Os progressos no ensino da Matemática em Portugal na última década e meia foram notáveis. Praticamente todos os indicadores quantitativos atestam esta evolução. Por exemplo, as taxas de retenção têm diminuído consistentemente, atingindo no ano lectivo de 2014/15 (último disponível) mínimos históricos. Entre 2011/12 e 2014/15 as retenções baixaram nos anos de final de ciclo, de 4,6% para 2,2% no 4º ano de escolaridade; de 12,7% para 8,6% no 6º ano e de 16,7% para 10,6% no 9º ano. Esta é uma evolução absolutamente notável, uma conquista que está para ficar e é até expectável que se aprofunde, e de que toda a comunidade educativa se deve orgulhar.

Todos estes progressos não se alcançaram, contudo, à custa de sacrificar a exigência. Pelo contrário, aquilo que os estudos internacionais PISA e TIMSS mostram é o oposto: a evolução fez-se aumentando a qualidade do sistema educativo e dos respectivos resultados. Os resultados do PISA revelam que, entre 2000 e 2015, o desempenho dos estudantes portugueses de 15 anos cresceu sustentadamente, de 454 para 497 pontos – um feito histórico, que em 2015 coloca Portugal pela primeira vez acima do nível médio da OCDE. No estudo TIMSS, relativo a alunos do 4º ano de escolaridade, Portugal passou de um nível medíocre em 1995 (442 pontos) para um nível bom em 2015 (541 pontos). Trata-se do maior avanço na história do TIMSS, que nos coloca muito acima da média dos países participantes, e à frente da grande maioria dos nossos parceiros europeus – em particular da sempre evocada Finlândia.

Diga-se a propósito que, ao contrário do que a sabedoria convencional apregoa, os resultados da Finlândia nos estudos internacionais PISA estão em queda livre na última década, muito em virtude de curiosas opções educativas entretanto tomadas. Seria contraditório e até absurdo Portugal, responsável por um dos maiores progressos registados, começar agora a seguir acriticamente o modelo finlandês numa altura em que ele se revela disfuncional.

Sendo inquestionavelmente extraordinários, estes resultados constituíram uma verdadeira “revolução tranquila”. E apesar de pouco divulgados ou valorizados internamente, fizeram já de Portugal um caso de estudo na comunidade internacional. Devemos ter orgulho neles, pelo menos tanto quanto o que temos nas nossas conquistas futebolísticas ou musicais.

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Construído de forma gradual e consistente ao longo dos últimos 15 anos, este sucesso radica nas políticas educativas seguidas no mesmo período. E não é difícil encontrar um fio condutor. De uma forma ou de outra, sucessivos governos desde o início do século XXI foram consequentes em aumentar a exigência no ensino, o rigor na avaliação e a transparência do sistema. Três pilares foram essenciais.

Em primeiro lugar, os exames nacionais. Em 2000, o único exame existente era o de 12º ano, que servia, como hoje, para conclusão e para acesso ao ensino superior. Em consequência, não existiam quaisquer pontos de controlo ao longo do percurso escolar, e as assimetrias e bolsas de fragilidade do sistema não eram sequer detectadas, tendo como efeito a desarticulação interna do sistema. Foi por acção sucessiva de David Justino, Maria do Carmo Seabra e Maria de Lurdes Rodrigues que foi instituído em 2005 o exame nacional de 9º ano, e pela de Nuno Crato que, em 2012 e 2013, foram criadas, respectivamente, as provas finais de 6º e 4º anos.

Em segundo lugar, os documentos curriculares. A Matemática é uma ciência estruturada e cumulativa; os programas em vigor no início deste século eram, deste ponto de vista, deficientes. A entrada em vigor, a partir de 2012, de novas Metas e Programas para o Básico e Secundário, mais modernos e com conteúdos mais bem estruturados, constituiu um importante progresso pedagógico, visível quer na diminuição das retenções quer nas melhorias das classificações internas e de exames.

Em terceiro lugar, a certificação de manuais escolares. Até 2007 não havia qualquer procedimento para validação científica de manuais: em consequência, vigorava uma versão selvagem da lei de mercado. Os nossos jovens estudavam por manuais crivados de erros científicos. Maria de Lurdes Rodrigues impôs a obtenção de um selo de qualidade (certificação por uma entidade cientificamente idónea, como a SPM) como exigência para publicação.

Disse Andreas Schleicher, director de Educação da OCDE e responsável pelo PISA, quando esteve em Portugal em Fevereiro de 2017, que evoluir de um nível “adequado” para “bom” é mais difícil do que evoluir de “medíocre” para “adequado”. É este agora o nosso desafio. Mas melhorar significa aprofundar este percurso de exigência, e não repousar à sombra dos resultados obtidos – ou, pior ainda, retroceder. A verdade, porém, é que temos vindo a assistir recentemente a uma sucessão de eventos muito preocupantes, que contrariam directamente os pilares em que assentou o nosso ainda frágil progresso e remetem para um passado não muito distante de complacência e facilitismo.

Em primeiro lugar foram eliminados, por razões puramente ideológicas e mera transacção política à margem de qualquer estratégia para a Educação, os exames de 4º e 6ºanos, substituídos por umas inconsequentes “provas de aferição”. Estas provas são inúteis quer para o acompanhamento eficaz dos alunos por parte de pais e professores quer para a monitorização global do sistema. Perdeu-se, assim, um instrumento essencial de feedback.

Em segundo lugar, o Ministério da Educação não procedeu, em 2016, à certificação de manuais de Matemática, contrariando o determinado pelos Decretos-Lei n.º 261/2007, de 17 de Julho, e nº 5/2014, de 14 de Janeiro. Em consequência, os alunos e professores que trabalharem no 12º ano em 2017/18 terão pela frente um Programa que, funcionando pela primeira vez, é apoiado por materiais didácticos sem selo de qualidade científica, situação que a SPM considera muito perigosa.

Em terceiro lugar, anunciam-se hoje, sob o nome de “Aprendizagens Essenciais”, experimentalismos curriculares de contornos mal definidos, cujo debate tem sido realizado com uma superficialidade chocante (recorde-se o “Perfil do aluno para o século XXI”), e que parecem poder conduzir a “emagrecimentos curriculares” de 25% dos conteúdos. Uma tal opção, de momento felizmente adiada, aparentemente, devido à intervenção dos mais elevados responsáveis políticos do País, constituiria uma enorme ameaça ao percurso de sucesso da Matemática em Portugal.

Não tenhamos dúvidas: para que se progrida é preciso que os nossos alunos saibam mais e não que saibam menos. É uma completa falácia afirmar que para melhorar o raciocínio é preciso estudar menos ou que para desenvolver o sentido crítico ou a capacidade de comunicação é preciso saber menos. O discurso de combate ao conhecimento só nos pode fazer voltar para trás.

Professor na Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, e Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.