O Presidente da República pediu aos partidos políticos que se entendam até outubro, aquando da discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano. No discurso do 10 de junho, na Guarda, Cavaco Silva insistiu num entendimento de “médio prazo” entre as forças políticas, que se centre num compromisso sobre a dívida e sobre as reformas para o crescimento económico, até porque, frisou, ainda há “decisões difíceis” a tomar e é preciso evitar regressar a uma “situação explosiva”.

No discurso, o Presidente da República insistiu que Portugal não pode “adiar por mais tempo um entendimento partidário de médio prazo sobre uma trajetória de sustentabilidade da dívida pública e sobre as reformas indispensáveis ao reforço da competitividade da economia”. Adiar, diz Cavaco “é um risco pelo qual os Portugueses poderão vir a pagar um preço muito elevado”. E traçou um calendário de cerca de quatro meses:

“O tempo de diálogo que se estende agora até à discussão do Orçamento do Estado será o mais indicado para que as forças políticas caminhem no sentido da concretização do direito à esperança dos portugueses, numa perspetiva temporal mais ampla, situada para além das vicissitudes partidárias ou de calendários eleitorais.”

Este entendimento, disse, é necessário porque os partidos devem ser capazes de “ultrapassar as divergências do tempo curto dos ciclos políticos e eleitorais e compreendam que Portugal enfrenta desafios que nos remetem para um tempo longo, para um horizonte alargado que ultrapassa os mandatos dos governantes”.

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O apelo ao compromisso aparece quase um ano depois de Cavaco ter tentado que PS, PSD e CDS chegassem a um acordo de longo prazo, na sequência da crise política provocada  pela demissão de Paulo Portas. Na altura, os partidos chegaram a reunir por diversas vezes, mas não chegaram a um entendimento final. Agora, o Presidente volta a insistir nesta ideia, dando um prazo: elaboração do Orçamento do Estado para 2015.

Mas o Presidente da República até lembra que o entendimento tem um ponto de partida, apesar de as decisões não serem fáceis: “O futuro reserva-nos, certamente, algumas decisões difíceis, porque não podemos esquecer as regras de disciplina orçamental a que todos os Estados-membros da Zona Euro estão sujeitos. Mas se as forças políticas revelarem o mesmo espírito patriótico demonstrado pelo nosso povo, tais decisões poderão ser tomadas num ambiente de maior serenidade e confiança”, disse. De recordar que Portugal foi o primeiro estado a ratificar o Tratado Orçamental em abril de 2012, com os votos favoráveis de PSD, PS e CDS.

O tempo para esta insistência é relevante. Cavaco Silva está perante o penúltimo discurso do 10 de junho enquanto Presidente e penúltimo antes de eleições legislativas. E insiste também numa altura em que o PS se debate com uma crise de liderança, depois da disponibilidade de António Costa para liderar o partido. Mas mais do que isso, acontece depois de mais um chumbo do Tribunal Constitucional a medidas do Governo, que incluem o corte nos salários dos funcionários públicos.

Vigilância pós-troika

Além disso foi o primeiro discurso em cerimónias oficiais depois da saída da troika. E foi precisamente aí que o Presidente começou a falar. Lembrou Cavaco que Portugal “cumpriu” com os compromissos assumidos e que se depara com duas realidades que quis salientar.

Em primeiro lugar, o chefe de Estado lembrou que “a fase crítica por que passámos deixou marcas e sequelas profundas” e que por isso é preciso que os portugueses permaneçam “atentos e vigilantes, designadamente em matéria de disciplina das contas públicas e de controlo do endividamento externo”. A necessidade de atenção e vigilância para com o futuro e não repetir os erros do passado foi repetida por várias vezes pelo Presidente neste discurso de cerca de 15 minutos. E fê-lo para deixar um pedido: “Para não cairmos de novo numa ‘situação explosiva’, risco para o qual alguns alertaram os Portugueses em devido tempo”.

A expressão “situação explosiva” remete para palavras que o próprio usou em Janeiro de 2010, na mensagem de Ano Novo.

E se o Presidente quer os portugueses atentos ao futuro, também pede que o olhem com confiança, “mas sem triunfalismos ou ilusões”. Neste ponto, Cavaco lembrou que “o cenário de emergência foi afastado” e que “ao contrário do que alguns afirmavam, não precisámos de um segundo resgate”.

Este olhar para o futuro tem no entanto regras:

“É fundamental evitarmos os erros do passado. Não podemos voltar a uma situação como aquela que vivemos quando fomos obrigados a recorrer ao auxílio externo. Repito: devemos estar atentos”, disse.