António Costa enviou uma mensagem aos militantes socialistas em que pede que não confundam a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates com a ação do partido. O recado enviado por SMS diz que “os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS”.

Costa que será eleito secretário-geral do PS este fim de semana, sublinha que a investigação a Sócrates é um processo “que, como é próprio de um Estado de Direito, só à Justiça cabe conduzir com plena independência”. “Caras e caros camaradas, estamos todos por certo chocados com a notícia da detenção de José Sócrates. Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos”.

Com esta mensagem, Costa quis travar desde o início a contaminação da política por parte de um processo judicial. Tem presente ainda na mente o recente caso da Casa Pia – um escândalo que rebentou em 2003 quando foram detidas várias pessoas incluindo um dirigente do PS, Paulo Pedroso. Na altura, o então secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, que hoje é líder parlamentar encarou isso como um ataque ao PS. As chamadas lições da Casa Pia foram aprendidas por todos e os próprios dirigentes socialista da altura vieram a reconhecer mais tarde que erraram na forma como lidar com o caso judicial.

Para António Costa cabe “ao PS cabe concentrar-se na sua ação de mobilizar Portugal na afirmação da alternativa ao governo e à sua política”.

Este caso de Sócrates, no entanto, é mais delicado politicamente, uma vez que as suspeitas envolvem ações daquele enquanto primeiro-ministro, ou seja, no desempenho das funções políticas. Para mais numa altura em que Costa, candidato do PS a primeiro-ministro, recuperou por inteiro todo o legado dos anteriores Governos PS – de que o anterior secretário-geral António José Seguro procurava distanciar-se.

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Mesmo assim, Costa não conseguiu travar algumas reações de socialistas que começam já a falar em campanha política, como a ex-eurodeputada Edite Estrela, amiga de Sócrates. “Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?”, comentou no Twitter esta manhã de sábado.

Por sua vez, João Soares escreveu um texto no Facebook em que questiona a detenção de José Sócrates e deixa uma mensagem de solidariedade ao ex-primeiro ministro. O deputado socialista, citado pela Rádio Renascença, começa por dizer que não aceita “a prisão (“que pudicamente” designam por detenção”) de um antigo primeiro-ministro a não ser “por crime de sangue, em flagrante delito”.

Defende João Soares que no caso do ex-primeiro não estaria em causa uma tentativa de fuga ou obstrução da justiça. “A prisão de José Sócrates, ao início da noite no aeroporto de Lisboa, com pelo menos uma câmara de TV de sobreaviso, é, antes de tudo, uma tentativa de humilhação do próprio ex-primeiro ministro”, que considera ainda ser mais “mais perversa” por ser feita numa sexta-feira à noite.

“Se há que julgar, o que quer que seja, que se julgue rapidamente e com a isenção que se exige da justiça. Humilhar e précondenar na praça publica, não. Os efeitos perversos e de desmoralização pública de uma iniciativa judicial como esta são dificilmente avaliáveis”, defende o deputado.

 

Marques Mendes pela prudência

O cortejo de comentadores foi aberto por Luís Marques Mendes, no seu habitual espaço de comentários na SIC. Marques Mendes diz que “temos de ser prudentes” e “não cair em precipitações” no caso da detenção de José Sócrates. O comentador da SIC aponta sobretudo consequências para o Partido Socialista, e refere que, para António Costa, é “um enorme embaraço” e “um sarilho monumental”.

Quase um dia depois de surgir a notícia, o ex-dirigente do PSD classifica como “corretíssima” a atitude de António Costa, referindo-se à mensagem que o socialista enviou aos militantes do partido esta manhã. “Costa estava mais próximo de Sócrates, dos amigos de Sócrates e da herança de Sócrates”, lembra o comentador da estação, acrescentando que o secretário-geral do PS tem um problema — a eleição da direção política do partido. O socialista “vai ter de antecipar a substituição dos socráticos”, sugere Marques Mendes, porque “se apresentar uma espécie de conselho de ministros de Sócrates”, as reações não serão as melhores.

 

“Aleluia”, “já vem tarde”, comenta a oposição

A detenção de José Sócrates não deixou ninguém indiferente. Deputados da oposição reagiram cedo, mal foi conhecida a notícia da sua detenção. O deputado do PSD Duarte Marques, comentou na madrugada deste sábado no Facebook: “Aleluia, a malta de Mação não perdoa”. Referia-se ao juiz Carlos Alexandre, que tal como Duarte Marques é natural de Mação, no distrito de Santarém, e que é o responsável pela investigação ao ex-primeiro-ministro.

“É o regime que está a cair de podre e já vem tarde”, desabafou, por seu turno, a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua. Este sábado a convenção do Bloco de Esquerda decorre em Lisboa para eleger a nova direção do partido e é natural que os militantes do partido se refiram à notícia que surpreendeu todo o país na noite de sexta-feira. Mais cauteloso, o vice-presidente do PSD, Carlos Carreiras, limitou-se a comentar: “Nem sei o que dizer, não tenho narrativa”. Fazia uma ironia com uma expressão de Sócrates que ficou célebre, a “narrativa”. Este sábado de manhã acrescentou uma interrogação sobre as diretas para a eleição do secretário-geral do PS, que terminam hoje: “Será que sai a tempo de ir votar?”-

Já o ex-secretário de Estado do Ambiente do PSD José Eduardo Martins considera que, com esta detenção, Sócrates “encontrou o seu lugar na História”. Para o ex-dirigente do Bloco de Esquerda, Daniel Oliveira, “a política e a justiça portuguesas nunca mais serão as mesmas depois de um ex-primeiro-ministro ser detido num aeroporto e passar a noite na cadeia”. ”

“Com a sua experiência, tenho a certeza que o juiz Carlos Alexandre sabe disso. Assim, as suspeitas sobre José Sócrates são seguramente muito graves e com consistência. É um terramoto sem precedentes que os poderes judicial e político (os que se opõem e os apoiam José Sócrates) terão, para bem do país, da democracia e do Estado de direito, de saber gerir de forma exemplar”, acrescenta.

No PS, cresce o sentimento de uma campanha política. Edite Estrela, ex-eurodeputada e uma das pessoas mais próximas de Sócrates, considera que esta investigação serve para desviar as atenções do caso dos vistos gold que atinge o Governo.

No Twitter, Sócrates é alvo de muitas conversas. Estrela Serrano, ex-assessora do Presidente Mário Soares, recorre à ironia.

Sérgio Lavos, candidato nas primárias do Livre, considera que está a haver instrumentalização da justiça.