Todos os dias repetimos que o projecto europeu está em crise. Na semana passada, foi a vez do agora Presidente dos Estados Unidos vaticinar que outros vão seguir o Reino Unido. Não estamos nos nossos melhores dias – nós, europeus, e também nós, democracias – mas estamos longe, muito longe, do fim. Convém, por isso, não insistir em algumas mentiras que, se mil vezes repetidas, podem tornar-se verdades.

A primeira é a de que não existe uma identidade europeia, identidade essa que, de fora da Europa, não é questionada um segundo sequer. Tomemos o caso de Portugal: no rescaldo de uma severa crise económica e financeira, e de acordo com os dados do último Eurobarómetro, 7 em cada 10 Portugueses dizem sentir-se europeus e apoiar a moeda única. E o sentimento no resto da Europa não é diferente. Trata-se, por regra, de uma questão de perspectiva. Quando nos alarmamos por um terço dos eurodeputados serem eurocépticos, devemos recordar-nos que dois terços não o são.

A segunda é que os europeus não querem Europa. Metade de um país decidiu sair, 27 permanecem. Não devemos deixar de estar atentos aos desenvolvimentos nacionais (aliás, devíamos até estar mais atentos do que temos estado) mas, em geral, os cidadãos querem mais e melhor Europa. Uma larga maioria apoia a livre circulação no espaço europeu e políticas comuns nas áreas da defesa e segurança, energia, política externa e migração. 70% dos que têm o euro como moeda querem o euro. Com todos os seus problemas. Antes de desistirmos, nós, europeus, queremos tentar melhor.

Por fim, insiste-se na ideia que, tirando uma elite iluminada, os europeus desconhecem os verdadeiros benefícios que a União trouxe. Não é verdade. Nós, europeus, reconhecemos a liberdade de circulação de pessoas, bens e serviços e a paz entre estados membros com os grandes feitos desta Europa. Não, não precisamos de ser ensinados. Precisamos, sim, de líderes e instituições que inspirem e que estejam à altura dos desafios futuros.

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Para isso, comecemos por resolver o problema do défice democrático. A maioria dos cidadãos sente que a sua voz não conta nesta União Europeia. De facto, percebemos que fizemos muito pouco para mudar o estado das coisas quando Martin Schulz, na sua declaração de despedida enquanto Presidente do Parlamento Europeu, assinala como grande marca do progresso o facto de passarmos a eleger o Presidente da Comissão Europeia. É muito pouco. Apenas 5% dos eleitores de 2014 votaram por isso.

Talvez mais do que reflectir sobre o que mobiliza quem vota, devamos pensar o que motiva quem não o faz. Temos um Parlamento Europeu com mais poderes e uma tendência de abstenção crescente, apenas ligeiramente interrompida em 2014. Também aqui é importante deixar cair alguns mitos e perceber melhor estes números. Primeiro, se em 1979 um quarto dos eleitores europeus estava sujeito a voto obrigatório, essa proporção é agora inferior a 5%. Depois, a abstenção não é tradução da descrença no projecto europeu mas sim da descrença na política em geral e nas instituições, europeias e nacionais, sobretudo pelos mais jovens.

Como é que se muda este estado de coisas? Muda-se, não colocando regras económicas à frente de regras políticas, que têm, estas últimas, que ser basilares e intransponíveis. Muda-se, deixando de ter uma Comissão Europeia que fala apenas de défices e de décimas de PIB. Talvez pudéssemos aprender uma coisa ou outra sobre comunicação eficaz com Donald Trump. O Plano de Investimento europeu, por exemplo, faz muito menos notícias de jornal que as chamadas regras orçamentais de Bruxelas. Portugal é o sétimo país que melhor aproveita este Plano e conta já com mil milhões de euros para apoiar pequenas e médias empresas e para projectos de investimento em infra-estruturas e inovação, como o novo campus da Universidade Nova de Lisboa ou a regeneração urbana da Câmara de Lisboa.

As instituições têm que fazer diferente. Mas também têm que comunicar de forma diferente. Precisamos, mais do que nunca, de líderes. Que nos inspirem. Os sinais de alarme existem. Mas os sinais de esperança também. “Porque, nós, europeus, temos o nosso destino nas nossas mãos”.

Economista