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Esta é a primeira greve na Autoeuropa?

Sim e não. Os trabalhadores da fábrica de Palmela já fizeram greves no passado, mas sempre em resposta a iniciativas de âmbito nacional convocadas em regra pelas duas centrais sindicais, nomeadamente greves gerais.

Esta é a primeira greve contra uma decisão da administração da empresa depois de 26 anos de relativa paz em que todos os conflitos laborais foram resolvidos entre a administração e a comissão de trabalhadores, sem grande intervenção sindical. Até agora. A greve de 24 horas iniciou-se às 11h30 de terça-feira e só terminou às 0h00 horas de quinta-feira.

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A Autoeuropa conseguiu sempre resolver problemas laborais com negociação. Porquê a greve?

A Autoeuropa sempre privilegiou o diálogo com as estruturas internas representantes dos seus trabalhadores, ou do grupo, embora tenha conversas também com os sindicatos.

A tradição das grandes empresas industriais alemãs é a de que os trabalhadores estejam representados nos órgãos sociais. As regras laborais da Autoeuropa resultam dos acordos negociados com a comissão de trabalhadores que, durante cerca de duas décadas, foi sinónimo de um nome, António Chora.

Este veterano só deixou o lugar para ocupar o cargo de deputado pelo Bloco de Esquerda, tendo regressado à comissão de trabalhadores. Chora reformou-se no início deste ano, o que abriu um espaço para a disputa de poder na maior fábrica de automóveis do país.

Em declarações ao Jornal de Negócios, António Chora explica que atrasou a sua saída para tentar fechar o acordo para a produção do T-Roc, mas a empresa não iniciou o processo negocial nesse tempo adicional, eventualmente porque esteve empenhada nas negociações com a Volkswagen alemã para garantir o T-Roc, um modelo muito disputado dentro do grupo alemão. Em declarações à TSF, Chora acredita que se estivesse na empresa nem haveria greve.

Outra fonte contactada pelo Observador admite que a demora em dar informação aos trabalhadores sobre os novos horários — já se sabia que o modelo T-Roc ia obrigar a trabalhar ao sábado — alimentou desconfiança face à proposta da administração.

Quando se demitiu, no final de julho, o coordenador da comissão de trabalhadores, Fernando Sequeira, tinha já avisado para o “assalto ao castelo” por parte de um sindicato. Acusou o SITE Sul, afeto à CGTP, de “inflamar” os ânimos na fábrica, pondo os trabalhadores contra o novo horário, e de não perceber que as exigências da laboração contínua não são comparáveis com um horário normal de trabalho.

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Mais do que um conflito laboral, é uma guerra política e sindical?

A tese foi confirmada e aprofundada por António Chora que liderou a comissão de trabalhadores antes de Fernando Sequeira. No dia da greve, Chora reproduziu, em várias declarações públicas, a ideia do “assalto ao castelo” (que é a Autoeuropa) por parte de um sindicato da CGTP. E foi mais longe.

Defendeu que faz parte de uma tentativa do PCP para pressionar o Governo e obter cedências noutras áreas. Chora não diz quais, mas vivem-se momentos decisivos na negociação da proposta de Orçamento do Estado para 2018.

Greve na Autoeuropa. António Chora lamenta “populismos” na Comissão de Trabalhadores

António Chora mostrou-se espantado com a greve e denunciou o que considera “populismo” por parte de elementos do sindicato e a instrumentalização dos trabalhadores. Esta posição foi secundada por Torres Couto, antigo líder da UGT, que também defendeu que a greve é uma tentativa dos comunistas de ganharem poder negocial perante o Governo.

Mais à direita a leitura vai no mesmo sentido, mas ainda de forma mais vincada. A ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque diz que o conflito é mais um preço a pagar para manter a geringonça, em troca de mais poder para a CGTP.

Maria Luís Albuquerque. Conflito na Autoeuropa é “mais um reflexo da geringonça”

O Fórum para a Competitividade, um grupo de reflexão ligado à classe empresarial alinha no mesma nota:

É “também uma discussão sobre o modelo de relações industriais na Autoeuropa que está em causa. E a greve de hoje tem por finalidade reforçar a posição da CGTP nessa discussão, de que se sentiu arredada pela prática negocial da CT”.

Tal como António Chora, também Fernando Sequeira é próximo do Bloco de Esquerda, e já manifestou a intenção de se recandidatar ao cargo de coordenador da comissão de trabalhadores. Dado o tom de escalada no conflito laboral, é muito provável que vá ter concorrência.

A coordenadora do Bloco de Esquerda foi a primeira líder partidária a tomar posição sobre o tema.

“Acho que olhamos todos para a Autoeuropa com uma enorme apreensão, é uma das maiores empresas portuguesas, uma das maiores exportadoras, julgo que tem existido alguma inflexibilidade nestas negociações, preocupa-me que a administração também diga que agora não quer negociar.”

Para Catarina Martins, “a Autoeuropa tem sido um exemplo desse diálogo e tem sido um exemplo do respeito pelos seus trabalhadores, que é bom que se mantenha”.

 

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O que responde o outro lado?

O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, defende que a empresa deve abrir o processo negocial aos sindicatos, na qualidade de representantes dos trabalhadores. Confrontado com as acusações do antigo coordenador da comissão de trabalhadores, António Chora, Arménio Carlos, citado pela TSF, diz que a resposta “está dada pela adesão massiva dos trabalhadores à greve”.

O PCP emitiu um esclarecimento em que considera ‘natural que os trabalhadores tomem posição sobre esta questão e defendam os seus direitos. É isto que está em causa e cabe aos trabalhadores e às suas organizações representativas definir as suas posições e formas de luta, como se verifica com os plenários realizados e com a greve de hoje.”

A mobilização da maioria dos trabalhadores contra a proposta de acordo sobre os novos horários e a aprovação da greve em plenário esta segunda-feira, tem sido o principal argumento do Sitesul – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Sul.

Para além de confirmarem a greve convocada em plenário, os trabalhadores mandataram os dirigentes do Sitesul, o sindicato da CGTP que representa os trabalhadores da indústria transformadora, energia e ambiente do Sul, para reunirem com a administração e tentarem encontrar uma solução para o conflito.

O sindicato diz que não se trata de uma questão de dinheiro, mas da obrigatoriedade de trabalharem todos os sábados durante dois anos, período de tempo em que os trabalhadores só teriam dois dias de folga consecutivos de três em três semanas.

Informação recolhida pelo Observador, mas não confirmada, indica que o Sitesul tem uma representação da ordem dos 10% entre os trabalhadores da Autoeuropa.

 

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Quem convocou a greve?

A greve foi convocada pela comissão de trabalhadores da Autoeuropa depois do pré-acordo alcançado com a administração da empresa ter sido chumbado num referendo realizado há cerca de um mês.

Três quartos (74,8%) dos trabalhadores da Autoeuropa rejeitaram o pré-acordo alcançado com a administração da empresa para a implementação dos novos horários por turnos, que obteve apenas 23,4% de votos favoráveis num universo de 3.472 votantes. O pré-acordo tinha sido obtido pela própria comissão de trabalhadores cujo coordenador, Fernando Sequeira, se demitiu depois desta votação feita por referendo, com voto secreto depositado em urna.

O sindicato mais ativo na rejeição do novo horário de trabalho e na promoção da greve tem sido o SITE Sul (Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente), afeto à CGTP.

O SITE Sul, tal como a Fiequimetal (Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Elétricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas), estão representados na comissão de trabalhadores e votaram contra o pré-acordo obtido com a administração e apoiaram a convocação da primeira greve da história da empresa. Esta greve foi confirmada nos plenários de trabalhadores realizados esta segunda-feira, onde a votação é feita de braço no ar.

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O que propunha o acordo recusado?

Com o início da produção do novo modelo, o SUV citadino T-Roc, a arrancar este ano, a Autoeuropa quer estender a produção aos seis dias da semana, introduzindo a laboração contínua ao sábado e a criação de um terceiro turno durante a semana, com trabalho noturno.

Como compensação para o trabalho obrigatório ao sábado, a proposta em cima da mesa propunha uma segunda folga semanal, para além do domingo, rotativa, mais um dia de férias, o pagamento de um extra de 175 euros mensais e 25% do subsídio de turno. Segundo a empresa, estas medidas “representam um incremento mínimo de 16% no rendimento mensal dos colaboradores abrangidos por este modelo de trabalho, para além de permitir um horário de trabalho semanal inferior a 40 horas.

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Os trabalhadores deixariam de ter fim de semana?

De acordo com a proposta da Autoeuropa, no esquema de folgas rotativas poderiam gozar dois dias seguidos em casa, de três em três semanas. Quanto ao fim de semana clássico, sábado e domingo, só seria possível quando a folga rotativa calhasse ao sábado, o que, segundo fonte laboral da unidade, aconteceria de seis em seis semanas. O calendário proposto previa que os trabalhadores gozassem duas folgas seguidas em duas semanas consecutivas.

Para além do fim de semana, os novos horários implicam um terceiro turno diário o que resultaria em trabalho noturno. Estamos a falar de semanas com 18 turnos, três turnos de oito horas por dia, incluindo o sábado.

A implementação da semana dos seis dias de laboração contínua seria inédita na fábrica de Palmela, que começou a laborar há 26 anos. E, pela informação recolhida pelo Observador, também não é comum no universo das fábricas europeias do grupo alemão — haverá uma na Polónia — que têm autonomia para negociar o horário de produção.

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A quem se aplica este novo horário laboral?

O novo horário laboral seria aplicado à maioria dos mais de cinco mil colaboradores da empresa, com o objetivo de fazer face ao acréscimo de produção. Em 2016, a Autoeuropa tinha quase 3.300 trabalhadores, tendo anunciado a contratação de mais 2.000 colaboradores, dos quais 750 para implementar um sexto dia de produção semanal.

A maioria dos trabalhadores da empresa está afeta à linha de montagem, à qual se pretendem aplicar os novos horários, mas há quadros na área administrativa que terão também de acompanhar o novo ritmo laboral. Segundo informação institucional, a idade média dos colaboradores da Autoeuropa é de 40 anos, 76% são homens.

O horário é para vigorar durante dois anos, a partir de 2018, quando a Autoeuropa prevê quase triplicar a produção face a 2016, para mais de 200 mil unidades (240 mil unidades).

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Porque recusaram os trabalhadores a proposta da empresa?

Por duas razões. Em primeiro lugar, os sindicatos alegam que o novo horário vai ter implicações na rotina diária dos trabalhadores, sendo invocados impactos negativos na saúde e na vida familiar. Em segundo lugar, para os transtornos que consideram que vai provocar na vida diária, a maioria dos trabalhadores é da opinião que as compensações financeiras oferecidas pela empresa são insuficientes.

De acordo com o novo modelo de horários, cada trabalhador irá rodar nos turnos da manhã e da tarde durante seis semanas e fará o turno da madrugada durante três semanas consecutivas, revelou um trabalhador citado pela agência Lusa. As contrapartidas financeiras em cima da mesa ficam muito abaixo do que seria a remuneração extra a receber se o trabalho ao sábado fosse pago como horas extraordinárias, que é uma contraproposta feita à empresa.

“Se a Autoeuropa pagasse os sábados como trabalho extraordinário, num único sábado ganhávamos praticamente o mesmo do que aquilo que vamos ganhar por fazer três sábados”, disse à agência Lusa um trabalhador que pediu anonimato. A remuneração adicional neste cenário poderia ir aos 400 euros mensais.

Para além de mais cara para a empresa, qualquer solução que passe pela opção voluntária de trabalho ao sábado, ao contrário do regime obrigatório recusado pelos trabalhadores, não permite à Autoeuropa a segurança para planear a produção e responder aos objetivos contratualizados.

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Depois de chumbado o pré-acordo, quais são os passos seguintes?

O primeiro passo foi a greve de 24 horas convocada por um sindicato afeto à CGTP e que foi confirmada em plenários de trabalhadores realizados esta segunda-feira. A empresa vai reunir no dia 7 com os sindicatos, mas sublinha que o passo fundamental para a resolução do conflito é a retoma do processo de negociações com a estrutura que reconhece como representativa dos trabalhadores. Os membros da comissão de trabalhadores demitiram-se depois de os colaboradores da empresa terem rejeitado o pré-acordo e foram já marcadas novas eleições para 3 de outubro de 2017.

A Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses defende que os sindicatos devem ter maior protagonismo na Autoeuropa.

O antigo coordenador da comissão de trabalhadores, António Chora, acredita que ainda será possível chegar a um acordo com a empresa depois de eleita a nova estrutura representativa, mas vai depender muito da sua composição.

O novo horário deveria arrancar, numa primeira fase, em novembro, para ser totalmente implementado em fevereiro do próximo ano.

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Qual é a importância da produção do novo modelo T-Roc?

O T-Roc é um dos modelos mais aguardados da indústria automóvel e uma das respostas comerciais da Volkswagen ao escândalo das emissões dos carros com motor diesel. O modelo, que chegará aos stands portugueses ainda este ano, é produzido em exclusivo na unidade de Palmela, mas foi muito cobiçado por outras fábricas do construtor alemão.

SUV “português” já mexe. Eis o Volkswagen T-Roc, fabricado na Autoeuropa

Para acolher novos modelos, a fábrica de Palmela investiu cerca de 700 milhões de euros nos últimos anos. O SUV (sport utility vehicle) é o carro da moda, o segmento que mais cresce no mercado automóvel. Quem não tem um modelo deste no portefólio, terá mais dificuldade em obter sucesso nas vendas.

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Que consequências pode ter o conflito para a Autoeuropa?

O fim da paz social na maior fabricante automóvel em Portugal já fez soar os alarmes a nível político e empresarial. Caso não consiga o turno ao sábado, a Volkswagen pode deslocalizar uma parte da produção para outra unidade do grupo alemão — este foi um modelo muito disputado e há unidades na própria Alemanha com folga para receber o trabalho extra.

No caso do T-Roc, a plataforma é comum àquela que equipa os modelos mais populares da VW, como o Golf, o Passat e o Tiguan, o que significa que o carro pode ser fabricado em quase todas as unidades do grupo alemão.

Neste cenário, o principal impacto seria sentido ao nível do emprego. António Chora admite que uma transferência parcial poderia reduzir a contratação de trabalhadores em 700 ou 800.

A comissão de trabalhadores da comissão de trabalhadores do parque industrial da Autoeuropa admite que pode ficar comprometida a contratação de 400 trabalhadores pelas empresas fornecedoras da fábrica de Palmela.

No limite, e em caso de agudização do conflito laboral, todo o modelo pode sair de Palmela, e isso poderá também, no limite, pôr em causa a sobrevivência da própria Autoeuropa já que o T-Roc seria o principal produto nos próximos anos, responsável já em 2017 por cerca de um quarto das exportações da fábrica.

De acordo com o sindicato, os trabalhadores da Autoeuropa não receiam uma eventual deslocalização da produção do novo veículo T-Roc atribuído à fábrica de Palmela, até porque grande parte do investimento em causa foi suportado pelo governo português. Para o coordenador do Sitesul, Eduardo Florindo, algumas declarações a alertarem para o perigo de uma eventual deslocalização da produção “constituem apenas uma forma de pressão para que os trabalhadores aceitem os novos horários”.

A unidade da Volswagen tem estado sempre, nos últimos dez anos, entre as três maiores exportadoras portuguesas.

Para o Fórum para a Competitividade, a produção do novo modelo de grande série é essencial para o futuro da Autoeuropa.

A unidade chegou a produzir quase 140.000 carros (em 1998) e em 2016 produziu apenas 85.131. Daí que a sua contribuição para as exportações tenha diminuído de 12% do total das exportações portuguesas em 1997 para 3% em 2016 e que o emprego tenha, apesar de tudo e graças à paz social, baixado apenas de 4.000 para 3.295 no mesmo período.

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Qual foi o impacto e resultado da greve?

Como é comum nas paralisações, os números e impactos divergem consoante a fonte. Neste caso, as diferenças podem ser ilusórias. Logo de manhã, Eduardo Florindo, do Sitesul, falava numa forte adesão. “Há centenas de trabalhadores em greve que estão concentrados aqui à entrada da empresa”, dizia, acrescentando que todas as secções da empresa estavam paralisadas.

Ao final da tarde, um comunicado da Autoeuropa dizia que 41% dos mais de três mil colaboradores tinham aderido à greve. A empresa admitia “o impacto negativo da paralisação”. A produção terá mesmo parado, porque basta uma ou duas equipas falharem para uma linha de montagem parar. A unidade fabrica cerca de 400 automóveis por dia, mas a empresa espera recuperar nos próximos dias a produção que se perdeu.

Para lá do impacto da primeira greve histórica, saiu a notícia de que a administração da Autoeuropa irá receber os sindicatos no dia 7 de setembro. Em comunicado, a empresa sublinha que é “essencial dar continuidade ao diálogo com uma comissão de trabalhadores eleita — as eleições estão marcadas para 3 de outubro — à semelhança das boas práticas laborais da Volkswagen Autoeuropa e do grupo”.