Espreitou-se um pouco por todo o lado. Relvado, bancadas, acessos e balneários. No Jean-Noël-Fondère, em Foix, tudo teria de estar nos conformes. Os delegados da Liga de Futebol Profissional (LFP) não se cansaram de inspecionar. Parecia que se estavam a aquecer os foguetes antes da festa. D’accord. No dia seguinte, o Luzenac, o pequeno e modesto, vencia por 1-0 o Boulogne e acendia o fogo-de-artifício — o clube acabara de garantir, pela primeira vez e com cinco jornadas por cumprir, o salto para a Ligue 2.

Histórico. E inédito. Com o check-in feito na segunda divisão, o Luzenac tornou-se no clube mais pequeno de sempre a reservar lugar no futebol profissional em França. Ou, escrito de outra forma, nunca uma tão pequena localidade conseguira ver 11 homens a representá-la e a correr atrás de uma bola no segundo escalão do futebol gaulês. A proeza veio de Luzenac, vila encurralada no meio dos Pirenéus, perto da fronteira com Espanha, a quem 511 pessoas (segundo os últimos censos em 2011) chamam casa.

Pouca gente. Tão pouca que nem um terço da bancada do estádio Jean-Noël-Fondère (3000 lugares), a 37 quilómetros de distância, conseguia encher. O tal situado em Foix. O mesmo de onde surgiram os primeiros capítulos de uma epopeia de problemas que só terminou esta quarta-feira — o Luzenac acabou. Ao fim de cinco meses deixou de ter presidente, diretor geral e jogadores na equipa principal. “Terminou, é o fim. A nossa história acaba aqui”, lamentou o seu diretor geral (já lá vamos).

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E tudo começou a 17 de abril, quando a LFP foi a Foix espreitar o recinto onde o Luzenac Ariège Pyrénéés fez história. Nesse dia, os responsáveis da liga deixaram uma garantia à direção do clube: o estádio não cumpria os regulamentos de segurança. De repente, precisavam de outra casa. A 30 de maio, a procura arrancou a sério, quando o sorteio do calendário ditou que o Luzenac se iria estrear na segunda divisão a 1 de agosto, contra o Troyes. Mãos à obra. E desta vez sem luvas — Fabien Barthez já não precisava delas. O careca e ex-guardião das redes da seleção francesa campeão do Mundo e da Europa, em 1998 e 2000, era o diretor geral do Luzenac. Mas nem ele conseguiu travar os percalços que começaram a surgir.

Ao início, porém, até parecia tudo encaminhado. No dia seguinte ao sorteio do calendário, o Luzenac já piscava o olho a uma casa nova, quando revelou ter um acordo com o Stade Toulousain — clube de râguebi de Toulouse, a cerca de 120 quilómetros de distância — para utilizar o seu estádio Ernest-Wallon durante a época. Só faltava garantir que os encontros em casa de ambos os clubes não coincidiam e esperar pelo aval da liga francesa.

Antes dele chegar, contudo, a Direção Nacional de Controlo e Gestão (DNGG), responsável por supervisionar as contas dos clubes das cinco principais divisões do futebol francês, intrometeu-se. E disse que não, o Ernest-Wallon, estádio de râguebi com 19 mil lugares sentados, não servia. “Vamos apelar contra a decisão, e estamos confiantes”, sublinhou, na altura, Jérôme Ducros, presidente do Luzenac, ao explicar que o aluguer do recinto “representaria uma fatia de 850 mil euros no orçamento do clube”. Isto quando o objetivo da DNGC, como se lê no site oficial, passa por verificar “se os investimentos feitos por cada clube não excedem as suas capacidades económicas”.

Faltavam garantias financeiras ao Luzenac, clube que só agora se tentava livrar do amadorismo que sempre tivera. No início de junho, a menos de um mês do arranque da Ligue 2, Ducros mostrava que, a pouco e pouco, lá chegariam. E já criticava: “Somos um clube amador no mundo de negócios. Isso incomoda. O Luzenac está bem estruturado e vamos continuar.” Verdade seja escrita — não desistiram. Mas a tarefa também não ficou mais fácil a partir daí.

A 3 de julho, o apelo da equipa dos Pirenéus era rejeitado. A DNGC bloqueava de vez o acesso do Luzenac à segunda divisão e até o trocou pelo Istres, clube que ficara no 19.º posto da Ligue 2 em 2013/2014. “Não vamos deixar de lutar”, garantia o presidente, embora realçasse que, “sem a segunda liga”, seria “o fim” do clube. Dias depois, o Luzenac recorria contra a decisão do DNGC para o Comité Olímpico e do Desportivo Francês (CODF). Não resultaria. “Estamos estupefactos e chocados”, disse o clube em comunicado, após o comité rejeitar o apelo.

Fechada a porta do CODF, só restava ao clube bater a uma outra. E Jérôme Duckos e Fabien Barthez levaram a causa do clube até ao Tribunal Administrativo de Toulouse. Que, mesmo tarde, até lhes deu razão: a 1 de agosto, dia da primeira jornada da Ligue 2, a justiça suspendia a decisão do DNGC. E o Luzenac, de repente, já podia jogar. Certo? Quase. Para variar, ainda faltava uma coisa — a aprovação da Liga de Futebol Profissional, que se mantivera calada desde a visita ao estádio de Foix.

Quando falou, contudo, voltou tudo ao mesmo. “O clube não possui um estádio que responda às normas regulamentares de segurança”, avaliou a LFP, citada pelo Le Figaro, após o seu conselho de administração chumbar (de vez) a participação do Luzenac na segunda divisão.

Desde então que o clube já fez tudo: firmou um acordo com a câmara municipal de Toulouse para utilizar o estádio da cidade e até ouviu Thierry Braillard, ministro do Desporto gaulês, a apelidar o Luzenac como “uma vítima” que “ganhou a promoção no relvado” e que “devia ser acompanhada pelo esforço do profissionalismo”. E disse mais, quando considerou uma “hipocrisia” o facto de “a LFP barrar o acesso de amadores ao mundo profissional”. Dias depois, o presidente da liga, Frédéric Thiriez, respondeu que “não cedia a nenhuma pressão política”.

As últimas semanas foram mais do mesmo — com esperanças a surgirem para depois darem lugar a desilusões. A 25 de agosto, a LFP chegou a anunciar que, afinal, ia deixar o Luzenac participar na Ligue 2. Mas, dois dias volvidos, a entidade saiu de uma reunião e deu um passo atrás. A 3 de setembro, o comité olímpico seguiu o exemplo e retirou o apoio ao clube. Agora sim, nada feito.

Barrado o acesso à segunda divisão, a LFP propôs ao Luzenac uma alternativa: voltar a competir na terceira divisão. Mas a crença do clube num desfecho favorável tramou-o — os dirigentes nunca chegaram a inscrever a equipa nesse escalão.

Ou seja, a alternativa foi empurrar a equipa até ao Championnat de Football Amateur 2 (CFA2), o equivalente a uma quinta divisão. “Recusamo-nos a participar no CFA2 com jogadores que garantiram a promoção à Ligue 2. A recusa em aceitar o Luzenac resulta no fim do nosso projeto”, resumiu Barthez ao La Dépêche. “Para nós acabou. A história termina aqui”, lamentou o ex-guarda-redes, que nasceu há 43 anos em Lavelanet, a menos de 50 quilómetros de Lauzenac, a vila que viu a equipa de futebol a garantir o acesso ao escalão profissional e, cinco meses depois, a deixar de existir.

Sim, acabar. Os responsáveis do clube dos Pirenéus revelaram esta quarta-feira que os “20 e poucos” jogadores e a equipa técnica foram “libertados dos seus contratos”. Barthez e Duckos demitiram-se e, para já, sobra a equipa de reservas, que continuará a competir das divisões distritais do futebol gaulês. E tudo acabou mal quando começou bem.