As maratonas custam porque são longas e cansam que se fartam. Corre-se, luta-se contra o cansaço, ignoram-se as dores e tenta-se aguentar tudo à boleia de uma motivação: acabar a corrida. E essa motivação é bem maior quando a missão é ser o primeiro a fazê-lo. Depois há quem se agarre à religião e à crença de que alguém dê um empurrãozinho para que as coisas aconteçam. Se alguém acredita que “o futuro a Deus pertence” então é melhor cair no goto de quem está lá em cima a segurar as rédeas. E Jorge Jesus, como admitiu antes de jogar em Guimarães, é um deles, mas teve de esperar que fosse o futuro a vir ter com ele e com o Benfica.

E se o campeonato é uma maratona, há que começá-la como de ser. Tal e qual os encarnados arrancam em Guimarães, acelerados, com vontade, com aquela pica de quem ali joga para dali sair como campeão nacional, ao fim de 33 jornadas a correr atrás disso. Não há vivalma que não tem isto na cabeça — uma vitória no estádio onde Jorge Jesus vencera, pela primeira vez, como treinador do Benfica, em 2009, garantiria à equipa o título. Por isso se vê um Gaitán desenfreado a correr pela esquerda e, logo aos 3’, a cruzar a bola redondinha para a cabeça de Jonas a rematar contra a barra.

Vitória de Guimarães: Douglas; Nii Plange, João Afonso, Josué Sá e Luís Rocha; Moreno, André André e Otávio; Sami, Ricardo Valente e Tomané.

Benfica: Júlio César; Maxi Pereira, Luisão, Jardel e Eliseu; Fejsa, Pizzi, Salvio e Gaitán; Jonas e Lima.

Faz o mais difícil por azar, mas, um minuto depois, é por escolha própria que Lima também tenta fazer o mais complicado: um passe de Jonas senta-o à mesa com Douglas e o avançado é rude e não tira o chapéu da cabeça. Por isso a bola que Lima pica em vez de rematar passa por cima da baliza do Vitória. Os encarnados arrancam a abrir, como antes tinham começado a maratona do campeonato (com um par de vitórias nos dois primeiros jogos), mas da baliza vimaranense não levam nada. Nem quando Jonas, à entrada da área, é calmo o suficiente para receber a bola, virar-se para a baliza, tocar em Salvio e ver o argentino passar a Maxi Pereira para o remate do uruguaio bater com a bola no poste direito.

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Depois o jogo abranda. Já lá vão 33 jornadas e correr uma maratona não deixa assim tantas energias para dar e vender. O Vitória começa a desencolher-se e a tentar fazer mais do que esperar por bolas perdidas para disparar contra-ataques. Os de Guimarães rasgam na atitude, nos pés com que vão à bola e nas perseguições aos encarnados. O jogo deixa de ser apenas do Benfica porque Jonas não rasga naquilo em que costuma caprichar — e aos 33’ falha uma oportunidade das boas para marcar quando, na área, não acerta com um remate na baliza. Algo que Jackson Martínes faz no Restelo, pouco antes do intervalo piscar o olho. E, do nada, sabe-se que o FC Porto já ganha.

Essa novidade nota-se depois quando nos pés dos encarnados se começam a ver toques a mais na bola. Há pressa em chegar à baliza, em fazer o que os dragões já tinham feito contra o Belenenses e a incendiar, de vez, os cerca de 5 mil adeptos do Benfica que ali estavam. É Salvio, às fintas, contra o mundo. É Gaitán, na esquerda, à caça de espaços para cruzar. E é Jonas e Lima a tentarem trocar tabelas sem terem espaço para o fazerem. As coisas começam a sair menos e o Vitória cresce. As correrias de Ricardo Valente, com a bola, aproximam-se da baliza de Júlio César e Otávio, o pequenote, vai tentando cavar faltas perto da área. O Vitória cresce e só aos 54’ o Benfica faz algo quando um pulo de Maxi lhe dá altura para cabecear um cruzamento de Gaitán e obrigar Douglas a voar.

Mas nada, nada de nada. O jogo passa a ter mais de confuso do que de organização e os encarnados pensam muito com o coração e pouco com a cabeça. Sabem que não se podem esticar porque o risco não é bom amigo quando no Restelo ainda há um 1-0 para o FC Porto. A cautela aparece e os encarnados preferem os passes pela certa. Até que, de repente, parte do estádio grita. Nota-se um entusiasmo a vir da parte encarnada da bancada, a que está atrás da baliza de Douglas, na segunda parte — há um jovem chamado Tiago Caeiro que marca um golo no Restelo e dá o empate ao Belenenses. Assim o Benfica é campeão.

Mas ainda não o era porque faltam 10 minutos para acabar e eles passam à boleia da prudência. Os encarnados juntam-se, unem-se para proteger a baliza e não querem deixar o Vitória fazer grande coisa. Só o faz uma vez, aos 84’, quando Tomané usa a cabeça para rematar a bola que passa ao lado do poste esquerdo da baliza de Júlio César. É assim, com livres e cantos, pois o Benfica começa a fazer muitas faltas, que os de Guimarães ainda atiram umas quantas bolas para a área que, até ao fim, Luisão e Jardel se encarregam de cortar. Os seus minutos de compensação prolongam a ansiedade, mas, quando árbitro apita três vezes, não roubam uma novidade — o Benfica é bicampeão nacional.

Os jogadores celebram, correm desenfreados pelo relvado, trocam abraços, puxam pela vez para gritarem e distribuem as camisolas pelos adeptos. É tempo de festa. Jorge Jesus ri-se, sorri, cumprimenta tudo e todos e, às vezes, contém-se. Trinta e um anos depois é ele que orienta o Benfica para a conquista de dois campeonatos seguidos. É o primeiro treinador português a fazê-lo no clube. É obra, sua e dos jogadores, que a conseguem a uma jornada do fim desta maratona — a equipa vai jogá-la no Estádio da Luz e tudo, contra o Marítimo. Mesmo assim Jesus fala sobre o mesmo que falara antes de ter o título nas mãos. Porque de novo lhe perguntam pelo futuro. E o futuro, diz o treinador, “só Deus sabe”.