se divertem arrastando as mesas e as cadeiras pela sala.

O melhor aluno é irrequieto, intelectual, meio louco. Pode estar sentado com os amigos e de repente «blé-blé-blé», começar a fazer barulhos e estalidos com os dedos na boca ou a lembrar-se dos comentários mais inoportunos à frente dos visados. É cruel com a fragilidade alheia, como será sempre, em comentários públicos e privados. Gosta da pequena sacanice, da graça fácil à custa dos outros. No livro de fim de curso, no 7º ano, António Mega Ferreira será o autor do verso sobre Marcelo Rebelo de Sousa: «E eis-nos enfim chegados a esta promessa eminente, faz gaffes, faz disparates, anda sempre contente.»

O melhor aluno é irrequieto, intelectual, meio louco. Pode estar sentado com os amigos e de repente «blé-blé-blé», começar a fazer barulhos e estalidos com os dedos na boca ou a lembrar-se dos comentários mais inoportunos à frente dos visados. É cruel com a fragilidade alheia, como será sempre, em comentários públicos e privados. Gosta da pequena sacanice, da graça fácil à custa dos outros

Do alto da sua racionalidade e a partir do seu complexo de superioridade, analisa tudo com olhos de examinador viperino. Muito antes do seu Exame na TSF, Marcelo já «classificava as pessoas por notas», diz João do Amaral. «Aquele gajo é medíocre, este é um tipo Bom, aquele é Bom Menos, o outro é um 14, este é 16…»

Mesmo assim, se puder, auxilia colegas a fazer pontos. Chega a combinar sair de aulas para ir à casa de banho ajudar amigos a resolver os testes, ou faz voar aviõezinhos com respostas para dentro da aula de OPAN. Uma vez, ajuda uma colega em Latim e acabam ambos com a prova anulada. Mesmo quando estudava com os colegas, «reservava para si a possibilidade de aprofundar os conhecimentos muito para além do que era exigido».

Embora não fosse dado a zaragatas chega a andar à pancada. Seria uma questão menor, coisa de rapazes – pois nenhum deles se lembra da razão do confronto –, mas Marcelo envolve-se numa troca de tabefes com António Mega Ferreira. No dia seguinte, apresenta desculpas ao amigo, a falar muito depressa sem dar tempo de resposta ao outro, com os olhos azuis arregalados, agitando as mãos à altura da cabeça: «Eh, pá, Antoninho, desculpa lá, não sei o que me deu, isto deve ser do ácido sulfúrico! Só pode ser do ácido sulfúrico!…» Mega Ferreira fica perplexo: «Ainda hoje estou para saber o que ele quis dizer com aquilo do ácido sulfúrico.»

De outra vez, embrulha-se com Manuel Alfredo de Mello. Andam à bulha pelas escadas do liceu. O filho do patrão contra o filho do empregado, uma grande pega por causa do futebol, por um ser sportinguista e o outro do Braga. A discussão, pelos 13 ou 14 anos, era sobre a forma de calcular o goal-average entre as equipas. Manuel Alfredo tinha razão, argumentando que se calculava pela diferença de golos, mas Marcelo teimava que era pelo quociente entre marcados e sofridos. Mais tarde, em casa, conta ao pai que andou «à pantufada» com o Mello. Baltazar desdramatiza: «Qual é o problema? Uma coisa é o pai dele ser meu patrão, outra coisa é ele ser teu patrão. Aí não há patrão!» E o filho descansou.

Muito marcado por Rómulo de Carvalho e Jaime Leote do terceiro ao quinto ano, Marcelo alterna entre um grande interesse pelas Letras e pelas Ciências: Química, Física, Matemática, Ciências Naturais e Geografia. Nessa altura, tudo parece encaminhá-lo para um percurso na área científica. Pensa seguir Medicina, e será toda a vida médico frustrado, com a sua hipocondria acentuada, procurando literatura e lendo tudo o que pode sobre as doenças que o afetam: as úlceras e as alergias que lhe agudizam a rinite. Até se imagina a fazer um percurso académico nas matemáticas puras. A paixão pelos nú meros não esmorece: mesmo integrado na opção de Letras a partir do 6º, continuará a frequentar as aulas de Jaime Leote até ao 7º ano, e a acompanhar a Matemática, que não faz parte do seu currículo escolar.

Pensa seguir Medicina, e será toda a vida médico frustrado, com a sua hipocondria acentuada, procurando literatura e lendo tudo o que pode sobre as doenças que o afetam: as úlceras e as alergias que lhe agudizam a rinite. Até se imagina a fazer um percurso académico nas matemáticas puras (...) No fim do 5º ano, apesar das incertezas, o Direito torna-se a escolha natural. Marcelo seduz-se pelos áridos livros de leis que os amigos do pai lhe oferecem com dedicatórias

As dúvidas quanto ao caminho a seguir assombram-lhe o espírito ao longo dos anos. Maria Luísa Guerra, professora de Filosofia, lembra-se das angústias do seu melhor aluno: «Andámos uma manhã de nevoeiro a subir e a descer a Rua da Lapa, em que ele me expunha as suas hesitações entre ir para Direito ou para Medicina, Ciências ou Matemáticas. Foram duas horas para baixo e para cima, até que, por fim, ficou definido o Direito.»

No fim do 5º ano, apesar das incertezas, o Direito torna-se a escolha natural. Marcelo seduz-se pelos áridos livros de leis que os amigos do pai lhe oferecem com dedicatórias. Aos 16 anos, realiza o seu primeiro trabalho de Direito, para a disciplina de História, sobre a Constituição Francesa de 1791 – a primeira a seguir à Revolução Francesa. Dactilografa a sua monografia com zelo. O seu «Esboço de Estudo Histórico-jurídico» tem 70 páginas e cita 22 livros.

Pronta a monografia, o estudante envia-a com expectativa ao próprio Marcello Caetano. O catedrático de Direito Administrativo aprecia a obra, aliás, é o primeiro autor a ser citado. Tendo em conta a maturidade de Marcelo Nuno para a sua idade, Caetano responde-lhe com uma carta simpática, a dizer que tinha gostado muito, sublinhando que ele prometia ser um promissor estudante de Direito, por isso não devia enjeitar esse caminho. O estímulo é decisivo.

Quer ser catedrático de Direito. A escolha é reforçada por uma iniciativa da mãe, que o leva a fazer testes psicotécnicos no 5º ano, cujos resultados indicam o caminho das leis ou das Matemáticas, com Medicina de fora. Tudo o que Marcelo vier a ser, terá de estar relacionado com a sua inteligência especulativa, a facilidade para o raciocínio abstrato e a encenação teórica.

Sem se destacar, joga voleibol, andebol e basquetebol. A partir do 5º ano, espiga e deixa o aspeto gordinho de quando ingressara no liceu, desenvolvendo uma cara magra de padre jesuíta marcada por borbulhas que ele procura contrariar com cremes milagrosos antes de se deitar.

Festas, reuniões e uma motorizada

Na primeira metade dos anos sessenta, os jovens divertem-se em casa uns dos outros. Tudo se passa em ambiente controlado. As festas em casa de Carlos Macieira Pires e de Carlos Alves são as melhores. Os jovens das classes altas chamam reuniões às festas com menos de 50 pessoas e só chamam festas às que juntam mais de meia centena. Marcelo ouve pela primeira vez o twist, acabado de importar de Inglaterra, numa festa de Carlos Alves, que também recebe do Reino Unido os primeiros discos dos Beatles. É em sua casa que se estreiam a ouvir o Pretty Woman, de Roy Orbison e começam a tentar dançar slows com as meninas, mas dançam muito mal. O hula-hoop, que consiste em dançar rodando uns arcos na cintura, outra moda, é demonstrado na casa de Carlos Alves pelas primas Neves.

Os aniversários de Marcelo são comemorados na casa dos Rebelo de Sousa, refúgio seguro para o frio que faz a 12 de dezembro. Numa dessas «reuniões», numa das salas dança-se. Noutra, Maria das Neves discute política com Marcelo, João Seabra, Mega Ferreira e João Amaral. Ao ver montado aquele cenário desolador, Daniel de Matos opta pela sala do gira-discos – seria um exagero chamar-lhe salão de baile –, onde as raparigas se sentam sem par de dança. Nesse dia, em que os amigos se deixam absorver pela discussão intelectual, Daniel sai de casa de Marcelo com a sua primeira namorada.

Os jovens despertam para a sexualidade num ambiente de política orientada para a castidade. A televisão é censurada, as cenas com beijos são cortadas das películas do cinema, os filmes mais arrojados nunca estreiam, até na banda desenhada desaparecem os quadradinhos onde as heroínas exibem peitos mais voluptuosos. Nestes pequenos bailes entre amigos, os rapazes tentam ir até onde elas deixam escorregar as mãos.

É na literatura clássica, pelos 10 ou 11 anos, quando lê Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, que Marcelo começa a descobrir os comportamentos sexuais e amorosos das personagens, que desconhece da vida quotidiana. Mais tarde, começa a comprar livros proibidos na tabacaria perto do liceu, ao lado da barbearia onde Baltazar obriga os filhos a aparar o cabelo aos fins de semana (a partir do 2º ano, Marcelo esconde-se debaixo da cama e recusa-se a ir, porque o cabelo usa-se ligeiramente mais comprido). O homem vende os livros proibidos pela censura debaixo do balcão e Marcelo compra os que consegue com a sua mesada e alguns falam de sexo. Tempos depois, descobrirá que está perante um informador da PIDE.

É na literatura clássica, pelos 10 ou 11 anos, quando lê Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, que Marcelo começa a descobrir os comportamentos sexuais e amorosos das personagens, que desconhece da vida quotidiana. Mais tarde, começa a comprar livros proibidos na tabacaria perto do liceu

Não é por estar a crescer que deixa de ganhar prémios pelas notas. É o próprio Marcelo que fixa o seu objetivo para a média do ano escolar e, claro, escolhe o teto máximo, para desespero dos irmãos que têm nele uma concorrência difícil de superar. Apesar disso, em 1965 e 1966, os três irmãos partilham o Quadro de Honra do Pedro Nunes. O pai diz-lhe que sim, que se tiver 19 no fim do 5º ano oferece-lhe a moto que aos 16 anos o rapaz tanto deseja. Maria das Neves olha contrariada para aquela promessa, não quer o filho a arriscar uma queda no piso das ruas de Lisboa. No fim do ano letivo, cumprido e alcançado o 19 de média, Baltazar é obrigado a pagar a promessa.

A moto aparece, mas Baltazar tem manha. Oferece ao filho não uma moderna e desportiva moto cujos cromados impressionem as raparigas, mas sim uma portuguesíssima Famel Pachancho verde e preta, fabricada em Braga, mais própria para velhos de aldeia que para jovens intelectuais urbanos. O capacete verde, com uns atilhos que se apertam por debaixo do pescoço não ajudam Marcelo a parecer um Teddy Boy. Mas a motorizada leva-o aonde é preciso.

A partir do 6º ano, passa a ter não só a moto, que seria inútil para a sua liberdade se não fosse outro pequeno objeto: a chave de casa. Participa em tertúlias, tem licença para chegar depois da meia-noite, frequenta ciclos de teatro francês no São Luís. António Mega Ferreira organiza reuniões para falarem de livros na Cervejaria 1500, na Avenida Álvares Cabral, perto do liceu. Bebem as primeiras imperiais. O primeiro livro de que falam é do Estrangeiro, de Albert Camus.

Oferece ao filho não uma moderna e desportiva moto cujos cromados impressionem as raparigas, mas sim uma portuguesíssima Famel Pachancho verde e preta, fabricada em Braga, mais própria para velhos de aldeia que para jovens intelectuais urbanos. O capacete verde, com uns atilhos que se apertam por debaixo do pescoço não ajudam Marcelo a parecer um Teddy Boy. Mas a motorizada leva-o aonde é preciso

Agora Marcelo tem um quarto só para si no andar superior da casa, com uma grande secretária, a cama, um armário para a roupa e várias estantes cheias de livros, que começa a colecionar. Ainda está no liceu e já possui numerosos volumes. Estimulado pelo pai, faz coleções de tudo, de selos a postais, que um dia serão vendidas ou oferecidas. A janela é tocada pela copa de uma grande árvore secular. Ele estuda na cama, de janela aberta, a olhar para o verde das folhas.

As primeiras viagens fora de Portugal

Entretanto, com mais dinheiro e tempo livre do que quando Baltazar estava na política, a família começa a viajar. Primeiro no país, depois no estrangeiro, sempre de carro. Os companheiros de percurso são a família Pereira Bernardes, casal e três filhos – duas raparigas e um rapaz da idade de Marcelo. Cada família de cinco elementos viaja na sua viatura. Os itinerários são escolhidos através de brochuras e publicações do Automóvel Clube de Portugal. Escolhem os paradores espanhóis mais baratinhos e fazem-se à estrada, pela primeira vez, com destino a Paris. Em 1963, viajam até Madrid, percorrem a Costa Brava, atravessam a região de Bordéus, e regressam pelo País Basco. Marcelo prepara tudo com o pai, meticulosamente, com antecedência.

Em Paris, Marcelo emparelha com Bernardo Pereira Bernardes com quem, em manifestações de independência juvenil, faz questão de apanhar carruagens diferentes no metropolitano, o que incomoda Baltazar e ao mesmo tempo dá um gozo de liberdade ilusória aos adolescentes. Resultado? Perdem-se. A meio do caminho os adultos sairam do metro sem darem conta da ausência dos jovens e decidem passar pelas galerias Laffayette. Assim, Marcelo entra no Louvre sozinho com o companheiro e ficam na expectativa de encontrar as famílias entre as múmias egípcias ou a pintura do século XIX. Marcelo acha aquele desencontro o máximo da autonomia, era o senhor do mundo…

Reencontram-se, por sorte, em frente ao quadro da sagração de Josefina por Napoleão. Maria das Neves, apoquentada, diz a Marcelo Nuno que o pai está fulo, à entrada do museu, farto de assobiar, porque quando estava mesmo irritado bufava e assobiava para o ar. O filho lá encontra o pai a fazer «pffff, pffff», à porta do museu, exteriorizando a ansiedade, e leva uma desanda que não esquece.

– Essa mania de se armarem em independentes, o que é isso?!…

O banho de cultura toma-se ao cronómetro, porque é tudo a correr. Marcelo faz gala em exibir o seu francês. Começara a ter aulas particulares a partir do 1º ou 2º ano do liceu, com Alice Gardenne Chaves e lera os clássicos na língua original. Pouco mais tarde, teria uma perceptora irlandesa, já idosa, chamada Catherine Mackey, que lhe consolida o inglês. Os pais acham que os filhos devem aprender mais do que ensina o liceu, que já ensina mais do que outros liceus. No 6º ano, Marcelo também terá explicações de alemão com a fraulein Johanna Stynnian, uma germânica muito rígida e com tão pouco sentido de humor que estimula a criatividade de Marcelo, que lhe faz as maiores perfídias: esconde-lhe a chave de casa, desliga-lhe o contador da água, muda-lhe coisas de sítio, para ver se a alemã melhora os humores.

Marcelo faz gala em exibir o seu francês. Começara a ter aulas particulares a partir do 1º ou 2º ano do liceu, com Alice Gardenne Chaves e lera os clássicos na língua original. Pouco mais tarde, teria uma perceptora irlandesa, já idosa, chamada Catherine Mackey, que lhe consolida o inglês. (...) No 6º ano, Marcelo também terá explicações de alemão com a fraulein Johanna Stynnian, uma germânica muito rígida

A segunda grande viagem da família ao estrangeiro realiza-se mais tarde, em 1965, com Marcelo a terminar o 6º ano. O objetivo final era chegar a Roma e ver o Papa. Vão por Barcelona, metem pela Côte d’Azur, passam por Saint Tropez, vão a Nice e ao Mónaco, param em San Remo e apontam para Roma. Finalmente, veem o Papa Paulo VI em Castelo Gandolfo, a sua residência de verão. No regresso, visitam Florença. Em cada paragem, Baltazar faz uma explicação sobre a cidade e a história dos principais monumentos, que preparara em casa com cuidado. Tudo junto, mais uma canseira para Maria das Neves que acha aquilo tudo uma loucura e um dispêndio exagerado. Detesta as viagens.

Com as voltas nas curvas das estradas ou pelo abuso de molhos de tomate em Itália, Marcelo – que adora tomate – regressa a Portugal sempre indisposto, com uma sensação de enfartamento permanente. É a primeira manifestação da sua úlcera.

Os últimos anos do liceu: a turma mista é uma sensação

No 6º ano, Marcelo Nuno escolhe a área de Letras para aceder a Direito. A turma é de novo experimental, desta vez é mista, só para os anos complementares do 6º e do 7º. Estamos em 1964-65. O Pedro Nunes é uma exceção, numa época em que os liceus estão divididos em femininos e masculinos. Marcelo, aos 16 ou 17 anos chega a intervir para convencer os pais de uma amiga, Ana Barahona de Lemos, a deixarem-na frequentar o liceu. Achavam essa ideia de um progressismo arriscado para a reputação da filha, além do mais, ela estaria sozinha numa turma de homens em algumas disciplinas. Com a aura de aluno excelente e munido de grande lábia, explicou à família que ela só estaria sozinha – e aí sim, rodeada de rapazes – nas aulas de História, sobriamente ministradas por um cavalheiro conceituado e respeitável, António Stott Howorth. Nas outras disciplinas, como Alemão, Filosofia ou OPAN, estivessem descansados, haveria companhia feminina.

Se os rapazes devem andar de gravata, em escolas femininas como o Liceu Maria Amália, a porteira seria capaz de mandar para casa uma aluna que levasse uma bata mais curta. A saia tinha de andar abaixo do joelho e as meias eram para usar, mesmo nos meses mais quentes. O regime no Pedro Nunes não tem essa rigidez. É por esses anos, nas praias do Estoril, que aparecem as primeiras estrangeiras de biquíni: inglesas e descaradas, para escândalo da moral vigente, contra a lei que os proíbe.

Neste ambiente, a chegada das raparigas dá numa explosão de testosterona. Aos 17 anos, Marcelo é um pinga-amor. Anda sempre apaixonado. Se os amigos querem saber dele, está junto ao grupo das meninas a espalhar charme. Têm dificuldade em perceber com qual namora em cada momento, apesar de tudo lhe parece ser pouco mais do que conversa.

Neste ambiente, a chegada das raparigas dá numa explosão de testosterona. Aos 17 anos, Marcelo é um pinga-amor. Anda sempre apaixonado. Se os amigos querem saber dele, está junto ao grupo das meninas a espalhar charme. Têm dificuldade em perceber com qual namora em cada momento, apesar de tudo lhe parece ser pouco mais do que conversa

Para impressionar uma colega, faz acrobacias arriscadas montado na sua pobre Pachancho, na Avenida dos Estado Unidos da América. Tira as mãos do guiador, vira-se de costas, enquanto a namorada o observa da varanda. É Ana Zannati, futura atriz, colega de turma. O namorico dura pouco. Tinham-se aproximado durante um programa de teatro radiofónico na Emissora Nacional, com a professora Maria Emília Marques. Marcelo ganha nestes anos o seu primeiro dinheiro a participar em novelas radiofónicas.

No 7º ano, descobriria que a melhor maneira de fazer conquistas era através de aulas ou explicações. Primeiro, namorisca Maria do Carmo Viana, que vive junto à Basílica da Estrela, e que se casará com um dos primeiros militantes do PSD, próximo de Marcelo, Jorge Correia da Cunha. Esses namoros de meses comportam sempre uma componente religiosa, com idas à missa e conversas sobre os novos caminhos da Igreja. As paixonetas e as ocupações extracurriculares tomam-lhe o tempo quase todo, nunca almoça em casa e pouco janta, passa a vida para cá e para lá montado na Pachancho, mas não se distrai do essencial. O pai protesta, chama-lhe a atenção para a saúde, mas não tem por onde pegar, os resultados escolares são fabulosos.

Nos últimos dois anos do liceu, desenvolve um método de estudo que há de transmitir aos seus alunos universitários na primeira aula de cada turma. Para Marcelo, o primeiro período de outubro a dezembro é essencial e determina o trabalho para o resto do ano. O hábito que começara em criança ainda se mantém: durante as férias passa uma vista de olhos pela matéria que vai aprender ao longo do ano letivo seguinte. A seguir, nunca deixa atrasar os cadernos e passa os apontamentos a limpo. Depois, contabiliza o estudo por horas e faz uma agenda para estudar, misturando matérias, para evitar aborrecer-se a pensar sempre na mesma coisa. Uma hora de Filosofia, uma hora de Latim, etc. O que para muitos seria uma confusão, para ele é um estímulo. Concentra-se depressa e entra rapidamente no assunto, até passar a outro. Estuda de noite, em voz alta, a partir das nove horas até à uma da manhã, deitado na cama, de barriga para baixo no chão, ou a rever a matéria caminhando de um lado para o outro a repetir o que estava nos cadernos ou nos livros abertos sobre a secretária.

Enquanto estudante, Marcelo é a referência. Maria Luísa Guerra, a professora de Filosofia, conta que «Marcelo era sempre o primeiro, não havia dúvidas, com professores de formações diferentes», tendo a particularidade de ser «extremamente regular» nas notas máximas. Num dos anos dá-lhe 20, «como prémio de consagração de toda uma carreira». Foi o único 20 que deu na vida. A professora explica que o seu melhor aluno tinha «uma inteligência muito plástica, que não aceitava à partida apenas um ponto de vista ou uma só diretriz». Como ele domina a matéria sob várias perspetivas, a professora estimula-o a dar o passo seguinte: «Nos exercícios ele tinha a preocupação de mostrar a interpretação deste e daquele autor, e eu dizia: “Tens de te pronunciar por alguma coisa, tens de ter a tua própria análise.” E aí começou a dar aos poucos a sua opinião.»

É Maria Luísa Guerra que introduz a turma aos existencialistas, na moda em França, mas que em Portugal não chegavam aos liceus. «Fui eu que trouxe o Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir ou o Albert Camus e isso era uma coisa revolucionária e perigosa na es- cola», diz Maria Luísa Guerra. Marcelo fascina-se pelos existencia- listas, lê-os e interpreta-os, há de ler todo o Camus, sublinhando e anotando todas as edições dos Cadernos do autor francês de origem argelina. Como é católico, cultiva a particularidade do existencialismo cristão lendo Gabriel Marcel. Guilherme d’Oliveira Martins, que era colega de António Rebelo de Sousa, recorda-se de uma conversa com Marcelo, no Largo da Estrela exatamente sobre uma abordagem crítica dos existencialistas.

A úlcera, que dera sinais de existir no regresso de Itália, agrava-se no 7º ano. Em 1966, desconhece-se que a doença seja provocada pela helicobater pylori, e pensa-se que os sintomas provêm dos excessos na vida do jovem de 17 anos: muito stress, muita ansiedade, demasiadas coisas para fazer ao mesmo tempo e objetivos elevados na escola. Os amigos definem Marcelo como um ansioso permanente, que se move com um motor alimentado a adrenalina. Ele diz que não. Admite o efeito do stress, aceita que é embalado pela adrenalina, mas recusa o rótulo de ansioso, dizendo que os irmãos Pedro e António são muito mais ansiosos do que ele, como o pai.

A doença tinha acalmado depois da primeira manifestação. Marcelo tudo fizera para disfarçar os sintomas sem mudar de vida. Mas agrava-se na primavera, tendo ele que estudar para o 3º período crucial, porque a seguir viria a universidade.

Os amigos definem Marcelo como um ansioso permanente, que se move com um motor alimentado a adrenalina. Ele diz que não. Admite o efeito do stress, aceita que é embalado pela adrenalina, mas recusa o rótulo de ansioso

As ordens do médico são: reduzir o nervosismo e a tensão, deixar-se de agitações, equilibrar a alimentação, repousar e não ver a maldita televisão. O gastroentrologista acha que o aparelho televisivo contribui para o nervoso miudinho ou para a acidez gástrica, apesar de se tratar da isntitucional RTP dos anos 60, controlada pelo regime.

Maria da Graça Barbosa, colega de turma e excelente aluna, ajuda-o, faz-lhe companhia, atura-o. À beira de uma depressão com a vida reclusa que é obrigado a levar, passa horas com ela ao telefone. Marcelo não tem a aceleração habitual. Baixa o ritmo. Como não está frenético, parece abatido. Bebe muito leite, come tudo cozido: canjas de galinha, pera cozida, arroz cozido, uma dieta de fraqueza. Estuda para os exames do 7º ano na sua cama, mergulhado num aborrecimento de morte. Pelo menos não teve de se preparar para as provas à universidade porque se dispensava com 16.

Apesar de tudo, a doença não lhe tira o sentido de humor doentio, que o leva a ele e a Mega Ferreira a fazerem um manifesto jocoso chamado OP-66, a dizer mal de todos os escritores de que Constança Múrias, a professora de Literatura Portuguesa, mais gosta e elogiando aos autores que ela mais odeia. Dizem mal de Pessoa e Camões. Falam bem de Tomás Gonzaga, José Agostinho Macedo e Filipe Elísio. A coisa é feita com tanta maldade que a professora leva a mal esta ação concertada dos melhores alunos da disciplina. A partir da provocação do OP-66 Constança Múrias recusa-se a dar aulas àqueles biltres literários.

Como se não bastasse o facto de o filho estar doente com a úlcera duodenal, os pais Rebelo de Sousa recebem um convite para uma viagem de duas a três semanas ao Brasil e Argentina, que coincide com as datas dos exames. Coloca-se a possibilidade de não irem. Marcelo faz questão de dizer que é crescidinho, fazem o favor de ir, ele trata-se e prepara-se, os exames são coisas da vida que leva a sério. As provas acabam por correr bem. Tem 18 a Latim, uma pequena desilusão, porque era aluno de 20; a Filosofia consegue o 19; a Português alcança uma nota melhor do que esperava e rejubila com o 19; em História é apanhado de surpresa pelo 20, nota máxima que repete a Organização Política e Administrativa da Nação.

Um aluno de exceção merece um prémio extraordinário. E assim ganha o Prémio D. Dinis, uns fabulosos mil escudos, concedido pela Sociedade Central de Cervejas, para os melhores alunos de cada instituição de ensino, em cuja cerimónia encontra Leonor Beleza, pelo Liceu Maria Amália e Henrique Granadeiro, do Instituto de Estudos Superiores de Évora. Por acaso, ficam na mesma mesa.

Enquanto almoçam no restaurante Folclore, ao lado da Cervejaria Trindade, Marcelo domina o grupo. «Lembro-me que fiquei fascinado pela personalidade dele, primeiro pela capacidade torrencial de como ele se exprimia e por impor a sua agenda e ritmo a toda a outra maralha de bons alunos, que gagos não eram», conta Henrique Granadeiro. O melhor aluno do Pedro Nunes gosta de se exibir. Marcelo não perde uma oportunidade e ali, perante os melhores de entre os melhores, ele quer sobressair como o melhor. E faz o seu número: «Nunca mais me esqueci do pormenor de Marcelo citar Cícero em latim. Ele citava uma das Catilinárias de cor: “Qousque tandem abutere Catilina patientia notra…”». E por aí fora…

Mais uma vez, Baltazar Rebelo de Sousa prometera-lhe um presente em troca do 19. O prémio desta vez é uma viagem a África: um bilhete de ida para Luanda de avião, e outro de regresso de barco.

Vítor Matos é autor da biografia “Marcelo Rebelo de Sousa” de que faz parte uma grande parte deste artigo.

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