Ficou conhecido por ser professor de José Sócrates, em quatro das cinco cadeiras feitas na Universidade Independente, e foi o único arguido no processo Cova da Beira, arquivado e de onde saiu absolvido.

Agora, passados cerca de três meses de ser constituído arguido novamente – indiciado por alegados crimes de coação e violação do segredo de justiça, num inquérito paralelo ao processo da Operação Marquês, que tem o ex-primeiro-ministro no epicentro – António José Morais lança o livro “Sócrates, a Cova da Beira e a Licenciatura – verdades e mentiras”.

Apresentado esta quinta-feira na Livraria Desassossego, em Lisboa, António Morais escreve a sua versão das histórias.

Dividido em treze partes, o livro não poupa críticas a jornalistas, órgãos de comunicação social, Ministério Público ou Polícia Judiciária. Em sua defesa, Morais partilha a visão dos casos que “aniquilaram completamente a [sua] vida familiar e profissional”, umas vezes com indignação, outras com ironia e humor. Até Ricardo Araújo Pereira é lembrado.

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O Observador esteve a ler e selecionou algumas passagens:

O embuste do Ministério Público, dos jornalistas e as questões penduradas

“Vi-me forçado a escrever este livro sobre o denominado caso Cova da Beira, dada a farsa construída à volta deste processo judicial (…). O propósito principal deste livro é o de justamente divulgar os dados e factos que a comunicação social escamoteou da opinião pública sobre o caso, bem como o de alertar os meus concidadãos para o perigo dos julgamentos antecipados na praça pública, instigados e realizados pela imprensa. A sua divulgação vai desmistificar o embuste construído pelo MP e por alguma comunicação social.”

A Covilhã, a relação com Sócrates, o ISEL e o fato verde alface

“Conheci Sócrates no Instituto Superior de Engenharia De Lisboa (ISEL), onde foi meu aluno em 1994. Não foi assim na Covilhã que com ele estabeleci conhecimento pessoal. (…) Erradamente associaram temporalmente a minha passagem pela Cova da Beira a um eventual estabelecimento de amizade com ele. (…) Acontece que, na altura da minha presença na UBI Sócrates já não vivia na Covilhã.”

“[Sócrates] com o seu cabelo comprido meio desgrenhado e solto, que na altura usava, e com o discurso profético produzido fez-me lembrar Felipe Gonzalez (…) O estilo de guerreiro romântico, a roçar o narcísico, rendia-lhe apreço e consideração. A vestimenta ajudava. A visão irreverente e revolucionária sobressaía logo na cor do fato que Sócrates vestia, um verde alface muito claro com abas largas e compridas – un enfant gâté.”

“Em Setembro de 1994 iniciaram-se as aulas de Fundações e Geotecnia Aplicada, disciplina que leccionei do CESE do ISEL. Quando entrei na sala, para leccionar a primeira aula, logo reparei no aluno sentado ao fundo da sala. Tratava-se do deputado José Sócrates. Tinham passados quatro anos desde a última vez que o tinha visto na Covilhã. Sócrates apresentava-se agora muito diferente. Perdeu o seu look de irreverente político romântico. O cabelo já não era comprido e volumoso, agora estava bem cortado, cuidado e usava fato e gravata. A postura e imagem eram outra. Sobressaía responsabilidade e cuidado. (…) Aparentemente a cidade grande amaciara-o e fornecera-lhe a dose de cinismo necessária e inerente à vida política. No final da aula, Sócrates veio falar comigo, perguntando-me se eu não estivera deslocado anos antes a leccionar na UBI. Percebi que ele sabia da minha passagem pela Covilhã e, igualmente, conhecia a minha ligação ao sector da oposição no PS local. No plano ideológico, no PS, eu estava e estou mais à esquerda que Sócrates. Pediu-me o telefone e convidou-me para jantar. Foi assim que estabelecemos conhecimento pessoal em 1994.”

“A convivência mantida com Sócrates ajudou-me em termos pessoais. Conheci um mundo em regra desconhecido. Tive acesso a informações e confidências… Conheci pessoas da política. Adquiri uma visão, conhecimento e compreensão do funcionamento do mundo político-mediático; do Parlamento e do Governo; e do relacionamento entre política e mundo empresarial. Ajudou-me a crescer  a compreender o nosso sistema organizativo, enquanto sociedade e País”

“Pessoalmente, só tenho a dizer bem de Sócrates. Estou-lhe grato por me ter indicado para gestor público do Ministério da Administração Interna. Sempre me tratou com respeito e consideração. A mim nunca me induziu a praticar ilegalidades. Foi meu amigo.”

“Com o surgimento do processo judicial da Cova da Beira, que me envolveu directamente, Sócrates afastou-se da minha pessoa… Só voltei a estar com ele, e por solicitação expressa dele, após a leitura da sentença do meu julgamento em 2013. Obviamente, a partir de 2006, Sócrates considerou-me lixo tóxico e afastou-se…!”

As notícias, a perseguição e a campanha política

“O cariz político do processo foi por demais evidente nas notícias de certa imprensa. O caso Cova da Beira foi utilizado na luta político-partidária por diversos agentes e grupos, uns mais institucionais que outros.”

António Morais acredita no “cariz politico do processo Cova da Beira e a sua instrumentalização na luta política-partidária ocorrida. Este facto reforça o meu sentimento de que Sócrates foi objecto de uma acção conspirativa para o derrubar enquanto primeiro-ministro”.

A licenciatura de Sócrates na Independente

“Percebendo a existência deste mercado, e vislumbrando as vantagens empresariais inerentes, entrei em contacto com a Universidade Independente, oferecendo a minha experiência e capacidade docente, dado que esta Universidade lecionava a licenciatura em Engenharia Civil. Resolvi bater à porta da Independente; quem me recebeu foi Rui Verde; expus-lhe o meu projecto e ideia. Rui Verde retorquiu-me: temos que falar com o Reitor. E levou-me ao Reitor Luís Arouca.”

“Na reunião com o reitor da Independente Luís Arouca e na presença do seu vice, Rui Verde, descrevi o mercado potencial existente e propus-lhe que a Independente criasse um curso no quadro e no interior da sua licenciatura de engenharia civil, que permitisse aos bacharéis prosseguirem os seus estudos, visando obter a equivalência ao grau de licenciado. O Reitor Luís Arouca percebeu o potencial existente e não só aceitou a ideia, como de imediato me nomeou Director da licenciatura em engenharia civil da Independente (…). No ano lectivo de 1995 ocorreram as primeiras candidaturas de bacharéis e um dos candidatos foi José Sócrates”.

“José Sócrates quando se candidatou à Independente, na via de aluno bacharel, carreava no seu currículo académico um bacharelato com 4 anos lectivos, obtido no Politécnico de Coimbra, e um 1º ano incompleto do CESE do ISEL.”

“No caso de José Sócrates, o somatório de horas associado ao número de disciplinas do bacharelato do Coimbra agregado com as obtidas no 1º ano do CESE do ISEL ultrapassava o mínimo necessário, contemplado na legislação de então que instituía a licenciatura da Independente. Por este facto, o Reitor da Independente, Luís Arouca, admitiu conceder a equivalência directa do grau de licenciado a José Sócrates. Decidi, no entanto, enquanto Director da licenciatura de Engenharia Civil da Independente, que embora aquele aluno possuísse condições para a obtenção directa por equivalência do grau de licenciado, impunha-se no entanto que frequentasse e concluísse com aprovação as disciplinas da área científica de Estruturas dos últimos anos do curso de Civil da Independente; em concreto quatro disciplinas, sendo duas delas anuais, pelo que na Independente Sócrates cursou e obteve aprovação a um equivalente de seis cadeiras semestrais (não considero a disciplina de Inglês Técnico).”

A indignação de fazer o curso ao domingo e os oportunistas dos jornalistas

“O exame ao domingo foi a maior mentira que a comunicação social inventou e escreveu sobre a licenciatura de José Sócrates. Obviamente que não houve qualquer exame ao domingo. Os media criaram um monumental embuste!… (…) Nalgumas certidões de curso de alguns dos alunos, emitidas pelos serviços académicos da Independente, a data, nelas presentes, relativa à emissão pelos serviços, correspondia a um domingo. Os jornalistas de modo muito pouco sério, e no contexto da campanha de conspiração e ataque a José Sócrates, associaram de modo oportunista aquela data ao dia da realização do exame, com o propósito de alimentarem a campanha em curso de intoxicação da opinião pública contra Sócrates. Não só é abusivo, como é falso. Os jornalistas montaram uma farsa com esta data. Não houve qualquer exame ao domingo. Os jornalistas que o escreveram… mentiram!”

O Inglês Técnico

“As candidaturas a curso foram, como é normal, durante os meses de Julho e Agosto. José Sócrates foi um dos alunos bacharéis que se candidatou e em devido tempo foi-lhe comunicado qual o plano de disciplinas a cursar. As aulas iniciaram-se no final de Setembro. Do plano constavam quatro disciplinas; todas do domínio científico de Estruturas. (…) quando iniciaram as aulas em Setembro os alunos bacharéis tinham um plano de disciplinas a realizar, que não incluía a disciplina de Inglês Técnico.”

“O ano lectivo decorreu normalmente sem sobressaltos.”

“No final do ano lectivo, em Junho, passado portanto praticamente um ano, numa altura em que as aulas do ano lectivo em causa já tinham terminado e os alunos se preparavam para os exames, recebo uma inaudita chamada telefónica do Reitor Luís Arouca. O Reitor com voz nervosa e aflita comunica-me pretender que o aluno José Sócrates realizasse um exame a Inglês Técnico. Obviamente respondi a Luís Arouca que o pretendido era impossível e destituído de qualquer racionalidade, e, no plano jurídico, ilegal. (…) Pasme-se, Arouca informa-me, ainda, que somente o aluno Sócrates teria que fazer esse exame…!”

“O Reitor Luís Arouca informa-me que era o Eurico Calado que estava a fazer “barulho”… pois “queria fazer exame ao Sócrates…”  e acrescenta que Eurico Calado alegadamente era afecto ao PSD e ele, Arouca, não estava em condições de se opor ao grupo do PSD na Independente, o qual, dizia ele, tinha muito peso na Universidade Independente…!”

“Naturalmente disse não ao Luís Arouca.”

“Passados mais alguns dias, recebo um novo telefonema do Reitor. Luís Arouca informa-me que tinha falado com José Sócrates, que o colocara ao corrente do assunto, designadamente das dificuldades de relacionamento que ele, Arouca, tem com o grupo do PSD e com Calado. Comunica-me que o aluno José Sócrates se mostrara compreensivo para com a posição do Reitor e, acrescenta-me, que o aluno aceita fazer um exame a Inglês Técnico, mesmo não tendo esta disciplina no plano de curso…! Bom, perante esta predisposição do aluno, obviamente não seria eu a levantar problemas, respondi concomitantemente a Luís Arouca que não me opunha então a esta decisão do aluno”

“E não assinei a pauta desta disciplina.”

“O exame a Inglês Técnico só se realizou porque o aluno Sócrates se predispôs a ajudar o Reitor Luís Arouca no seu relacionamento com o PSD.”

O concurso da Cova da Beira

“Perseguem-me durante anos, humilham-me publicamente, fustigam-me com notícias tendenciosas e falsas e durante anos e anos, sacrificam-me os filhos, destroem-me a vida, arruínam-me a carreira académica e profissional, dão-me cabo da saúde e… nem se dão ao trabalho de continuar com a aparente e alegada farsa, apresentando um simples recurso.”

“Obviamente que eu sinto que da parte do Ministério Público existiu uma perseguição à minha pessoa; sinto que fui escolhido e perseguido e, posso estar enganado, mas penso que me procuraram condicionar, pressionar, calar. É o que me perpassa pela mente. Não encontro outra explicação. E suspeito que não me querem largar da mão. Imagino que outros processos devem estar a correr no MP.”

“A minha passagem pelo IGFP da Justiça assustou algumas pessoas.”

“Trata-se de uma cena digna de um programa de humor televisivo, e não seria difícil imaginar Ricardo Araújo Pereira vestido a rigor a solicitar aos senhores magistrados em cena… vá lá, entendam-se, olhem que o arguido está a ver…! (…) Então escavacam-me a vida e depois não se entendem?!”

“Então, estive obviamente na fase de instrução empenhadíssimo em construir a minha defesa de modo sério e responsável, até porque era o meu coiro que estava em cima da mesa (perdoem-me a linguagem).”

Ana Simões e a paternidade falsa

“Em Setembro de 2003 já estava separado e vivia num hotel em Sintra. Por razões profissionais tive nesse mês que me deslocar a Angola. A minha ex-mulher, surpreendentemente, pediu-me para a levar comigo, propondo-me mesmo partilhar o quarto de hotel, para diminuir despesas. Achei estranho, para quem dizia de mim cobras e lagartos, que me detestava e não me suportava…! Mas, numa de querer uma separação e divórcio amigável, lá acedi. (…) Em Luanda compartilhámos o quarto e a mesma cama…!”

“Caí que nem um patinho na armadilha…!”

“Passadas duas semanas após o regresso a Lisboa, Ana Simões informa-me que está grávida. Comunica-me que eu ia ser pai! Fiquei surpreso e questionei-a como podia ser eu o pai, dado que não vivíamos juntos já há algum tempo, apesar de me recordar do que se passara em Luanda (partilhámos a cama…!)”

“Bom, nada podia fazer. Naturalmente tive que assumir o sustento e a paternidade da criança.”

“Hoje, à distância de 12 anos, percebo que a Ana já foi grávida para Luanda e ela sabia-o, e, igualmente, sabia que eu não era o pai, porque, conforme ela própria afirmou ao Tribunal, eu já saíra de casa…!”

O Perito Quinhones

“A vida nem sempre é uma lição. Por vezes é uma desilusão. Desilusão pelo comportamento e atitudes de pessoas que connosco se cruzam. É o caso dos Peritos do MP que realizaram a peritagem, em especial, o Perito Quinhones Levy, Professor no Instituto Superior Técnico. No dia da leitura da sentença, a Juiz Presidente dizia “sem querer pôr em causa a honestidade do professor Levy…”. Eu vou ser um pouco mais afirmativo, também detenho algumas dúvidas sobre o carácter do professor do Técnico. O senhor Levy, na minha opinião, teve um comportamento que me custa a catalogar como sério. Teve, a meu ver, um comportamento próximo de um sacripanta. Na minha opinião, um salafrário não fazia melhor.”

As perguntas que deixa

“No caso da Cova da Beira, o DIAP não terá sido instrumentalizado para outros fins que não os da justiça?”
“Quem poderá ter tentado manipular o Ministério Público?”
“Quem sustenta e quem beneficia esta campanha?”
“Como conseguir ultrapassar esta situação?”
“Então, como era possível e entendível que passado um ano sobre o plano de disciplinas aprovado e depois das aulas já terem terminado, o Reitor pretender e propor-me, na minha qualidade de Director da licenciatura, a alteração do plano de estudos, para incluir uma disciplina, e logo uma disciplina lateral e sem importância…?!”

(O livro foi lançado pela Chiado Editora e já chegou às livrarias).