A panela enche-se de água e dá-se gás ao lume para a por a ferver. O calor faz o seu trabalho, tudo começa a borbulhar e lá se juntam os ingredientes. Depois é dar tempo ao tempo para que a mistura de galinha, massa, caldo, azeite e salsa faça magia e do tacho saia uma canja feita. O resto é tudo bom e a sabedoria popular tratou de explicar porquê: a receita é das boas, não é nada difícil de fazer e os pedaços de galinha ficam tão tenros que parece mentira. Por isso é que dizer que é fácil se foi tornando sinónimo de dizer que é canja e este truque de linguagem foi sendo usado por muita gente. E esta lenga lenga toda serve para entender o “afinal era canja” que saiu da boca de Fernando Santos.
A diferença é que o selecionador juntou-lhe uma pitada de ironia para falar de como a seleção conseguiu chegar ao Europeu. As seis vitórias seguidas (em jogos a sério) desde que é o chef da equipa fizeram com que a qualificação fosse menos complicada do que o costume, mas o treinador não quis nada com esta conversa. Ironizou nas respostas e reforçou que “o apuramento não foi nada fácil”, ou pelo menos não tanto como marcar um golo em Belgrado. A cabeça de Bruno Alves nem deu tempo para a água começar a ferver quando foi ao meio campo despachar uma bola para o buraco de espaço que estava à frente da defesa sérvia. Danny foi o único que para lá correu.
O avançado deu às pernas para tornar aquilo num sprint e atirar a bola para um lado, ir pelo outro de Mitrovic, deixá-lo para trás e, na área, pisar a bola para depois a rematar com o bico da chuteira. Vladimir Stojkovic não deixou a bola entrar mas deixou-a ao jeito de Nani, que usou a recarga para fazer o 1-0. Olhava-se para o relógio e viam-se cinco minutos contados, os mesmos que havia quando Tiago ali marcou em 2007, na última visita de Portugal. Assim parecia mesmo canja. O problema é que nada do que se passou depois, até ao intervalo, foi fácil para a seleção. Só aos 44, quando Nélson Semedo tocou em Nani e o extremo esperou pela corrida de Miguel Veloso para lhe passar a bola e o médio rematar contra um sérvio, na área, é que se voltaria a ver algo de perigoso a falar português.
Até aí as muitas e várias mudanças que Fernando Santos fez à receita não ajudaram nada a que o jogo fosse bom de se ver. O trio Pereira-André-Veloso não atinava a meio campo e não houve uma vez em que a equipa levasse a bola da defesa até ao ataque com Danilo, André ou Miguel a tocarem-na na relva, pelo centro. Danny mal tocava na bola, Nani imitava-o e Quaresma preocupava-se tanto em defender que nem tempo tinha para inventar coisas. Os sérvios não faziam muito mais e apenas se viam as muitas correrias e cruzamentos de Tadic e Tosic — que aos 32’ ainda disparou uma bola às mãos de Rui Patrício. O intervalo chegava com Portugal a jogar pouco, a dizer obrigado a um golo que foi canja e com Fernando Santos a acender um cigarro à chuva.
O problema foi que os sérvios se fartaram de comer isto. Sem Europeu, com poucas pessoas no estádio, uma fase de qualificação feia e com castigos da UEFA pelo meio, os anfitriões pareciam querer redimir-se. Engataram uma mudança abaixo e puxaram pelo ritmo das jogadas. Nemanja Matic começou a jogar sozinho e fazia os passes que queria porque Miguel Veloso, o médio português que Fernando Santos pôs mais perto do ataque, nunca o chateava. Tadic e Tosic já iam buscar mais bolas ao meio para (sobretudo) Kolarov ficar com metros de relva à frente para desbravar. Nani e Quaresma nem sempre tinham pernas para correr atrás dele e a Sérvia usou e abusou do lateral canhoto.
Por isso é que o golo que não apareceu de um cruzamento de Kolarov aos 53’ surgiria aos 65’. O capitão sérvio correu, passaram-lhe a bola, ele foi à linha cruzá-la rasteira e à segunda esta jogada resultou porque Zoran Tosic rematou de primeira e à bruta perto da marca de penálti. O 1-1 apareceu com a seleção nacional perdida, sem conseguir atacar e mal capaz de se defender. As bolas que Portugal recuperava eram chutadas sem jeito para a frente, só para as tirar da área, e o golo sérvio foi o motivo que Fernando Santos precisou para tirar do banco alguém que a conseguisse manter na relva. João Moutinho entrou e tudo melhorou, já que o risco dos sérvios no ataque davam-lhe espaço para pensar bem no que fazer às bolas que a equipa lhe começou a dar.
Mas precisou de muito pouco para decidir o que fazer à bola que Eliseu lhe passou aos 78’, depois de a roubar junto à linha, bem perto da área sérvia. João dominou-a, não olhou para a baliza e nem um segundo gastou a rematá-la com o jeito de quem a quer tornar bonita. E tornou: a bola foi em arco e entrou no canto superior direito que se torna uma gaveta quando remates destes lá param. Moutinho desencantava um golaço e pela segunda vez em três dias dava o sabor certo à receita da seleção nacional — e em dois jogos marcava o dobro dos golos que tinha feito em 80 partidas com Portugal. O 2-1 aparecia do nada e para João Moutinho parecia canja. Depois, o jogo tornou-se fácil pois os sérvios começaram a jogar feio e a perder a cabeça. Kolarov foi logo expulso depois do golo quando refilou do banco e reclamou uma falta de Eliseu. Matic sê-lo-ia aos 80′, quando deu uma braçada na cara de André André e deixou a Sérvia a jogar com 10.
Aí, a seleção ficou a sentir-se melhor. A equipa ficou cheia de espaço para jogar com calma e aproveitar a desorganização que não largava os sérvios. Stojkovic ainda impediu que Nani marcasse um golo bonito e Éder só não fez um caricato porque não acertou na baliza quando desviou um passe atrasado por Dusan Tosic para o guarda-redes. A vitória manteve-se, era a sétima consecutiva que Portugal conseguia na qualificação e o recorde aumentava. João Moutinho estava mal do físico, disse a Fernando Santos que “20 ou 25 minutos conseguia aguentar” e o selecionador atirou-o para o campo “na altura certa”, como disse. Portugal ganhou pela primeira vez na Sérvia e fê-lo com uma equipa remendada, a jogar muito assim-assim, com Nélson Semedo a aparecer — foi o 15.º jogador que o treinador estreou, o segundo em encontros oficiais — e com a vitória a, pelo menos, deixar que tanto nome que não costuma jogar muito possa sair da seleção com confiança. E Portugal será cabeça de série no sorteio dos grupos para o Europeu graças aos remates que João Moutinho já faz parecer canja.