«Tenho o cabelo grisalho, os meus amigos já lá vão / Sinto dores nos lugares em que costumava gozar / Estou louco de amores mas não consigo avançar / É uma renda diária que continuo a pagar / na Torre da Canção». Estes são os primeiros versos de Tower of Song, um dos temas mais famosos de Leonard Cohen, e servem de mote para apresentar o tema do quarto episódio da série Breakthrough. O National Geographic Channel dedica um documentário a um dos mitos fundadores da humanidade: a fonte da eterna juventude. É no próximo domingo à noite, intitula-se A Idade do Envelhecimento e foi realizado e narrado por Ron Howard.
Tudo menos pacífico em termos éticos, o documentário faz um balanço dos mitos e das certezas científicas para lançar pontes para um futuro tão próximo que pode ser contado no presente. A caixa de pandora foi aberta com a transcrição do genoma humano, mas esta caixa pode ser vista como uma arca do tesouro, se a medicina genética operar sobre uma das maiores ânsias da humanidade: o envelhecimento.
Uma das surpresas que nos traz o documentário são as revelações acerca dos estilos de vida no processo de envelhecimento que, ainda há pouco tempo, pareciam impensáveis. Tomemos como exemplo um trabalho da revista National Geographic, publicado em janeiro de 2006.
Um arquipélago a sul do Japão, uma cidade na Califórnia e a ilha da Sardenha, no Mediterrâneo, apresentavam isto em comum: comunidades de centenários reunindo em si os três pilares da arte da longevidade: uma alimentação endémica e equilibrada, atividade física regular, partilha e convívio comunitário. Estas vertentes da sabedoria humana para uma longevidade com saúde, que dure para lá dos 100 anos, eram o centro da reportagem em parte financiada pelo Instituto Americano para o Envelhecimento.
As conclusões apontavam para esta afirmação inequívoca: uma vida mais longa não acontece por acaso. Começa com uma boa combinação genética mas depende muito do estilo de vida. Na Sardenha, em Itália, os demógrafos descobriram um núcleo de longevidade nas aldeias montanhosas, onde uma boa percentagem de homens vive até aos 100 anos.
Nas ilhas de Okinawa, no Japão, outra equipa estudou um grupo de idosos onde as mulheres mais velhas são líderes espirituais das suas comunidades e tomam chá com as suas filhas octogenárias. Em Loma Linda, na Califórnia, a investigação recaiu sobre um grupo de adventistas do sétimo dia que estão entre os cidadãos mais velhos dos Estados Unidos da América.
Estes três núcleos geram uma percentagem elevada de centenários que sofrem poucas das doenças mais comuns na velhice e gozam de mais anos de vida com saúde. Os conselhos que podem dar à maioria da população não centenária são estes: os sardos bebem vinho tinto com moderação, partilham os fardos do trabalho com os cônjuges, comem queijo pecorino e outros alimentos ricos em omega-3.
Os adventistas comem frutos secos e feijões, descansam ao sábado e têm fé. Os okinawanos mantêm amigos para toda a vida, comem porções pequenas e encontram sentido na vida. Mas o que têm em comum os membros destas três comunidades tão distantes nas dimensões cultural, religiosa e geográfica (são três continentes distintos)? Vivem num clima temperado, não fumam, fazem exercício físico, dão prioridade à família, comem frutos, legumes e grãos integrais.
Ora o documentário A Idade do Envelhecimento (National Geographic Channel, domingo 29 de novembro, 22h30), vem contrariar esta tese. Sem negar a importância dos modos de vida na longevidade e saúde, o foco está na boa combinação genética dos membros destas comunidades. Segundo os especialistas entrevistados, o segredo para alcançar uma longevidade saudável passa pela ciência e pela medicina, combinadas nas novas receitas da genética.
Um grupo pioneiro de cientistas acredita ter já conhecimentos suficientes para isolar e abrandar o processo de envelhecimento e defende uma abordagem privilegiada aos tratamentos medicamentosos personalizados, de modo a fazer perdurar o estado de saúde em paralelo com o aumento da longevidade. Esta proposta exige uma mudança de paradigma mental, psicológico, social e político, que implica os utentes, a comunidade médica, os legisladores, os políticos e os filósofos.
Tomar medicamentos para não envelhecer deverá ser permitido? Deverão estes remédios para a eterna juventude ser subsidiados pela segurança social? Quem terá prioridade no acesso à medicação? E com o aumento mundial da população de idosos, como encarar a prestação de cuidados médicos? As pensões e os serviços de apoio básico na terceira e quarta idades irão ser um dilema económico cada vez mais caro para as sociedades do mundo inteiro.
De acordo com um relatório da ONU, a proporção mundial de pessoas com 60 anos ou mais irá crescer ao longo do século XXI, passando dos 11,7%, em 2013, para 21,1% em 2050, um momento inédito na história da humanidade: haverá mais velhos do que crianças no nosso planeta.
Ao contrário destas evidências, a proposta deste episódio da série Breakthrough, defende que o envelhecimento pode não ser uma fonte de despesas mas antes de lucro. Se as pessoas viverem mais tempo, se esse tempo for um tempo de vida saudável e se os idosos forem capazes de continuar a levar uma vida produtiva, a economia pode assistir a um crescimento inédito.
Daí os investigadores estarem tão empenhados em neutralizar os efeitos do envelhecimento. E se ainda não foi descoberta a fonte milagrosa da juventude, muitos progressos promissores são já bem reais.
Um estudo realizado por investigadores da Albert Einstein College of Medicine, da Universidade de Yeshiva, revela que o exercício físico, tabaco ou bebidas alcoólicas, afinal, podem não ser os principais responsáveis das mortes prematuras. Apenas 43% dos centenários homens disse ter praticado exercício físico regular durante um período de duração relevante. 24% dos homens centenários consumiram álcool numa base diária, sendo esta uma taxa ligeiramente mais elevada do que a população geral nos Estados Unidos.
Esta investigação foi reforçada por um estudo publicado em 2015, no Journal of Gerontology: Biological Sciences, que encontrou evidências de que a extrema longevidade é uma característica hereditária. A solução pode estar aqui mesmo: se os cientistas encontrarem um gene ou uma combinação de genes específicos que conduzam à longevidade, a engenharia genética tornará acessível a todos um processo de longevidade semelhante.
Outro caminho para uma velhice mais saudável passa pela perversão do fenómeno de senescência, em que certas células-chave perdem o poder de se dividirem e crescerem. James Kirkland, investigador na Clínica Mayo, acredita que este processo contribui para as várias doenças crónicas contraídas no processo de envelhecimento e está a trabalhar no desenvolvimento de uma nova classe de medicamentos designados senolíticos.
Estes fármacos poderão destruir as células em declínio, sem prejudicar a renovação das congéneres saudáveis. Alguns clínicos pensam que a metformina, uma substância utilizada no combate à diabetes de tipo 2, por reduzir a libertação de açúcar no sangue por parte do fígado, poderá ser o tal fármaco. É que a metformina também retarda o processo de abrandamento da divisão celular, o possível momento chave no desencadeamento do envelhecimento.
Afinal de contas, se uma ou várias destas investigações promissoras for bem-sucedida, e se os tratamentos anti-envelhecimento se tornarem reais, é a vida dos 392 milhões de pessoas que terão 80 ou mais anos em 2050 que pode mudar radicalmente.
Realidade ou desejo, as possibilidades estão em aberto e, enquanto a ciência e a medicina avançam, a arte e a vida prosseguem de mãos dadas. Aos 81 anos, Leonard Cohen voltou a fumar, continua a fazer digressões e a pisar os palcos do mundo inteiro: canta e encanta com a sua presença frágil mas, como sempre, sedutora.
Num concerto em Sydney, em 2013, o agora ancião Cohen, revelou parte do diálogo que tivera com os rapazes da banda que o acompanhava na digressão. Foi uma conversa em torno das metamorfoses dos homens aos olhos das mulheres, e sublinha que não foi uma avaliação científica, mas apenas uma troca de impressões em torno de um café: «Começas por ser irresistível. Depois, tornas-te resistível. A seguir tornas-te transparente – não propriamente invisível mas como se estivesses a ser visto através de um plástico velho. E então tornas-te mesmo invisível. E aí – e esta transformação é a mais incrível – tornas-te repulsivo. Mas a história não acaba aqui. Depois de teres sido repulsivo, tornas-te giro – e é nessa fase que eu me encontro». Quem não estranha hoje a possibilidade de não envelhecer?
Breakthrough – A idade do envelhecimento
National Geographic Channel, domingo 29 de novembro, 22h30