Como as campanhas eleitorais e as disputas partidárias internas “podem ser muito feias”, Rui Rio prefere o debate de ideias. Esse sim, permite “coisas bonitas”. Foi por isso que o ex-autarca do Porto, afastado há alguns anos da política ativa, foi esta tarde à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a propósito de uma conferência organizada pela JSD sobre os 40 anos da Constituição, defender a necessidade de debater ideias sobre aquilo que deve ser a reforma do sistema político. Rui Rio quer menos deputados, mandatos de cinco anos para a Assembleia da República e para as autarquias, e mais poderes presidenciais: o Presidente da República (PR) devia ter o poder de demitir o primeiro-ministro, sem que isso implicasse a necessidade de dissolver o Parlamento. Atualmente, o PR só pode exonerar o primeiro-ministro apenas e só se estiver em causa “o regular funcionamento das instituições”.

Pedro Passos Coelho já tinha defendido a redução de deputados e o voto preferencial no congresso em que Rui Rio não apareceu com medo de “ofuscar” o líder e esta semana, na Assembleia da República, o PSD formalizou as propostas de alteração à lei eleitoral. Embora queira ir mais longe, são matérias em que Rio se mostrou concordante. “Redução de deputados sim”, disse, “e voto preferencial também porque, não sendo círculos uninominais, aproxima mais os deputados das pessoas”.

Dizendo-se um defensor do regime semi-presidencialista atualmente praticado, Rio sublinhou a necessidade de mudar, de reformar e revitalizar o sistema — mesmo que isso passe por mudanças na Constituição. Uma das mudanças que defendeu foi mesmo a possibilidade de o Presidente da República voltar a ter o poder de nomear e demitir o primeiro-ministro, sem que isso implique a dissolução do Parlamento, tal como aconteceu com Ramalho Eanes quando nomeou Nobre da Costa — que depois acabou por cair às mãos do Parlamento. “Não sei se isso não deveria voltar aos poderes presidenciais. O PR não devia ter só a bomba atómica [poder de dissolver a Assembleia], podia ter também uma bomba mais pequena”, afirmou, admitindo o regresso dos Governos por indicação presidencial.

Outra das reformas que defendeu foi a extensão de quatro para cinco anos na duração dos mandatos dos governos centrais e camarários. “Quando temos apenas quatro anos, quem está no poder está sempre em cima dos ciclos eleitorais”, explicou. Acrescentou ainda que essa extensão tem a vantagem acrescida de “tirar da governação o peso das autárquicas”, que já fizeram cair dois primeiros-ministros. E as câmaras não têm necessariamente a ver com a governação central.

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Também a regionalização, contra a qual votou fervorosamente em 1998, foi considerada por Rio como uma das reformas essenciais para melhorar o sistema político. “Quando se é autarca percebe-se a quantidade de assuntos que o Governo decide com desconhecimento de causa total”, disse, acrescentando que quando esteve à frente do Executivo no Porto se apercebeu da “quantidade de disparates” que se decide em Lisboa por os governantes estarem “longe dos problemas locais”.

Rui Rio falava ao lado de Eduardo Paz Ferreira, em tempos ligado ao PS, com o qual disse estar de acordo em praticamente tudo. O que faz de Rui Rio um político mais à esquerda? Foi o próprio quem disse que sim, em jeito de provocação. “Se o dr. Paz Ferreira se diz mais à esquerda, então eu caminho para a esquerda, porque concordo consigo”, disse no final da primeira intervenção do professor de Direito, lembrando depois que, quando era secretário-geral do PSD, foi ouvir o comunista Álvaro Cunhal e também concordou com ele. Concordou no “diagnóstico”, não na “terapêutica”, ressalvou.

“Se continuar assim caminhamos para uma ditadura”

Não é uma ditadura clássica, com um general ou uma figura a mandar no país, mas é uma ditadura. Um tipo de “totalitarismo” diferente, “sem rosto”. É para aí que Portugal caminha se não fizer mudanças e reformas profundas no regime democrático que vigora desde 1974, defendeu Rui Rio na mesma conferência. O problema, disse, é o enfraquecimento do poder político e a falta de “pessoas de qualidade na política”.

“Se isto continuar assim, o que vai acontecer é que caminharemos para uma ditadura, mas não é uma ditadura clássica, onde se possa dar um tiro no ditador e acabou. É uma ditadura provocada pelo enfraquecimento da democracia. Porque cada vez mais o poder político é mais fraco e sucumbe perante os interesses corporativos e privados”, explicou Rui Rio perante uma audiência de jovens estudantes de Direito. Em causa está, disse, o facto de o poder político estar “cada vez mais enfraquecido” e não conseguir fazer frente a interesses superiores.

Este é, segundo Rio, um dos problemas “mais graves” do atual regime democrático. Depois de ter alertado para o problema do afastamento das pessoas da política e para o facto de “haver uma quebra brutal da qualidade das pessoas que estão na política”, o economistateceu duras críticas à classe política que diz estar “enfraquecida” na sua autoridade, o que permite que outros interesses que não o interesse público ganhem terreno. “Se o poder político é fraco sucumbe permanentemente aos interesses corporativos e individuais, e se eu sou escolhido para defender o interesse público tenho de ser forte”, disse, dando o exemplo de uma das últimas greves dos trabalhadores da TAP, onde “todo o país, do governo à oposição, estava contra, mas olho para aquilo de forma impotente”.

Outro exemplo é o crescimento da despesa pública. “O crescimento da despesa pública deve-se à incapacidade de dizer ‘não’. Quando um político não tem força e está sempre a dizer que sim a despesa pública sobe por incompetência”, disse. Rui Rio tinha na sua secretária, na Câmara do Porto, um cartão com a palavra “não”, que mostrava aos vereadores que lhe iam pedir para aprovar despesa (mas isto ele não revelou na conferência).

Para Rui Rio, este cenário de “fraqueza” faz com que o país caminhe para uma ditadura diferente. “Uma ditadura onde, perante cada problema em concreto, o ditador vai mudando. Teremos ditadores esporádicos e será um totalitarismo sem rosto”, rematou. É por isso que, à cabeça, Rui Rio defende uma reforma do sistema político, porque aquilo que era certo em 1976 pode já não ser adequado 40 anos depois. “Pelo desgaste do tempo precisamos de uma coisa nova, uma coisa diferente para revitalizar, arejar o sistema”, concluiu.