O árbitro olha para o relógio e dá o último apito. 1-0, o Eibar ganha mas ninguém festeja. Ainda não. Os jogadores recolhem ao balneário, os adeptos ficam nas bancadas e todos se colam ao rádio ou à televisão. Têm que esperar uma hora, culpa da diferença horária (-1) nas Canárias – o Las Palmas ainda jogava contra o Recreativo de Huelva. Tinha de perder. Perdeu mesmo. Agora sim, festa. Jogadores, dirigentes e adeptos invadem o relvado. Gritam, saltam e cantam em basco. Pela primeira vez, o pequeno Eibar garantia a subida à primeira divisão espanhola.

No domingo foi assim. Antes, só por uma vez o Eibar, clube basco encurralado entre San Sebástian e Bilbao, esteve perto de conseguir chegar à principal divisão do futebol espanhol.

Há nove anos, a boa vontade de um baixote com 18 anos impedia os bascos de festejarem. Em maio de 2005, o Eibar recebia o Lleida e o 1-1 teimava em não sair do marcador. Aos 92 minutos, um médio da equipa caseira isola-se. O valioso golo pode surgir, mas não aparece. Só com o guarda-redes pela frente, o jogador chuta a bola para a linha lateral. ¿Qué pasa? Estava um adversário deitado no relvado e não era assim que David Silva queria marcar.

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O jogo dá mesmo empate. E no fair-play do espanhol ficam os três pontos que, na última jornada, acabaram por faltar para o Eibar subir de divisão (ficou no 4.º lugar da liga). E sim, esse David Silva, então um recém-adulto emprestado pelo Valência, é hoje campeão europeu, mundial e o mais recente vencedor da Premier League inglesa. Em nove anos tudo mudou na carreira do espanhol. No clube, porém, nada se alterou.

Ainda tem 3.500 sócios registados, um estádio com cerca de 5.600 lugares e numa cidade que não passa dos 27 mil habitantes. Fundado em 1940, tem o menor orçamento entre os 42 clubes profissionais em Espanha (3,5 milhões de euros). Não tem salários em atraso e talvez seja o único a conseguir um feito – não gasta mais do que tem. “O clube é um modelo de gestão”, sublinhou, há semanas, Javier Tebas, presidente da Liga espanhola de Futebol Profissional (LFP). Tudo no país onde a dívida conjunta dos clubes profissionais supera os 3,2 mil milhões de euros.

Endividar para subir, ou não descer

O Eibar não contrata estrelas nem gasta mais do que pode. “Antes e agora há um estilo inegociável: aqui somos todos iguais, sem figuras. Quem não pensar assim não cabe [no clube] e o próprio grupo lhe demonstrará o erro”, explicou Gaizka Garitano, atual treinador que sabe do que fala – em 2005, por exemplo, estava em campo quando David Silva não quis marcar.

Esta insistência na contenção fez com que o capital social do clube esteja hoje nos 422.253 euros. E isto é um problema – com esta quantia, o Eibar não pode subir à primeira liga. Pior, nem poderá sequer manter-se na segunda divisão. De quem é a culpa? Da federação (cujo líder elogiou o Eibar), das próprias leis do país e do vício gastador de outros clubes.

Quando, na época passada, subiu à segunda divisão, o Eibar ficou sujeito à Lei das Sociedades Anónimas Desportivas (aplicada a todos os clubes profissionais). Descomplicando, o clube ficou obrigado a ter um capital social equivalente a, no mínimo, 25% da despesa conjunta dos 22 clubes do segundo escalão. Não o fez. E agora tem até 6 de agosto para o conseguir.

Ou seja, o clube que garantiu a promoção em maio pode, dois meses depois, ser despromovido por motivos administrativos. “Cumprimos o objetivo de não ter défice. E agora temos de cumprir uma lei que não é derivada da nossa boa gestão mas da proporção dos gastos entre os outros clubes”, lamentou Álex Aranzabal, presidente do Eibar, ao El País.

Quem quer ser acionista?

Numa era de milionários atentos ao futebol ou xeiques árabes que brincam ao monopólio, o Eibar talvez só tivesse que ficar à espera que o dinheiro aparecesse. Afinal, quem não quereria investir num clube sem dívidas e com passaporte para a La Liga? O clube basco, contundo, não funciona desta forma.

Fizeram-se antes contas: com um capital social de 422.253 euros, faltavam 1.724,272 para atingir os 2,1 milhões necessários. O clube precisava de ajuda. Em abril, quando a equipa já via bem de perto a eventual subida de divisão, os acionistas do Eibar decidiram aumentar o capital social do clube.

Confiar apenas nos 3.500 sócios do Eibar seria arriscado – cada um teria de entregar perto de 492 euros para salvar o clube. “A nossa base social tem muitos menores de 18, muitos idosos, muitos desempregados e muita gente com empregos precários”, reconheceu o presidente.

Por isso o clube arrancou com a campanha “Defiende al Eibar“. Desde 9 de maio que, a troco de pelo menos 50 euros, qualquer pessoa pode comprar uma ação do Eibar. Enquanto se escrevia este texto faltavam perto de 738 mil euros. Logo, 42,8% da quantia já está reunida. Esteja na primeira ou na terceira divisão em 2014/15, uma coisa é certa – “a satisfação pelo que foi feito”, garantiu o treinador Gaizka Garitano.