Depois do SMS a um director-adjunto do Expresso, António Costa continua com a língua afiada. Na sexta-feira, questionado por jornalistas acerca da venda da TAP, afirmou que “alguém um dia perceberá porque é que esta legislatura tem sido devidamente esticada para que este Governo, à última da hora, possa fazer tudo aquilo que em desespero está a procurar fazer“. No sábado, em entrevista publicada no Diário de Notícias, reiterou a mensagem. Ou seja, em bom português, o líder do PS está a acusar o Presidente da República de manipular o calendário eleitoral das legislativas, de modo a facilitar ao Governo a venda da TAP nestes últimos meses do seu mandato.
Eu sei que em Portugal o respeito pelas instituições está demasiadas vezes próximo do lirismo e que a popularidade de Cavaco Silva já teve melhores dias. Mas se as instituições ainda valerem alguma coisa, observar um candidato a primeiro-ministro formar uma acusação desta gravidade contra o Presidente da República tem de nos perturbar. Se for verdade, é inadmissível que um Presidente abdique da sua imparcialidade para favorecer determinado partido ou opção política. Se for mentira, é intolerável que um candidato a primeiro-ministro (que até lidera as sondagens) atire suspeitas infundadas para cima de representantes de órgãos de soberania. Não há zona cinzenta – estando correcta ou sendo falsa, a acusação é muito grave. Ora, analisando os factos, é fácil de comprovar que a acusação de António Costa é falsa.
Facto 1: a lei eleitoral estipula no seu artigo 19.º que, “no caso de eleições para nova legislatura, essas realizam-se entre o dia 14 de setembro e o dia 14 de outubro do ano correspondente ao termo da legislatura”. Ou seja, o agendamento das eleições para esse período não decorre de uma manipulação de Cavaco Silva mas sim do cumprimento da lei.
Facto 2: a antecipação da data das eleições legislativas só se poderia justificar pela ocorrência de uma crise política cuja intensidade pusesse em risco a governabilidade e a estabilidade do país. Obviamente, não é esse o caso e, independentemente da opinião que se tenha sobre o desempenho do Governo, estão garantidas condições de governabilidade entre PSD e CDS.
Facto 3: nos últimos 25 anos, as eleições legislativas realizaram-se entre Setembro e Outubro (1991, 1995, 1999, 2009, 2015). As únicas excepções (2002, 2005, 2011) ocorreram quando os Governos não concluíram o mandato, situação que não se aplica ao actual Governo. O que António Costa pretende é, portanto, uma excepção à regra.
Ora, os factos falam por si. Goste-se ou não do Presidente da República, a grave acusação que António Costa armou não carece de debate, nem depende de opiniões: é falsa, pois o agendamento de Cavaco Silva está conforme a lei e a nossa tradição. Ou seja, não foi ele que esticou a legislatura, foi António Costa que se esticou nas acusações. Pode-se ser contra ou a favor da venda da TAP. E pode-se concordar ou discordar que a mesma seja realizada na recta final da legislatura. Mas fazer campanha através de teorias da conspiração é lamentável e essa opção não nos deveria ser indiferente. O que está aqui em causa é isso: um candidato a primeiro-ministro inventou uma intriga para pôr em causa a legitimidade da acção do Governo e do Presidente.
Em termos políticos, vale o que vale. Mas em termos institucionais, é um espectáculo deplorável de se assistir. Aliás, é uma pena que, ao contrário do que acontece noutros países, estas acusações difamatórias fiquem isentas de consequências – em alguns países europeus, a acusação teria certamente um impacto negativo na campanha do PS. Em Portugal, teríamos muito a ganhar se assumíssemos esse tipo de exigência para com os nossos políticos, até porque, enquanto o insulto for uma espécie de crime sem castigo, todos preferirão a calúnia ao argumento. Hoje foi António Costa, amanhã será outro. E, numa coisa, o líder do PS tem toda a razão: os portugueses estão fartos da politiquice. O problema é que, como sempre, pela boca morre o peixe.