José Sócrates teve de comprovar os seus conhecimentos de língua inglesa para obter o mestrado em Ciência Política no Institut d’Etudes Politiques de Paris (mais conhecido pela designação Sciences Po), tendo obtido uma nota elevada (16) no trabalho final do mestrado.

Sócrates completou o mestrado com a especialidade em Teoria Política em Junho de 2013 mas a aprovação global positiva ficou condicionada à entrega de um certificado linguístico C1 correspondente ao domínio avançado da língua inglesa. Tal como refere o programa curricular do mestrado frequentado pelo ex-primeiro-ministro, a certificação é obrigatória para frequentar aquele curso de Science Po devido ao facto de algumas cadeiras e seminários serem leccionados exclusivamente em inglês. Tal condição não se coloca se a licenciatura do aluno tiver sido realizada em inglês, o que prova automaticamente que o mesmo fala fluentemente a língua.

O ex-líder do PS, como outros alunos, não apresentou o respetivo certificado antes da saída dos resultados finais e teve direito a um prazo especial para apresentar o referido documento até ao final de setembro de 2013 – o que, segundo Jean-Marie Donegani, diretor da escola de doutoramento de Sciences Po, ocorreu.

Obteve o diploma de mestrado em junho de 2013, mas condicionado à obtenção da certificação de língua até ao final de setembro de 2013. O prazo foi cumprido e José Sócrates foi admitido no curso de doutoramento no dia 1 de outubro de 2013″, afirmou o professor Donegani ao Observador.

José Sócrates preferiu não responder a diversas perguntas enviadas pelo Observador mas autorizou a assessoria de imprensa dos seus advogados a transmitir a informação de que os seus conhecimentos em inglês avançado (equivalente à terminologia C1) foram certificados pelo British Council em Lisboa. Tal certificação foi precedida de um “exame realizado em agosto de 2013” pelo ex-primeiro-ministro, segundo a assessoria de imprensa.

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O exame realizado por Sócrates designa-se de “International English Language Testing System” (IELTS), foi criado pela Universidade de Cambridge e é gerido em todo o mundo pelas diferentes delegações do British Council. O mesmo testa a compreensão auditiva, a leitura, a escrita e a conversação em inglês.

Questionado por escrito, Jean-Marie Donegani explicou ainda que “o sr. José Sócrates concluiu a sua pós-graduação de M1 em 2011-2012 e em M2 em 2012-2013 no mestrado de ciência política de Science Po, com especialização em teoria política.”

No sistema universitário francês, é possível fazer o M1 sem prosseguir para o M2. Tal separação reside nos diferentes objetivos dos dois programas. Enquanto o primeiro tem uma componente mais geral, destinando-se a alunos já inseridos no mercado de trabalho – por exemplo, diplomatas e altos funcionários de organizações internacionais como a União Europeia, as Nações Unidas, entre outras, no caso do mestrado de Sócrates -, o M2, por seu lado, tem um programa mais específico e prepara alunos que estejam interessados em prosseguir para o doutoramento e para uma carreira académica.

Tese de mestrado com 16 valores

De acordo com Jean-Marie Donegani, José Sócrates obteve 16 valores no seu trabalho de final de curso. Sócrates teve de apresentar um trabalho escrito (designado de “mémoir”) no quatro semestre de M2, sendo sujeito a uma “grand oral” (o equivalente a um exame oral no sistema universitário português) onde defendeu o seu trabalho intitulado “A perda de confiança no mundo. Discussão sobre a tortura em democracia” perante um júri composto pelo próprio Donegani (diretor da escola de doutoramento de Sciences Po) por Astrid von Busekist (orientadora de Sócrates e responsável pela especialização em Teoria Política seguida pelo ex-primeiro-ministro) e por Frédéric Gros (igualmente professor no mestrado e especialista nas obras do filósofo Michel Foucalt).

O júri premiou o trabalho de Sócrates intitulado “A perda de confiança no mundo. Discussão sobre a tortura em democracia”, com uma nota de 16 valores numa escala em que 20 representa a nota máxima.

Donegani não confirma assim a suspeita defendida por Maria Filomena Mónica na edição do “Expresso” de 23 de agosto de que Sócrates não teria apresentado a tese de mestrado perante um júri académico.

Após a aprovação no mestrado, e a entrega do certificado que atesta os seus conhecimentos avançados da língua inglesa, José Sócrates foi admitido no doutoramento de Sciences Po. Tal como conta Jean-Marie Donegani:

O sr. Sócrates está oficialmente registado (no doutoramento) no nosso estabelecimento de ensino e participou em vários seminários obrigatórios para os alunos de doutoramento até à sua prisão. A sua tese está inscrita em Ciência Política, na especialidade de Teoria Política”, afirma o responsável máximo pelo escola de doutoramento de Science Po.

Donegani, ele próprio especialista em Teoria Política, acrescentou ainda que o tema da tese de doutoramento de Sócrates continua a ser a tortura e a democracia. Segundo o professor de Sciences Po, “o título da tese [de doutoramento] do sr. Sócrates é: ‘A tortura e a exceção em democracia’. A sua orientadora de tese é a Professora Astrid von Busekist e o seu centro de pesquisa é o CEVIPOF (Centro de Pesquisa Política da Sciences Po).”

A detenção para interrogatório de José Sócrates no dia 24 de novembro à chegada ao aeroporto da Portela, vindo precisamente de Paris, acabou por levá-lo a interromper os estudos.

Matriculou-se na “l’ecole doctorale” (escola de doutoramento), onde estava a preparar o seu doutoramento que foi interrompido com a sua detenção e, portanto, não conseguiu desenvolver a sua tese”, explica o professor Donegani.

O Observador questionou José Sócrates sobre a sua intenção de retomar o seu doutoramento mal terminem as medidas de coação privativas da sua liberdade mas não obteve qualquer resposta do ex-primeiro-ministro.

Science Po, universidade de élite

O Institut d’Etudes Politiques de Paris é uma das universidades francesas mais prestigiadas e com maior reconhecimento mundial. Conhecida pelo nome Sciences Po (diminuitivo do primeiro nome da universidade: “École Libre des Sciences Politiques”), tem o estatuto de “Grande École” – designação que não tem tradução no sistema universitário português mas que tem uma grande tradição em França.

Após a Revolução Francesa, o novo regime sentiu necessidade de criar as “Grandes Écoles” para formar e fomentar líder políticos e altos quadros para a administração pública. A primeira dessas escolas foi a “École Centrale des Travaux Publics” (hoje designada de”École Polytechnique”), criada em 1794.

Sciences Po nasceu em 1872, após a guerra entre a França e a Prússia e a queda de Napoleão III, e num contexto completamente diferente dos tempos iniciais da Revolução. O objetivo dos seus fundadores passava pela reforma da formação dos políticos franceses e dos altos quadros da administração.

Desde essa altura, as “Grandes Écoles” são muito prestigiadas em França, encaradas como protagonistas de um ensino de élite e onde são formados parte dos altos funcionários do Estado e dos membros do governo.

Os ex-presidentes Françóis Miterrand, Jacques Chirac ou Nicolas Sarkozy e o actual presidente François Hollande, além de Laurent Fabius (ex-primeiro-ministro francês) ou Dominique Strauss-Khan (ex-director-geral do FMI), são alguns dos políticos que passaram por Sciences Po.

A universidade tem igualmente uma grande tradição, mais recente, de tentar atrair estudantes internacionais, nomeadamente ex-chefes ou ex-ministros de governos estrangeiros que estejam interessados em prosseguir os estudos através de um mestrado ou de um doutoramento.

Foi neste enquadramento que José Sócrates acabou por candidatar-se a Sciences Po. O ex-primeiro-ministro português teve de enviar um dossier composto pelas suas habilitações literárias, assim como as notas da sua licenciatura em Engenharia Cívil concluída na Universidade Internacional e as notas do Master Business Administration (MBA) que frequentou no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa. Sciences Po pede igualmente uma carta de motivação a todos os candidatos e organiza igualmente entrevistas, que até podem ser telefónicas, para conhecerem melhor o aluno. Sendo um ex-chefe de governo português, a sua entrada estaria sempre assegurada, visto que a titularidade de altos cargos políticos é muito valorizada no processo de avaliação de Sciences Po.